O (mau) humor da economia na
era Dilma
A alegação de que o Brasil precisou afrouxar o controle
da inflação, deixando os índices fugirem do centro da meta para que o país não
fosse contaminado pela crise, em meio a um ambiente externo adverso, não
resiste a uma análise honesta. Não obstante, a desculpa vem sendo repetida com
despudorada regularidade por economistas e analistas próximos ao PT e ao
Planalto, sobretudo agora que a campanha eleitoral – amplificada pelo horário
gratuito na TV e no rádio – pode colocar em evidência o fraco desempenho da
gestão Dilma Rousseff.
Num mar de
indicadores preocupantes, há até uma boa notícia, mas ela não deve alimentar ilusões.
Se a inflação recentemente tem cedido, praticamente sem alta dos preços no
último mês (em julho, 0,01%), o “feito” não pode ser atribuído à ação daqueles
que respondem pela condução econômica, e tampouco pode ser visto como vitória
perene. Ao contrário, é fruto do fracasso do modelo macroeconômico que engendraram
(entusiasticamente batizado de “nova matriz”), que levou o país à beira de uma
recessão.
O ritmo de alta de
preços arrefeceu porque o endividamento esgotou a capacidade de consumo, mola
propulsora da “matriz”. Mas o alívio é provisório porque as expectativas
continuam a alimentar inflação futura, sobretudo porque os preços administrados
– energia, transportes e combustível – foram represados e, mais cedo ou mais
tarde, certamente depois das eleições, terão que ser liberados. Eis porque a
FGV projeta inflação de 7,2% nos próximos 12 meses, acima, portanto, do teto da
meta (de 6,5%), que deve ser o índice ao final deste ano. O desequilíbrio
permanece.
Países emergentes,
em condições similares à do Brasil, têm apresentado melhores indicadores de
crescimento – e com índices de inflação em geral mais baixos, salvo os casos de Índia e África do Sul. O ambiente
externo, por óbvio, é idêntico ao enfrentado pelo Brasil. Adotaram, porém, uma
política econômica centrada na sustentabilidade e no equilíbrio, o que
pressupõe um mínimo de rigor fiscal, ou seja, adequada gestão dos gastos
públicos. Não fizeram arranjos experimentalistas, como a nossa “nova matriz
macroeconômica”.
De acordo com o
Banco Mundial, os países emergentes deverão crescer em média 4,8% em 2014 e
5,4% em 2015 (ver tabela abaixo).
A média de crescimento do mundo – que considera os países desenvolvidos e por
isso com taxa de crescimento inferior, e os países menos desenvolvidos e por
isso com potencial de avanço igualmente menor – deve ser 2,8%. A projeção de
crescimento para o Brasil em 2015 era de 1,50%, inferior à média mundial, mas
já foi revista para 1,20%, de acordo com o último Boletim Focus, do Banco
Central. Em 2014, o PIB brasileiro deverá crescer 0,81%, com retração no setor
industrial (-1,53%). A média de crescimento do PIB no atual governo é de 2%,
contra 4% no governo Lula – marcado por uma continuidade na política econômica,
imune à “criatividade econômica” - e 2,3% do governo FHC. A média de Dilma só
está acima do período 1990-1994 (1,24%)
Fonte: Banco Mundial
Desde sua posse em
2011, o atual governo entendeu que deveria se ocupar do crescimento, e que para
tanto deveria promover um forte afrouxamento da política monetária (redução da
taxa básica de juros) e, ao mesmo tempo, manter a expansão do crédito, de forma
a anular ou atenuar os efeitos da crise global iniciada em 2008/2009. O aumento
do consumo, decorrente desses estímulos, seria a locomotiva do crescimento,
puxando o setor produtivo. Paralelamente, seguiu ampliando os gastos públicos.
O resultado da alquimia explosiva foi, a partir de então, o aumento persistente dos índices de preços, resultado de
demanda maior sem a contrapartida na elevação de oferta de produtos e serviços.
As pressões se mantiveram até que, em
abril do ano passado, na iminência de um novo descontrole inflacionário, o
Banco Central deu início a um ciclo de retomada da taxa básica de juros. De
7,25% a taxa passou para 11%, patamar atual, sem espaço para redução diante de uma
política fiscal expansionista (gastos públicos) e do reiterado estímulo ao
crédito.
Esta semana, o
governo baixou novo pacote neste sentido, num sinal contraditório de sua
política econômica: de um lado, mantém os juros elevados, de outro, reduz o
compulsório dos bancos e abre novas linhas de financiamento. De qualquer forma,
o aumento do crédito surtirá pouco efeito, tendo em vista um endividamento alto,
com sinais de inadimplência. O governo também não reduziu despesas – o que era
previsível num ano eleitoral – comprometendo ainda mais um cenário que já é de
incertezas.
O superávit fiscal
do ano (a economia para o pagamento de juros da dívida), cuja meta era de 1,9%,
deve ficar em 1%. Ressalte-se que essa meta era inferior a todas as
estabelecidas nos últimos 14 anos. A dívida pública subiu de 58% para 59% e a
líquida, de 34,6% para 34,9% no ano. Com um quadro tão degradado nas contas
públicas e com a manutenção da expansão do crédito, a política monetária
precisa necessariamente ser mais austera.
Economia com juro alto é ruim, mas com inflação descontrolada é pior
ainda. Não é por outra razão que já se projeta uma taxa Selic 12% em 2015, a
maior desde agosto de 2011.
Numa economia já ineficiente em razão de seus altos
custos de produção, representados por uma infraestrutura precária (para não
dizer obsoleta), com portos, aeroportos, rodovias e ferrovias no limite de sua
capacidade, uma pesada tributação, que funciona como lastro para o setor produtivo
e um elevado grau de burocracia, que subtrai o que ainda pode restar de
agilidade nas empresas, uma forte expansão de demanda, sem a contrapartida de
um gradual e consistente aumento da oferta, só pode levar a um impasse
macroeconômico, cujo maior sintoma é a pressão sobre os preços.
O que todos já
perceberam – menos o governo – é que o problema do crescimento brasileiro não
está relacionado à demanda, mas, sim à oferta. O maior gargalo está na
capacidade de produção. Seria preciso
aumentar os investimentos. A questão é que, com tantas incertezas, a taxa de
investimento também despencou, como revelam dados recentes. O maior desafio do
próximo governo (ainda que seja o mesmo, reeleito) será, portanto, o resgate da
credibilidade na área econômica. Uma missão hercúlea, haja vista o desmonte dos
últimos quatro anos.
Em tempo
Ainda a Dilma - A presidente da República afirmou ontem que é do interesse da União (ou seja, do Estado, não do governo) defender a Petrobras, ao justificar a pressão de alguns de seus ministros e do Advogado Geral da União para que o TCU não bloqueasse os bens da presidente da empresa. A presidente acha que a oposição está atacando a Petrobrás quando levanta denúncias contra a estatal e a os possíveis desvios de sua direção. Mas isso não é defender a estatal dos malfeitos? A oposição está atacando a má gestão, ou a gestão fraudulenta, não a instituição. Aliás, essa discussão nem existiria se o Estado não se metesse a empresário. O Estado precisa produzir petróleo e vender gasolina? Ou uma estatal petrolífera (aliás, como todas as demais) só interessa aos políticos, que a utilizam para fins escusos?
Ensaio sobre o Ebola - O confinamento de infectados na favela West Point, em Monróvia, capital da Libéria, cercados e contidos sob a mira dos fuzis de centenas de soldados do Exército, é um cruel retrato do despreparo das nações africanas para lidar com a assustadora epidemia que nos remete à ficção de José Saramago, com o seu Ensaio sobre a cegueira.
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