sábado, 18 de julho de 2020

Ensino


É a educação, estúpido


         Desde que foi instituído pela OCDE - Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico em 2000, o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) tem exposto o fracasso do ensino médio no Brasil. Num ranking de 80 nações, seguimos entre os últimos colocados e não figuramos na liderança nem na América Latina. A avaliação, feita a cada três anos, ganha relevância neste momento porque é indicativa dos desafios que o novo ministro da Educação, Mílton Ribeiro, terá pela frente.
De acordo com o relatório relativo a 2018, o mais recente, divulgado em dezembro passado, em Ciências, o Brasil aparece na 68ª colocação no mundo e em sexto na América Latina. Em Matemática, somos o 74º no ranking global e sétimo na região. Em leitura, figuramos no 57º lugar e em quinto entre os latino-americanos. O Pisa revela que 2/3 dos brasileiros com menos de 15 anos não sabem o básico de matemática.
A OCDE é taxativa no último relatório apontando “estagnação”, ou seja, não houve evolução no ensino médio do país no decorrer das sete edições do Pisa. O fraco desempenho embute um paradoxo. Segundo a própria OCDE, o Brasil é o país que mais investe em educação na América Latina e também um dos que mais investem no mundo, em proporção ao PIB.
Investimos 6% do PIB em Educação, acima, portanto da média dos países da OCDE, que é de 5,5%, e mais, por exemplo, do que México (5,3%), Chile (4,8%) e Colômbia (4,7%), cujos estudantes têm desempenho melhor que os brasileiros. Como o PIB brasileiro é o sétimo maior do mundo, significa que investimos mais do que a grande maioria dos países em termos percentuais e também absolutos. O que nos permite concluir que o problema da Educação está relacionado à má gestão dos recursos, e não propriamente à falta deles, como frequentemente é alegado – ainda que possamos admitir que dinheiro para a Educação nunca é demais.
A taxa de analfabetismo é outro dado revelador do fracasso. A Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio (Pnad), divulgada no início do mês, informa que 11 milhões de brasileiros acima de 15 anos não sabem ler e escrever. Entre os acima de 60 anos, 18% são analfabetos. Houve pequena melhora em relação aos números de 2018, mas pelos planos traçados na década passada, deveríamos ter zerado o analfabetismo em 2015, o que só deverá acontecer em 2024.
Se não é falta de recursos, pode-se questionar se a “inversão da pirâmide” – além da notória má gestão – não seria uma das causas das deficiências do ensino. De acordo com o Tesouro Nacional, dos R$ 117 bilhões investidos pela União em Educação em 2017, R$ 75,4 bilhões (64,4%) foram destinados às universidades federais, enquanto o restante para o ensino básico. Mas o número de universidades brasileiras entre as melhores do mundo é ridículo. A melhor colocada entre as federais é a de Minas Gerais, na 600ª posição no ranking global. Ora, se tivermos alunos bem preparados saindo do ensino médio, o ensino superior não seria naturalmente qualificado? É o que os dados nos sugerem.
Seria fake news atribuir o fracasso do ensino a Bolsonaro. Essa dívida é dos governos que o antecederam, desde a Constituição de 1988. O que não significa que o atual presidente não deva ser cobrado. Até porque neste ano e meio também já “contribuiu” com sua cota de erros, e a prova é que estamos no quarto ministro, este também uma incógnita. O mais razoável teria sido chamar uma unanimidade para o cargo, alguém que dispensasse apresentações. Não podemos mais errar. A economia depende cada vez mais do ensino. James Carville, estrategista eleitoral americano, hoje com certeza reformularia a sua fala para: “É a Educação, estúpido”.


        

sexta-feira, 10 de julho de 2020

Desenvolvimento


A  Amazônia e a retomada da economia pós-Covid

(Obs: este artigo foi publicado simultaneamente com o jornal Correio da Manhã)

         A calmaria institucional das últimas semanas, uma espécie de trégua nos embates que haviam carregado a atmosfera da quarentena em maio, dificultando o diálogo entre os Poderes, alcançou julho e veio reforçada por dados mais positivos sobre a recuperação da economia. A Receita Federal divulgou que as vendas registradas por Nota Fiscal eletrônica em junho foram 15,63% superiores ao mês anterior e 10,3% maiores do que no mesmo período do ano passado, o que autoriza a leitura de que o “fundo do poço” ficou para traz.
         O mesmo mapeamento indica que pelo menos 200 mil empresas, de diferentes segmentos, incluindo construção civil e supermercados, conseguiram manter o seu nível de vendas durante a pandemia. Um fator importante para o desempenho foram as compras emergenciais do governo, em especial as de medicamentos e equipamentos médico-hospitalares, para o combate à Covid-19, bem como o auxílio emergencial, que chegou a 64 milhões de pessoas, com R$ 95 bilhões pagos.  O setor público cumpriu o seu papel.
         Não faltarão puristas para cobrar da equipe econômica coerência programática. Aumentos de gastos públicos estariam, por definição, na contramão da doutrina liberal. Contudo, não poderão condená-la por indiferença diante da crise. Justiça seja feita, a rigor, a doutrina liberal não diz que governos não devam gastar nunca, mas apenas que não devem gastar de forma irresponsável e incondicional, como se não houvesse amanhã. A previsão é de que, no total, o auxílio alcance 79 milhões de brasileiros, somando R$ 152 bilhões, de acordo com o Instituto Fiscal Independente (IFI), um considerável programa suplementar de transferência de renda.
         Somando o auxílio emergencial a outras ações, como ampliação do programa Bolsa Família, incentivo às empresas para manutenção do emprego, financiamento para pagamento de folha salarial, fundos para operações de créditos, ajuda aos Estados e despesas adicionais do Ministério da Saúde, os gastos extraordinários para combate à pandemia somarão R$ 404 bilhões ao término de 2020, o que fará com que a dívida pública se aproxime dos 100% do PIB. Ironia do destino, a equipe que havia conseguido no ano passado a primeira redução da dívida pública desde 2013 acabou por promover o seu vertiginoso crescimento.
         O Estado aprofundou o buraco orçamentário por uma causa nobre. A pergunta é como voltar a crescer a partir de agora, uma vez que a capacidade de investimento público está esgotada? O investimento – e com ele a retomada sustentável do desenvolvimento – terá que vir do setor privado. Mas, para tanto, algumas condições deverão ser cumpridas. A primeira delas já foi referida de início: a pacificação das relações entre os Poderes.
         Convalescendo da Covid, o presidente Bolsonaro terá, quem sabe?, a chance de reconhecer que os atritos que promoveu neste ano e meio, por força da arriscada aposta na polarização, só prejudicaram o país – e, claro, o seu governo. Investidor gosta de segurança jurídica, algo que somente um ambiente de estabilidade institucional pode propiciar. A segunda condição é levar adiante as reformas que tornarão a máquina pública mais eficiente, abrindo espaço para uma redução da carga tributária que desonere o setor produtivo, gerando empregos e renda.
Uma terceira e importante condição para a retomada da economia pós-Covid é enviar mensagens claras sobre temas estratégicos, como, por exemplo, a Amazônia. A questão ética alia-se ao pragmatismo: muitos fundos condicionam investimentos à defesa ambiental.
O Mundo deve saber que os desmatamentos ilegais serão punidos com todo o rigor da Lei, e que o país está empenhado nessa missão. Em suma, o governo precisa cuidar de nossa imagem, o que significa ter gente com discurso e práticas responsáveis em postos-chave. Até aqui, isso não tem sido a regra, apesar das louváveis exceções, como a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, que tem reiterado que devemos ter tolerância zero com as agressões ao meio ambiente.

Por Nilson Mello
        
        


quarta-feira, 1 de julho de 2020

Privatizações


Dinamismo nos portos e o OGMO

(Obs: Este artigo foi publicado simultaneamente com a Agência Infra)

         O governo anunciou no início do mês de junho que promoverá no terceiro trimestre deste ano os leilões de arrendamento de pelo menos mais sete terminais em Portos Organizados (públicos), na esteira de uma série de concessões que incluem também rodovias, ferrovias e aeroportos, o que poderá significar, segundo estimativas oficiais, compromissos de investimentos (contratos) da ordem de R$ 250 bilhões nas próximas décadas. No setor portuário especificamente, deverão ser 15 os terminais portuários concedidos à iniciativa privada até o final de 2020, considerando os processos licitatórios já realizados e os em andamento.
         O Ministério da Infraestrutura também confirmou que está concluindo os estudos para a desestatização do Porto de Itajaí (SC), pertencente à União, mas municipalizado, e cujo leilão deverá ser realizado no segundo semestre de 2022. O otimismo em relação às privatizações e aos investimentos nos portos justifica-se tendo em vista não apenas o dinamismo do setor, mas, sobretudo, o aumento da demanda que a retomada do crescimento ensejará. Cabe salientar que, atrelados ao agronegócio, os portos têm tido bom desempenho mesmo em meio à crise gerada pela Covid-19.
Mais do que um “termômetro” da atividade, os portos devem ser vistos como um importante ativo econômico e um fator de desenvolvimento. Como 95% do comércio exterior brasileiro em volume passam pelos terminais portuários, a competitividade da cadeia produtiva nacional estará sempre condicionada à eficiência e à produtividade do setor. Os números que vêm sendo registrados neste primeiro semestre, até aqui, são positivos.
Apesar da pandemia, a movimentação portuária cresceu 3,71% (340 milhões de toneladas) no Brasil nos primeiros quatro meses em relação ao mesmo período do ano passado. E não foi apenas no longo curso (exportações e importações), mais favorecido pela demanda externa por commodities agrícolas e minerais, que houve avanço. A cabotagem registrou aumento de 11,3% na movimentação no primeiro quadrimestre em relação ao ano passado.
         Resultados expressivos no movimento estão sendo verificados em diferentes complexos: em São Francisco do Sul (SC), alta de 20,4% em maio em relação ao mesmo mês do ano passado; em Itapoá (SC), aumento de 11,3% nos cinco primeiros meses do ano em relação ao mesmo período do ano passado; em Itaqui (MA), previsão de aumento de 12% nas exportações ao término do semestre na comparação com 2019; e, em Suape (PE), avanço de 21% no volume de cargas movimentadas no acumulado do ano. E esses são apenas alguns exemplos.
O desempenho abrange diferentes segmentos de carga, do granel líquido ao granel sólido, passando pelo contêiner. Em Paranaguá (PR), houve recorde de importações e exportações em maio, com 5,7 milhões de toneladas movimentadas, 44% superior ao mesmo mês do ano passado. Em Portonave (SC), o recorde foi a atracação, no dia 16 de junho, do porta-contêiner APL Paris, de 347 metros de comprimento, o maior navio que já aportou no Brasil.
Há grande expectativa quanto ao modelo de desestatização a ser proposto para Itajaí. O mais provável é que seja adotado ali o mesmo que vigora hoje em todos os terminais arrendados em Portos Organizados brasileiros, o de landlord port, pelo qual o setor público mantém o controle administrativo (a Autoridade Portuária), enquanto o setor privado se responsabiliza pelos investimentos e pela operação. Esse é também o modelo que prevalece nos principais portos do mundo, como Hamburgo, Roterdã, Marselha, Valência e Barcelona.
Porém, como o estudo de modelagem de Itajaí, iniciado este ano, tem prazo de 28 meses para ser concluído, especula-se que o governo poderia propor para o porto catarinense algo mais parecido com o fully privatized port, que é, em última instância, o regime jurídico adotado no Brasil para os Terminais de Uso Privado (TUPs), ou seja, aquelas instalações que se encontram fora dos Portos Organizados, como, por exemplo, Portonave e Itapoá, mencionados acima. Pelas assimetrias que tal escolha poderia acarretar, com possível judicialização da questão, o que é previsível, não parece de antemão a melhor opção.
Vale lembrar que os terminais arrendados em Portos Organizados (públicos), ao contrário dos TUPs, não gozam de autonomia para a contratação de pessoal, devendo, por imposição legal, recorrer ao OGMO, uma entidade para-sindical, para contratar trabalhadores avulsos no que toca os serviços de capatazia, estiva, conferência de carga, conserto de carga, bloco e vigilância de embarcações. Isso dá aos TUPs uma razoável vantagem competitiva, pois essas instalações eminentemente privadas têm total liberdade para gerir, capacitar e treinar seus profissionais, de acordo com os melhores parâmetros de mercado, sem ingerências externas.
Por outro lado, é preciso reconhecer que os TUPs são empreendimentos que começaram do zero (projetos greenfield), para os quais foram necessários pesados investimentos não apenas na construção da infraestrutura do terminal em si, como nos seus acessos e serviços de suporte, o que muitas vezes inclui rodovias, alças de ligação rodoviária e ferroviária, estações de geração e transmissão de energia etc. Grosseiramente, poderíamos dizer que o handcap (desvantagem) dos terminais arrendados em Portos Organizados, pela obrigatoriedade do OGMO, teria sido compensado pela maior exigência de investimentos de um projeto greenfield, equalizando as condições de concorrência.
Aí surgiria a questão: na desestatização de Itajaí, que é uma estrutura pública pronta, se feita pelo regime eminentemente privado (fully privatized port), a obrigatoriedade do OGMO seria mantida, como nos demais Portos Organizados, ou cairia, como no modelo dos TUPs? A lógica nos autoriza a deduzir que cairia, em respeito ao modelo adotado, mas essa, contudo, é a falsa discussão. O verdadeiro debate que o governo e o setor devem enfrentar a partir de agora, e com transparência, é quanto à validade da manutenção do OGMO em qualquer hipótese.
O país está ingressando numa terceira e decisiva fase de investimentos no setor. A primeira veio com a Lei de Modernização dos Portos (Lei 8.630/1993), que permitiu o arrendamento dos terminais públicos, garantindo um grande salto em termos de eficiência e produtividade. A segunda data do novo marco regulatório (Lei nº 12.815/2013 e Decreto nº 8.033), que autorizou os terminais de uso privado (TUPs), fora dos Portos Organizados, portanto, a movimentar cargas de terceiros, o que estimulou os investimentos na implantação de novos empreendimentos e na ampliação dos já existentes.
Agora, é hora de se discutir com clareza o fim do OGMO, o último traço de anacronismo do setor portuário brasileiro, na prática, um monopólio de caráter sindical que define como uma empresa privada deve contratar mão de obra, quem deve contratar e de que forma devem ser capacitados, treinados e organizados (incluindo cadastro e escala de trabalho) os profissionais que lhe prestam serviços. Só a burocracia que envolve essa intermediação - e os custos inerentes a ela - já seria razão suficiente para justificar o seu fim, sem contar a questão de fundo, ainda mais importante: por que uma empresa privada deve ser obrigada a recorrer a terceiros para fazer algo essencial à sua atividade, qual seja, a gestão de pessoal especializado?  A questão está na mesa.
Por Nilson Mello