sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Artigo

             Ministro José Eduardo Cardozo

Tempos de falácias e embustes

O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, afirmou nesta quarta-feira que as acusações que têm vindo a público contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva devem ser analisadas sob os enfoques judiciário e político, mas também sob a ótica do povo. Para o ministro, o que está claro é o propósito infamante das declarações.
Sob o enfoque judiciário, disse ele, as acusações não teriam qualquer “valor probatório” porque partem de pessoas já condenadas ou que estão sendo alvo de inquérito e, portanto, tentam, com a suposta manobra, vingar-se ou dividir responsabilidades. Além disso – prossegue o ministro em seu curioso raciocínio - as afirmações, todas elas caluniosas, não vieram acompanhadas de provas materiais.
Já do ponto de vista político, seriam acusações e ser encaradas como parte do embate natural entre oposição e governo. Neste contexto, segundo o ministro, devem ser minimizadas, relegadas aos escaninhos das futilidades político-partidárias, esvaziadas de qualquer efeito legal prático. Estranho raciocínio, novamente.
Pela ótica da opinião pública ou do povo – e nesse ponto regozija-se o ministro – aí mesmo é que as acusações não devem merecer nenhuma importância, porque, lembra ele, o povo já julgou o ex-presidente como um homem de bem, imbuído de elevado espírito público e comprometido com os verdadeiros interesses dos brasileiros.
O ministro encontra hoje nos altos índices de aprovação, e não na Lei, a melhor blindagem para Lula e o seu governo. Nada como dar tempo ao tempo e refazer o discurso político.
O atual titular da Justiça foi talvez o único parlamentar do PT que, no bojo do estouro do escândalo do “mensalão” – repita-se, o esquema de cooptação de apoio no Congresso montado pelo PT para consolidar o seu poder - declarou que a compra de voto existiu, que o fato não poderia ser escondido da sociedade e que seria preciso punir os responsáveis.
Reconheçamos que as denúncias do “mensalão”, embora estejam agora culminando com a efetiva condenação dos envolvidos, no desfecho da ação penal 470 no Supremo, e como consequência da robustez das provas dos autos, jamais alcançaram na sociedade ressonância à altura da gravidade do episódio.
Uma minoria no país mostra-se indignada. Mas mesmo entre a minoria, o ímpeto é de resignação, timidez, não de protesto ou reação. Logo, embalado nos referidos altos índices de popularidade, o ministro da Justiça põe-se à vontade para esquecer de vez o mea culpa do tempo de parlamentar e seguir em frente em defesa do governo Lula.
Com certeza vivemos tempos de embustes no Brasil. O PT, em seu governo, engendrou um esquema para dominar a máquina pública. O principal ministro da época, o presidente do PT e o tesoureiro do partido já foram condenados. Se tudo der certo (?), irão para cadeia em breve. Mas ele, Lula, segundo Cardozo, é vítima da falácia da oposição, em conluio com a mídia. Nada sabia.
E para você, onde está a falácia?

Por Nilson Mello

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012


  O sinuoso Elevado da Perimetral desafoga o trânsito, mas será demolido por questões estéticas


Esses nossos prefeitos...
 
    Acho que nas outras capitais brasileiras, pelo que vejo em minhas rápidas viagens, acontece o mesmo que no Rio de Janeiro, ou algo parecido. Há muito empenho para colocar em andamento projetos vultosos e pouca ou nenhuma atenção à manutenção com o que já existe, funciona e custou dinheiro (muito dinheiro) do contribuinte.

    Aliás, o paralelo pode ser feito também com a esfera federal. Projeto faraônico sai do papel, mas o que é simples e rápido, não. Exemplo raso: havia um Trem de Prata que funcionava muito bem entre Rio e São Paulo e foi extinto. Os trilhos – ou parte deles - ficaram, mas o transporte foi abandonado por falta de visão estratégica.

Agora a tecnocracia decidiu que o transporte de passageiros sobre trilhos entre as duas maiores capitais brasileiras terá que ser feito com a implantação de um Trem-Bala. Para colocar de volta o Trem de Prata em operação bastaria recuperar o traçado ou retificá-lo onde estivesse mais degradado devido à omissão das autoridades; e comprar locomotivas e vagões convencionais, tudo bem mais barato.

Já o Trem-Bala tem custo inicial previsto de R$ 33 bilhões, mas todo mundo sabe que vai sair por muito mais, porque é assim que funciona o concluio entre Poder Público e setor privado no modelo cartorial brasileiro, em que poucos grupos prevalecem sobre o interesse da coletividade. Aqui o governo pode até ser de esquerda e o sistema, formalmente capitalista, mas o que vale mesmo é o velho patrimonialismo, independentemente de ideologias. É aquela velha história: para que gastar pouco, se pode se gastar muito?

Projeto barato não sai das gavetas dos Ministérios, não ganha concorrência. O modelo não privilegia a competitividade e está longe de ser de fato um capitalismo de mercado porque não promove a eficiência e a qualidade.

Voltemos ao Rio de Janeiro. Um dos principais viadutos da cidade, o Elevado do Joá, está caindo (literalmente) aos pedaços por absoluta falta de manutenção. Túneis e outras vias expressas estão na mesma situação. Especialistas dizem que a degradação no Joá chegou a tal ponto que seria preciso reconstruir a via, para evitar o seu colapso.

Enquanto isso, a mesma administração que se revela omissa em relação à manutenção das vias públicas, elabora um projeto faraônico para “revitalizar” a Zona Portuária da cidade, ao custo de mais de R$ 7 bilhões. Ironia: o projeto de “revitalização” prevê a demolição de outro elevado, o da Perimetral, via expressa de 7,5 km vital para a ligação entre o Centro e os subúrbios cariocas e por onde passam mais de 45 mil veículos por dia.

 Cálculos de especialistas (*) mostram que as vias que substituirão o eficiente Elevado da Perimetral não darão vazão sequer para a demanda de tráfego atual, sem considerar o inexorável aumento do fluxo dos veículos em função da prórpria revitalização da área. Onde está a lógica dessas obras, eu não sei. Mas o carioca, que reelegeu o prefeito com votação recorde, deve saber.

“Governar é abrir estradas” era o lema do governo do presidente Washinton Luís. Não seria exagero dizer que, para o prefeito carioca, governar é colocar elevados abaixo. E ele tem duas formas de fazer isso: pela omissão e pela ação direta, nesse caso, com o apoio efetivo de empreiteiras.

Por Nilson Mello*
*Sobre esses cálculos, ler comentários publicados neste Blog em 06/07, com informações do consultor em Transportes Marcos Poggi.

sexta-feira, 30 de novembro de 2012


A democracia e o rabo do cão


 
 A democracia é o governo da maioria. O seu fundamento é o de que seria injusto permitir a uma minoria decidir o destino de todos. A contradição é que os melhores, aqueles mais capacitados tanto do ponto de vista intelectual como moral, estão sempre em menor número – ou quase sempre. O que significa que a democracia seria, numa análise radical, o governo dos piores, e exatamente por essa razão também é muito injusta.

Quando vemos os descaminhos das democracias contemporâneas, minadas por “doenças” como assistencialismo, clientelismo e a consequente corrupção, nos perguntamos se essa é mesmo a melhor forma de governo, sobretudo para países em que o sistema educacional ainda não foi capaz de garantir a devida qualificação do eleitor. Mas essa não é uma questão nova, nem exclusivamente brasileira.

Milênios atrás Aristóteles alertava para os riscos de a democracia se degenerar em demagogia ou olacracia. Se a maioria é menos preparada e é ela que governa, ainda que de forma indireta pelos representantes do povo, o resultado é presumível. Eis porque altos índices de aprovação não deveriam impressionar tanto. Pelo menos não deveriam impressionar à minoria que pensa.

Tudo seria facilmente resolvido se a minoria no poder (o governo de poucos ou aristocracia) levasse a missão a sério, qualificando a maioria. Mas não há qualquer garantia – ao contrário – de que os poucos, quando no poder, governarão pensando no interesse de todos. A propósito, Aristóteles dizia também que não raro a aristocracia degenera-se assumindo a forma impura da oligarquia (e aí é curioso notar que no Brasil é a democracia que se traveste em oligarquia).

Ainda assim, não foram poucos os pensadores de boa cepa que procuraram estruturar modelos institucionais que mitigassem a democracia, fazendo com que poucos concentrassem o poder soberano da decisão, em nome da eficácia das ações do Estado. O sincero Hobbes e o ainda mais sincero Maquiavel estão nesse rol.

No século XX o grupo teve um representante de destaque com Carl Schmitt, jurista e filósofo político alemão para quem toda Constituição “democrática” deveria ter um “guardião” com competência para decretar a exceção. Talvez ninguém tenha justificado o papel do ditador com mais sofisticação do que Schmitt, o que acabou sendo trágico, pois suas ideias fortaleceram o III Reich. E aqui um paradoxo: um povo dos mais ilustrados se transformou em massa de manobra.

Considerando prós e contras dessas variáveis, um estadista do século passado lúcido e de espírito muito prático cunhou uma expressão que permanece vigorosa: “a democracia é imperfeita, mas ninguém inventou regime melhor”.  A máxima é insofismável, mas não devemos nos contentar com ela. Pois o cão continua correndo atrás do rabo.

 Por Nilson Mello

 

 

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Artigo


Genealogia do voto


                                                                Ministra Carmem Lucia
    
     Alto índice de abstenção é um fenômeno que pode dar margem a interpretações e diagnósticos diametralmente opostos. Nas 50 cidades onde houve um segundo turno nas eleições municipais este ano, as abstenções alcançaram o índice recorde de  19%. Isso significa que dos 31,7 milhões de brasileiros aptos a votar na ocasião, seis milhões prefiriram nem ir às urnas. Não é pouco: uma metrópole inteira como o Rio, ou a metade da população de Portugal.

     Se somadas as abstenções aos votos nulos e em branco, que totalizaram 7,44% do total (ou 2,3 milhões de pessoas), o índice chega a 26% do eleitorado. Sugere o senso comum que votos nulos, via de regra, indicam rejeição à classe política, aos postulantes e aos governantes. Exceto nos casos em que decorre de erro grosseiro – resultado da inépcia do prórprio eleitor - algo impossível de se identificar ou confirmar.

Os votos brancos, por sua vez, podem até ser também decorrentes de displiscência, mas mais razoável é supor que revele acomodação do eleitor ou, na pior das hipóteses, indiferença com o cenário político, o que não deixa de ser uma aprovação oblíqua, muito embora, pela legislação, esses votos não possam ser computados para nenhum partido ou candidato. O aspecto estatístico, que dá margem a elacubrações como a do presente artigo, é, na verdade, o que expressa o valor dos votos nulos e brancos.

Abstenções, contudo, podem traduzir anseios mais complexos e sutis. Para um observador otimista, a fuga das urnas poderia significar um alto grau de satisfação com o desempenho dos governantes e com os serviços prestados pelo Estado, o que desencojararia a alternância de poder e a mobilização para tanto. Se no branco a aprovação é escamoteada, na abstenção ela seria explícita. 

O saneamento é de boa qualidade, bem como a educação, os transportes, a saúde e os demais serviços públicos em minha cidade, então por que eu devo ir votar? Mesmo obrigado, não irei, pensaria o satisfeito.

Em caso das eleições federais e estaduais, a medida do grau de satisfação pode ainda ser dada por fatores como bons indicadores na economia e na segurança pública. E em todos os casos, nos pleitos municipais, estaduais e federais, pela capacidade do governante ou postulante de seduzir e, por que não dizer?, ludibriar o eleitor – postura cujo êxito dependerá diretamente da capacidade crítica dos votantes.

Para o pessimista, por outro lado, a abstenção é prova cabal do enfado do eleitor com “tudo isso que está aí”. Sou obrigado a votar, mas votar em quem? E por quê? Nessa linha de raciocínio diríamos que, no voto nulo e no voto em branco, o eleitor tenta fazer o seu protesto – um protesto indireto e sem qualquer efeito, vá lá, mas ainda assim uma tentativa de manifestação crítica. Já a abstenção seria a desilusão completa com a política.

Para o analista pessimista, a abstenção numa democracia de voto obrigatório, ou, para usar o eufemismo tão caro aos constitucionalistas, num sistema em que o voto é um “direito-dever” (pode haver contradição em termos maior que essa?), representa o momento em que o eleitorado joga a toalha de vez, tamanho o desânimo.

Sem descartar a possibilidade de a robusta estatistica da abstenção ter sido decorrência de falhas de recadastramento, a presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministra Carmen Lúcia Rocha, acredita que a fuga das urnas é preocupante porque põe em risco o princíppio da representatividade, pilar do sistema democrático.

A ênfase da precoupação da ministra, por força da função, se dá em relação a um princípio que, para todos os efeitos, é uma ficção. Pois, num universo de baixa escolaridade, a representatividade não se traduz em qualidade. E mesmo com altos índices de comparecimento às urnas, nada mais significa do que um contingente maior de pessoas sujeito a se transformar em massa de manobra eleitoral.

O que corrói a representatividade no Brasil não é a abstenção, ma o seu vício de origem, ou seja, o perfil do votante, agravado pelo voto obrigatório.


Por Nilson Mello


P.S.: Uma pessoa que lê regular e atentamente este Blog (?!), a quem muito prezo, me recrimina por abusar das vírgulas nos textos. Prometo melhorar.


    

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Artigo

                                                            Platão

A democracia das massas

    Outra eleição terminada no que se convencionou chamar uma das “maiores democracias do planeta” - a maior certamente do hemisfério Sul. Em números ao menos a propaganda ufanista está correta. Mais de 138 milhões de eleitores estavam aptos a votar este ano no Brasil para escolher os governantes de 5.568 municípios. Foram 15,6 mil candidatos a prefeito e 449 mil a vereador.
O país - reconheça-se - organiza um pleito de massa de forma pacífica e com tecnologia de ponta não empregada nem nos Estados Unidos, onde alguns votos da eleição presidencial desta última terça-feira ainda estão sendo contados manualmente, embora o resultado final, e irreversível, já seja conhecido.
O ufanismo – esse vício nacional – também pode alardear que, enquanto nos Estados Unidos ainda se vota com cédula de papel, aqui já inauguramos a era da biometria, o que garante maior precisão estatística e menor risco de fraudes. Quase 300 mil municípios em 24 estados usaram o sistema de reconhecimento digital nessas eleições municipais para identificar 7,8 milhões de eleitores.
De números que embalam o entusiasmo para a transcendência de ideias que nos lançam na realidade concreta. O desafio da democracia brasileira, assim como o de qualquer outra, não é de quantidade, mas de qualidade. Ou melhor, de quantidade conjugada com qualidade. O problema que se impõe, aqui, como na China e nos cantões suíços, é de como produzir governantes e classe política qualificados.
Todavia, e isso é óbvio, o desafio é maior se consideramos que hoje, cada vez mais, a escolha cabe às massas. Maior ainda quando (e aqui, deixemos o ufanismo de lado), reconhecemos que o eleitor brasileiro, em sua esmagadora maioria, tem baixa escolaridade e, talvez por conseqüência, reduzido senso de urbanidade e civilidade, baixo compromisso com o dever, pouco rigor no compromisso das tarefas, entre outras, digamos, mazelas. Essas características são os parâmetros que se refletem nos dirigentes eleitos. Eles são o que somos!
O bem é para onde tendem todas as coisas, diria Aristóteles. Desde, é claro, que as causas finais estejam fundadas na ética. E pode haver fundamento ético sem educação? A preocupação com a qualificação dos governantes já dominava os pensadores da Grécia, berço da democracia, séculos antes de nossa era. Por volta do ano 367 a.C., Platão tentou moldar o caráter de Dionísio II, jovem rei tirano da província de Siracusa, na Cecília.
Platão queria testar sua teoria, a de que uma educação científica consistente poderia transformar um governante num estadista esclarecido. Anos mais tarde, o próprio Aristóteles, discípulo de Platão, viria a ser tutor de Alexandre, o Grande, da Macedônia. O sucesso de ambos os mestres foi relativo. Suas missões teriam sido certamente facilitadas se os governantes a serem “moldados” fossem da própria Atenas, onde somente uma elite (social, mas, sobretudo, intelectual), participava do poder.
Não se trata aqui de propor o restabelecimento de um dualismo social como o que prevalecia na Grécia clássica, dividindo seres superiores e inferiores, e justificando até a escravidão. Liberdade e bem estar material são e devem ser conquistas universais da humanidade. Mas isso não nos impede de refletir sobre como uma democracia das massas pode ser efetiva na concretização desses ideais se não tem a educação como o seu principal pressuposto.
Nesse contexto, uma questão específica salta aos olhos: num universo de milhões de eleitores de escassa educação é razoável impor o voto obrigatório, ou isso equivale a criar uma massa de manobra sujeita às piores práticas políticas, como o assistencialismo e o clientelismo? Se a resposta objetiva for negativa, quem pode ajudar a mudar o quadro é a classe política eleita.  
Há interesse para tanto?

Por Nilson Mello


           Comentários do dia

Vencedores em 2012 – Este Blog recebeu severas críticas nos últimos dias pelo artigo do último dia 1º, que apontou Lula e o PT como os maiores vencedores do pleito municipal. Nas críticas, o que sobressaía era que o PSDB, principal partido de oposição, teria obtido o mesmo número de prefeituras de capitais (03) que o PT no segundo turno. Bem, os tucanos ficaram com Manaus, Teresina e Belém. O PT, com São Paulo e mais João Pessoa e Rio Branco. Quem venceu?

Joaquim Barbosa – O reiterado destempero do ministro Joaquim Barbosa desanima aqueles que têm apoiado um julgamento exemplar para todos os envolvidos no mensalão, o esquema montado pelo PT para comprar congressistas. A conduta é incompatível com a serenidade que deve guiar qualquer magistrado, sobretudo um ministro do Supremo.

Royalties – O Rio de Janeiro tem todo o direito de lutar pela manutenção dos royalties do petróleo, uma vez que tem o ônus da exploração. Mas a imprensa poderia aproveitar e fazer um raio-x da questão, mostrando, em detalhes, como é gasta essa dinheirama no Estado do Rio e em seus municípios. Há cidades contempladas com royalties que sequer contam com hospital público. Esses bilhões há anos vêm sendo desviados, em detrimento da população. O ralo sem fundo faz a festa dos políticos e governantes ora injuriados com o fim da festa.




quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Artigo

                                                       Lula e FHC 

A verdade dos fatos

A foto do aperto de mãos entre o atual prefeito e o prefeito eleito de São Paulo estampada nos principais jornais de ontem (quarta-feira 31) é emblemática e diz muito mais que o texto que ela encima. A leitura gestual nos mostra claramente que não foi um cumprimento meramente protocolar, de passagem de bastões entre o que chega e o que está saindo.
Numa eleição que teve como marca o hibridismo e a ambiguidade (artigo de 19/10 deste Blog), e cujo ponto de partida foi um efusivo encontro de Lula e Maluf em torno do próprio Haddad, selando uma aliança antes inimaginável, o desfecho até que está dentro de um script bastante previsível. Até porque, o que poderá mais surpreender na volatilidade política brasileira?
Falta de consistência programática pode até não ser um problema em si, mas tem um desdobramento preocupante. Sem programas, projetos e ideias, oposições passam a ser prescindíveis ou dependerão, cada vez mais, de lideranças carismáticas. Lideranças que, por sinal, não existem. Democracia sem oposição é um contra-senso. E democracia que orbita personagem carismático acaba sendo um arremedo de democracia. Mas já há quem ache que democracia nem é tão necessário assim.
Muito bem, o principal aliado e suporte de governo da administração petista de Fernando Haddad poderá ser o PSD do atual prefeito Gilberto Kassab. O mesmo partido que era governo e que, durante a campanha, foi duramente criticado pelo candidato ora eleito. O PSD e essa administração que chega ao fim arrastando alto índice de desaprovação tinham como candidato próprio justamente o maior adversário do PT.
Pode-se atribuir a derrota de José Serra à sua grande rejeição (mais de 50%) junto ao eleitorado paulistano conjugada à avaliação ruim da administração Kassab. Isso, porém, já não importa. O que importa é saber que Serra é o grande derrotado das eleições de 2012. E que, ainda que ingresse no PSD, como chegou a insinuar, por perceber o desgaste no PSDB com suas sucessivas derrotas, dificilmente voltará a ter o protagonismo de antes. Sobretudo num partido que tende a ser cada vez mais aliado do governo federal. Como é difícil imaginar Serra em posição secundária e dócil ao PT, e o PSD, como oposição de fato, o projeto não tem o menor risco de dar certo. Por sua vez, a permanência de José Serra no PSDB poderia significar a transferência do senador Aécio Neves para outra legenda, com o intuito de se lançar candidato a presidente.
Mas para onde iria? PMDB? Difícil imaginar que o PMDB queira abrir mão da cômoda posição de aliado de plantão para se arriscar numa candidatura própria. Além do mais, hoje já é até difícil imaginar que Aécio Neves queira mesmo se candidatar à Presidência da República. Com Serra, Aécio e o governador Geraldo Alkmin, nada mudará no PSDB: nem os “protagonismos”, nem as ideias.
De qualquer forma, se Kassab e seu PSD ganhará espaço no cenário nacional, governando cidades - incluindo uma capital - que totalizam 12 milhões de pessoas, será no papel de força auxiliar. Já o PSB do governador Eduardo Campos, que conquistou o maior número de capitais (5) e ACM administrará cidades que totalizam mais de 20 milhões de habitantes, consolida-se como força emergente. Como é da base do governo, isso significa que o maior adversário do PT nas eleições presidenciais de 2014 provavelmente não virá da oposição de fato.
O contexto não deixa dúvidas de quem foi o verdadeiro vitorioso em 2012. Governando cidades que totalizam 37 milhões de pessoas, e entre elas a maior capital do país, o PT saiu mais forte das urnas – sobretudo se considerado que outros vencedores, como PSB, PMDB e agora o PSD são seus aliados. O ex-presidente Lula, ao escolher um azarão que sairia vencedor em São Paulo, confirmou sua acuidade política e o seu prestígio. O PT deve a ele a sua vitória.
Análises tortuosas, publicadas diariamente na imprensa, têm ido em sentido contrário ao das conclusões acima. Mas, em análise conjuntural, não devemos confundir a realidade dos fatos com os fatos que idealizamos. Ou alguém acha que a vitória de ACM Neto (DEM) em Salvador foi uma grande conquista da oposição?

Por Nilson Mello

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Artigo

Eleições 2012: pragmatismo e ambiguidade

    O candidato do PSDB à prefeitura de São Paulo foi acusado por seu oponente, em debate desta semana na TV, de ter obsessão por José Dirceu, principal réu do processo do mensalão. José Serra, no contragolpe, disse que é Fernando Haddad o obcecado - no caso, pelo prefeito Gilberto Kassab, fundador do PSD que apóia o tucano.
    Há, segundo os postulantes à prefeitura paulistana, outros fantasmas escondidos nos armários. O petista Haddad lembrou que, em sua campanha, Serra escamoteia Kassab, assim como já o fizera com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Eis aí uma mostra do embate de “ideias” nas eleições na maior cidade do país. E segue a polêmica.
No caso atual, afirma Haddad, Serra estaria escondendo Kassab por vergonha do que seria um mau desempenho na expansão do sistema de metrô em sua gestão; no passado, camuflou o ex-presidente por conta da privatização de estatais (por sinal, ineficientes). O PT de Haddad é, em regra, contra privatizações. Vai que a pequena parcela do eleitorado ainda indecisa (algo inferior a 10%) também o seja...
Se Haddad esconde José Dirceu, como afirma Serra, tem, por outro lado, apoio de cabos-eleitorais de peso. Assim, a presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Lula estarão, sem constrangimento, ao contrário do “fantasma” Dirceu, presentes ao comício petista deste sábado na capital paulista.
Paixões políticas e obsessivas são o ingrediente de uma campanha municipal com inferência e repercussão no jogo de poder federal. A eventual – e, neste momento, muito provável -derrota de José Serra pode representar o fim de suas maiores ambições políticas, além de uma dura derrota para o combalido PSDB. Lembre-se que Serra enfrenta 40% de rejeição. Sofre resistência até no partido que pretende liderar.
A derrota de Serra será também um duro golpe para o prefeito Gilberto Kassab, que pagará o preço da ambiguidade. Esteve por apoiar um candidato do PT, não importando quem fosse o indicado, pois a legenda que criou, embora de oposição, é também de situação, como já declararam seus dirigentes. Por fim, decidiu-se pelo tucano. Seguirá, contudo, apoiando o governo Dilma, “no que couber”.
Os dirigentes do PSD ressaltam: não são nem de esquerda, nem de direita; nem contra, nem a favor do governo federal. Pretendem moldar o perfil da legenda progressivamente, ao gosto do “eleitor”. Nada mais pragmático, ou híbrido. Nem o PSDB almejou um muro tão largo para se equilibrar. Acabou sem plataforma, palanque e bandeira, relegado a um limbo oposicionista.
Mas a ambigüidade híbrida, com licença da redundância, não está restrita ao PSD. Surge a estrela ascendente do novo PSB do governador Eduardo Campos. O PSB é aliado do PT no campo federal desde a primeira hora, mas impôs duras derrotas no primeiro turno a candidatos petistas, sobretudo no Recife e em Minas Gerais, onde, aliás, tem os tucanos como aliados.
A derrota do PT para o PSB, mesmo em Minas, não é uma vitória do PSDB, apesar da ilusão de alguns tucanos. O quadro fortalece o senador e ex-governador Aécio Neves, mas não robustece o PSDB, do qual ele já quase se desligou e ainda poderá fazê-lo, conforme as injunções políticas nos próximos dois anos.
Quanto ao Rio, fala-se que a reeleição do não menos híbrido Eduardo Paes, apoiado por uma coligação de quase 20 partidos, seria uma vitória do governador Sergio Cabral. Na verdade, a vitória deve-se mesmo a Paes, que costurou uma coligação consistente, manteve-se à margem das controvérsias envolvendo seus aliados e convenceu o eleitor carioca de sua operosidade. Cabral, na verdade, foi apenas o seu maior beneficiário, juntamente com o governo federal e o PMDB do vice-presidente de Michel Temer, sempre capilarizado.
Por tudo isso, a ambigüidade e o hibridismo podem ser a marca das eleições de 2012. Algo que, paradoxalmente, mas não por acaso, favorece um projeto de poder hegemônico, já em curso.

Por Nilson Mello

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Artigo

                                          Estádio Nacional do Chile, 1973

           A eleição e o sofá na sala


    A Justiça Eleitoral no Rio de Janeiro anuncia tolerância zero à “boca de urna” e promete usar cinco ginásios, entre eles o Maracananzinho, para abrigar detidos que tenham feito propaganda irregular no domingo de votação. Em nome do eleitor, que não pode ser coagido no cumprimento de seu direito - transmutado em dever pelo paradoxo da obrigatoriedade do voto - o Tribunal Regional Eleitoral adota uma prática que nos remete a episódios emblemáticos, não necessariamente democráticos.
    Convenhamos que é preciso disposição singular e estrito rigor para encher cinco ginásios da cidade, entre eles o maior de todos, com capacidade para 20 mil pessoas, com cabos-eleitorais ou simples eleitores que venham a cometer o que seria, na definição da própria Justiça Eleitoral, “um crime de menor potencial ofensivo”. Até porque a linha entre o permitido e o proibido é tênue. Eis que bandeira de partido e button pode; camiseta com a cara do candidato, não.
    Mas tudo bem, Lei é Lei, e deve ser cumprida, não importa se boa ou ruim. Apenas a título de comparação, vale lembrar que, sem o amparo legal, obviamente, Pinochet encheu o Estádio Nacional de Santiago com opositores (ou supostos opositores, ou, ainda, opositores em potencial) no golpe de 1973. E a ditadura chilena não foi a precursora da medida, nem a última a adotá-la. Nazistas, fascistas, stalinistas e, mais recentemente, sérvios e bósnios, uns contra os outros, e eles contra terceiras etnias, fizeram “coisas” parecidas.
Vejamos então o que o TRE do Rio de Janeiro consegue com o respaldo da Legislação e de normas eleitorais infralegais que, apesar de estapafúrdias, devemos observar como válidas, uma vez que não tiveram sua constitucionalidade ou legalidade questionadas. É o caso – e aqui apenas para citar um exemplo - da proibição de entrada com celulares na cabine de votação.
A medida - justifica o presidente do TRE, Luiz Zveiter – é profilática e visa a resguardar o eleitor do comando indevido de terceiros, sobretudo nas comunidades mais pobres, onde grupos de milicianos e de traficantes poderiam ditar o voto, via celular, a eleitores “hipossuficientes”. A “elite” no Brasil quer sempre proteger o pobre, ao invés de lhe garantir boa educação. Bem, foi certamente pensando na profilaxia que aquele marido ciumento da velha piada vendeu o sofá da sala. 
Onde será que o presidente do TER fluminense encontra inspiração para medidas tão estritas? O fato é que ele não está sozinho. A “venda de sofás” tem sido uma tendência do Poder Público no Brasil. Não faz muito tempo a Prefeitura do Rio proibiu o uso de facões por vendedores de coco na orla. A ideia era prevenir homicídios com arma branca. O desperdício em larga escala da polpa do fruto foi considerado um preço razoável a se pagar.
De volta às eleições de domingo, cabe o alerta. Quem, distraído ou inadvertido, entrar com seu celular na cabine e, depois, for flagrado por fiscais, será preso e recolhido ao Maracananzinho – ou, muito pior, à Vila Olímpica Oscar Schmidt, na implausível e abrasiva Santa Cruz, extremo-oeste da Zona Oeste da cidade. Com a prisão e o indiciamento, correrá o risco de deixar de ser réu primário. Com tamanha ameaça, o mais sensato seria nem sair para votar.
Muito bem, após ser bombardeados meses a fio com as repetitivas - e invariavelmente inconsistentes, dadas as circunstâncias - mensagens-relâmpagos dos postulantes na mídia eletrônica, o eleitor é, da noite para o dia, colocado numa redoma. Nada pode perturbar a sua decisão autônoma. Que erre sozinho, em silêncio. O aparato coercitivo foi cuidadosamente urdido para não falhar.
O dia em que a democracia do voto obrigatório demonstrar o mesmo zelo e preocupação com o aparato educacional, nem serão necessárias tantas medidas preventivas. Pois o eleitor e, por consequência, o eleito, serão de melhor qualidade.  Isso demandará ainda muito tempo, mas chegaremos lá.

Por Nilson Mello

Em tempo: O artigo de 28 de setembro (“O insondável eleitor brasileiro”), aí abaixo, examina o crescimento do candidato que lidera a corrida à prefeitura de São Paulo, lembrando que ele não pertence a uma grande legenda, não conta com uma coligação expressiva e nem dispôs, ao contrário dos três principais rivais, de significativo tempo de propaganda na TV e rádio.
A explicação para o seu crescimento seria o apoio religioso, sobretudo de evangélicos da Igreja Universal. Ocorre que o candidato do PT, na terceira colocação, de acordo com as pesquisas, também conta com expressivo apoio evangélico. Basta lembrar que recente pesquisa apontou que uma em cada cinco pessoas que votam no PT na capital paulista é evangélica. Celso Russomano, com partido pequeno e pouco tempo de TV e rádio, é mesmo um caso de estudo.

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Artigo




O insondável eleitor brasileiro


As eleições municipais, por mais monótonas que sejam, sempre trazem algo de improvável e peculiar. Se no Rio confirma-se o absoluto favoritismo do candidato à reeleição, embalado por uma robusta coligação que lhe garante (por que não dizer?) um desproporcional tempo no horário de propaganda na TV e no rádio, em São Paulo o antes favorito José Serra encara a possibilidade de ficar de fora até mesmo do segundo turno.

Com o maior índice de rejeição na capital paulista, na casa de 45% do eleitorado, Serra vê-se fustigado pelo terceiro colocado na corrida para a prefeitura paulistana – o até bem pouco implausível candidato do PT, o ex-ministro Fernando Haddad. Na dianteira, segue firme o ex-apresentador de TV Celso Russomano, do pouco expressivo PRB. Detalhe: na maioria das simulações Russomano bate os adversários no segundo turno.

Que os dois principais partidos brasileiros – não necessariamente pelo critério de bancadas, mas de liderança e protagonismo – estejam sendo derrotados por uma legenda de menor tradição na maior capital do país já é algo remarcável.  

O fato chama mais a atenção se considerarmos que o segundo colocado nas pesquisas, e candidato do PSDB, é o postulante da situação, ou seja, da máquina municipal; e que o terceiro, que corre por fora desde a largada em quarto, tem na presidente Dilma Rousseff e no ex-presidente Lula (até recentemente, pelo menos) dois cabos-eleitorais de peso.

A vantagem dos candidatos à reeleição ou dos candidatos apoiados pela situação, não importa em que esfera, é inquestionável, a despeito das restrições expressas em Lei ao uso da máquina pública nas campanhas. Contudo, máximas eleitorais existem para ser desafiadas a cada pleito, como prova a atual eleição paulistana.

Eis que o candidato da situação, e também ex-prefeito da cidade, ex-governador, ex-senador, ex-deputado e ex-candidato à Presidência da República – e por tudo isso uma liderança política de expressão nacional – corre o risco de perder a vaga e o prestígio para um adversário com muito menos apoio político e financeiro, de um partido infinitamente menor e de trajetória política bem mais modesta, para dizer o mínimo.

Num cenário ainda pouco provável, porém, possível, Serra pode até mesmo ficar de fora do segundo turno, o que poderia significar o fim de seus projetos políticos mais ambiciosos.

Mas isso é apenas o menor dos paradoxos que se apresentam. Vejamos: se no Rio de Janeiro a larga vantagem de Eduardo Paes é atribuída em grande parte ao generoso espaço de propaganda eleitoral “gratuita”, em virtude do amplo espectro de sua coligação, com apoio das administrações estadual e federal, em São Paulo esse aspecto é simplesmente irrelevante.

O candidato com maior tempo em São Paulo, nada menos do que 8 minutos e dezesseis segundos de propaganda obrigatória, é justamente o petista Fernando Haddad, que somente agora, na reta final da campanha, se aproxima do segundo colocado, José Serra, com seus seis minutos.

Enquanto isso o líder Russomano segue rumo ao segundo turno dispondo de meros dois minutos para passar sua plataforma e, digamos, suas “ideias” – e arcando, como já mencionado, com aquilo que poderia ser considerado um handcap, ou seja, biografia menos expressiva, partido menor, nenhum apoio das máquinas municipal, estadual ou federal  etc...

    Por sua vez, Gabriel Chalita, candidato do capilarizado e articulado PMDB, estacionou desde o início na quarta colocação, a despeito dos nada desprezíveis quatro minutos e trinta e quatro segundos de TV e rádio. Até que ponto o tempo de propaganda eleitoral é decisivo numa campanha é difícil de avaliar.

O paradoxo que contrapõe tempo e intenção de votos implica outros aspectos remarcáveis. Pois igualmente curiosa é a associação de causa e efeito que já se faz entre o crescimento de Fernando Haddad e o afastamento do ex-presidente Lula de sua campanha, tendo em vista o desgaste causado pelo julgamento do mensalão no Supremo.

Mas isso nos leva a novo questionamento: a opinião pública não eximiu Lula de responsabilidade no esquema montado em sua primeira gestão para comprar votos de parlamentares, tanto é assim que ele conseguiu ser reeleito, teve ampla aprovação popular e transferiu votos para a eleição de sua sucessora?

Deixemos a resposta para aqueles que entenderam o apoio de Paulo Maluf a Fernando Haddad como uma incongruência programática e ideológica necessária, tendo em vista o pragmatismo que se impõe na busca pelo poder. Mas, convenhamos, seria uma ironia constatar que Maluf ajudou Haddad mais do que Lula.

Como se vê, não há respostas fáceis que possam nos ajudar a interpretar o imprevisível e insondável eleitor brasileiro. O que, de certo modo, é até bom.

 

Por Nilson Mello

 

   

 

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Artigo



Winston Churchill


Melhor ficar deitado



Que as ações da administração pública devem se reger pela medida do razoável é, mais do que um princípio consagrado e um comando constitucional, uma questão de bom senso.

O evidente pleonasmo dessa assertiva – afinal, nada que não se orienta pelo bom senso pode ser minimamente razoável – nos serve para ressaltar que, na maioria das vezes, governos gastam mais do que o necessário - em tempo e em recursos humanos, materiais e financeiros – para dar cabo de determinada medida ou programa, ou simplesmente para anunciar um projeto.

Li certa vez (e não vou me lembrar onde) que Winston Churchill, ao ser perguntado por um repórter que conselho daria a quem quer ter êxito profissional, simplesmente respondeu: “Se puder ficar sentado, ao invés de em pé, sente-se; se puder ficar deitado, ao invés de sentado, deite-se”.

O ex-primeiro-ministro, a despeito de ter sido oficial de cavalaria do exército colonial britânico, e de ter servido no Sudão e na África do Sul, estava muito longe de ser um atleta, sobretudo naquela quadra da vida, mais do que sexagenário, mas seu perfil jamais se encaixaria no estereótipo do preguiçoso.

O que se pode deduzir daquilo que Churchill pretendeu de fato dizer com seu singelo conselho foi que não se desperdiça energia. Tendo em vista o contexto da entrevista e a biografia de estadista do entrevistado, infere-se também que aquela não era uma dica de auto-ajuda, mas sim uma mensagem para governos e governantes.

Churchill havia sido o herói que liderou os britânicos na Segunda Guerra, e que lhes mostrara o caminho da determinação e da resistência ao nazismo, no momento em que a Europa inteira estava sob o domínio da Alemanha de Hitler. Ao discurso do líder correspondeu uma atitude estóica de um povo cercado e diariamente bombardeado. “Nunca tantos deveram tanto a tão poucos”.

O “universo” anglo-saxão é reconhecidamente mais comedido que o latino. Nas palavras, nas manifestações de emoção e, por extensão, na administração da res publica. Por essa razão, certamente, gasta-se mais tempo e dinheiro aqui do que na Inglaterra para se anunciar uma medida que deveria ser da rotina do governo.

Refiro-me ao anúncio nesta última quarta-feira (12/09) do pacote do governo destinado a reduzir as tarifas de energia. A solenidade contou com a presença de praticamente todo o primeiro escalão do governo, além de governadores, secretários, autoridades do Judiciário em diferentes esferas, um número infindável de deputados e senadores, além de assessores e mais centenas de servidores dos segundo, terceiro, quarto... escalões da administração central. Pergunto: isso é razoável?

A República não precisa parar o expediente para que a presidente Dilma Rousseff anuncie um – bem-vindo, por sinal – programa de redução de custos. Se é possível economizar ficando deitado, para  que se desgastar ficando em pé?, teria perguntado, de forma irônica e metafórica, o ex-primeiro-ministro.

O Brasil - latino que é - não deve pretender ser como os anglo-saxões. Nem convém. Mas não precisa gastar tanto tempo e dinheiro com manifestações midiáticas que afrontam o bom senso. Há coisas mais importantes para empenharmos nossas energias.

Por Nilson Mello

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Artigo

                                                                   Immannuel Kant


                 Eleições e moralidade autêntica


            Um rápido exame do noticiário dos jornais nos permite ver como se tornou frágil a linha que separa a atividade político-partidária das ações criminosas. Essa fragilidade fica ainda mais clara em períodos eleitorais, como o que estamos vivendo neste momento, quando se multiplicam manchetes do tipo “Postos na cadeia”, sobre um prefeito e sua candidata detidos por fraude no Rio de Janeiro.
Na mesma linha, digamos, “marginal” – e isso para ficarmos no exemplo de um único jornal desta quinta-feira 06 de setembro -, temos ainda títulos como “PMDB anuncia expulsão de candidata em Guapimirim”, do assunto correlato; “PSOL expulsa candidato ligado à milícia” e “Justiça apreende títulos em Itaboraí”, esses últimos auto-explicativos.
Mas não para aí. A pior do dia talvez seja “Projeto livra candidatos dos crimes de seus cabos eleitorais”. Pior porque nos coloca novamente diante de uma desanimadora constatação: aqueles que deveriam zelar pelos direitos do cidadão estão mais preocupados com seus interesses particulares ou corporativos. Pois o que engendram no Parlamento com projetos desse tipo nada mais é do que um mecanismo dissimulado para deixar imunes os principais responsáveis pelas irregularidades nas campanhas eleitorais – os próprios candidatos.
Muitos culpam jornais e jornalistas (sempre eles!) por tanta notícia ruim mesclando política, eleições e quadrilhas. Mas faz sentido “matar” o mensageiro e fechar os olhos à mensagem? Ou o mais sensato é tirar proveito do alerta que o “mensageiro” nos traz? Bem, perguntas retóricas sequer precisam de respostas.
O julgamento da Ação Penal 470 pelo Supremo Tribunal Federal também tem tido grande – e justificável – repercussão midiática. Mas aqui há um divisor de águas. Se por um lado a divulgação em detalhes dos crimes cometidos dentro do que ficou conhecido como esquema do “mensalão” (a compra de votos de parlamentares pelo governo) reforça a impressão de que a linha que separa a política da criminalidade é muito mais frágil do que se desejaria, por outro revela também que há limites à impunidade no Brasil e que instituições como o Judiciário, o Ministério Público e a imprensa estão cumprindo o seu papel de forma independente.
Muitos dirão que, para prevenir irregularidades e crimes, de qualquer natureza, e não apenas os de caráter político e eleitoral, é preciso aumentar a coerção e produzir leis mais rigorosas. Outros, no sentido contrário daqueles que querem “matar” o mensageiro (porque a “mensagem” lhes desagrada), entendem que quanto maior a divulgação, maiores serão o esclarecimento, o grau de punição e a possibilidade de prevenção de novos desvios. Hoje, por exemplo, é difícil minimizar o episódio do “mensalão” tendo em vista todas as evidências reconhecidas pela Justiça e difundidas pela imprensa.
Mas não se constrói uma sociedade saudável à base de coerção e de processos de divulgação exponenciais de crimes, criminosos, julgamentos e sentenças. Ainda que isso possa ser necessário por sua ação pedagógica, imprescindível mesmo em determinados períodos “evolutivos”, o fato é que, quando se precisa de muita punição e de leis muito severas (e quando se tem muita TV cobrindo julgamento de políticos) é porque algo já deu muito errado na origem.
Aí outra pergunta se faz necessária, e essa não é retórica, ou seja, está à procura de uma resposta objetiva. É a seguinte: que instrumentos são necessários para fomentar uma sociedade em que os indivíduos ajam da forma certa em função de um senso de moralidade autêntico, independentemente da coerção? Civilidade – ensinava Kant - significa fazer o certo independentemente da ameaça de punição. Respostas para este Blog!

Por Nilson Mello





sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Artigo

                           Hannah Arendt

 
Erro gramatical na teoria política

     Hannah Arendt, cientista política alemã de origem judaica, que se refugiou nos Estados Unidos para escapar do nazifacismo, dizia que o poder tem a ver com a habilidade humana para agir, mas para agir de maneira correta, tendo em vista o aperfeiçoamento do próprio mundo.
     Desta forma, prossegue Arendt, o poder jamais pode ser propriedade de um indivíduo, ou de grupo restrito de indivíduos; ao contrário, deve ser visto como a conseqüência da ação conjunta de homens livres, voltados para a paz. Quem está no poder representa uma coletividade, o que pressupõe busca de consenso, diálogo, entendimento visando a “uma” convergência de interesses.
     Por essa visão nitidamente pacifista e democrática, o uso da força seria a antítese do verdadeiro poder. Mais: a “violência pode até destruir o poder, mas não poderá substituí-lo”, porque ela se baseia na exclusão, no sectarismo, e não num movimento espontâneo de interação e cooperação como o preconizado por Arendt. (*)
     Violência e poder são, assim, conceitos opostos. Se um está forte, o outro desaparece. Por exemplo, a escalada da violência na Síria é uma decorrência direta da perda de poder do regime.
E aí chegamos a outra conclusão óbvia: a força do poder reside em sua legitimidade e representatividade, do contrário será apenas violência, ainda que disfarçada de poder. De volta ao exemplo, a tentativa de manutenção do status quo, sem a devida legitimidade, levou o governo de Aashar al Assad a uma guerra sanguinária contra aqueles que deveria representar. Não há poder, só violência.
A mesma carnificina teria acontecido na Índia do final dos anos 1940, diria Arendt, se Gandhi houvesse enfrentado, com sua resistência pacífica, os regimes de Hitler, Mussolini ou Stalin, ao invés do liberalismo democrático britânico.
     Há um alerta a ser feito. Grupos minoritários, não representativos de uma autêntica convergência de princípios coletivos, podem procurar se apropriar do poder por meio de uma “violência” dissimulada. Contra esse risco, palatável no Brasil, o maior antídoto é o fortalecimento das instituições.
     O julgamento da ação penal 470 no Supremo Tribunal Federal é um sinal de amadurecimento institucional. O julgamento do processo do “mensalão” - esquema de compra de votos que revela o intuito de se estruturar um poder espúrio, não consensual – tem reiterado a autonomia e a independência de uma esfera do Estado (Judiciário) em relação às outras (Executivo e Legislativo).
     A “violência” dissimulada se manifesta pela tentativa de interferência de uma esfera na outra, e pela estruturação de um sistema legal democrático na aparência, mas opressor na prática. O voto vencido de um ministro em quase todos os itens do “mensalão” examinados até aqui pelo plenário do Supremo é uma prova vigorosa de que as instituições resistem à interferência indevida. Neste sentido, o vencido no voto poderia personificar a desmoralização de um projeto anômalo de “poder”.
Em sentido oposto, é sinal de reconhecimento implícito da prevalência do princípio de separação de Poderes, o bilhete que a presidente Dilma Rousseff encaminhou nesta quinta-feira (30) a duas de suas ministras, contrariada com mudanças no projeto do Código Florestal feitas no Congresso. Se o Legislativo estivesse domesticado, não existiria bilhete.
A propósito, o bilhete começa com um erro gramatical, logo na primeira linha. Na primeira palavra. Mas, de qualquer forma, convenhamos, já é uma evolução  em relação a um passado bem recente.
      
Por Nilson Mello
    
*Obs: para Arendt, uma boa referência bibliográfica é, novamente, Bittar e Assim Almeida, em “Filosofia do Direito”, cap. 23, Ed. Atlas, 9ª Edição.

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Comentário do dia

Macaco Tião


Urnas – O horário de propaganda eleitoral gratuita é dessas aberrações do sistema brasileiro da qual não sabemos como nos livrar. Sim, porque é certo que o eleitor precisa saber quem são os candidatos. E que esses têm o direito de dizer a que vieram.
Mas como fazer biografia e plataforma serem adequadamente divulgadas quando se disponibilizam apenas alguns segundo para a veiculação das mensagens?
    “Eu sou Charles André, o seu amigo de fé, vote número tal, tal, tal”, avisa um candidato à Câmara do Rio em uma das centenas de aparições-relâmpagos do horário gratuito na TV e no rádio.
    “Eu sou o Andrezinho da peixaria, número tal”, grita outro postulante. “Eu sou a Ângela do Tempero”; “eu sou o Fabinho, número...” e assim por diante.
    A propaganda eleitoral gratuita nada acrescenta. Não é possível identificar propostas de trabalho consistentes. Tampouco é possível checar as biografias daqueles que “vendem” sua candidatura.
No fundo, as aparições-relâmpagos são um deboche com o processo eleitoral e, implicitamente, um ato de desdém. O modelo embute a percepção de que o público – o eleitor – fará a sua escolha de acordo com uma avaliação superficial.
Muitas vezes, não raro, essa escolha superficial é também um ato de galhofa, num deboche recíproco entre elegível e eleitor. Não por outra razão já se votou até no Macaco Tião, chimpanzé do Zôo carioca, para o cargo de prefeito.
Não sei exatamente qual seria o melhor caminho para permitir que o eleitor conheça os seus candidatos. Mas tenho a impressão de que acabar com o espetáculo ridículo representado pelas aparições-relâmpagos estimularia a curiosidade do eleitor de boa-fé, levando-o a pesquisar o perfil e a história de cada postulante por conta própria. Isso sim seria voto consciente.
Bem, e quanto àqueles que não se sentissem estimulados, o que fazer? Bem, a democracia precisa do voto desses? Eis uma questão importante a que deveríamos procurar responder sem hipocrisia.
O certo é que do jeito que está a propaganda eleitoral gratuita não acrescenta nada ao processo eleitoral. E o mesmo vale para o voto obrigatório. Ambos são institutos que servem de instrumento ao populismo e ao clientelismo.
 
Por Nilson Mello