sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

Mercado de Trabalho

 

Os encargos como desestímulo ao emprego

                                          
                                             (Obs: Artigo publicado simultaneamente com o Correio da Manhã)

Os dados sobre emprego (ou desemprego, para quem preferir) divulgados nesta quinta-feira (28/01) pelo Ministério da Economia e pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) renovam as nossas preocupações em relação ao mercado de trabalho e à recuperação completa da atividade econômica pós-pandemia, mas deixam brechas para um justificado otimismo, nos permitindo, ainda, tirar algumas conclusões.

Começando pelos números negativos, nos deparamos com uma taxa de desemprego ainda alarmante, de 14,1% da força de trabalho (empregos formais e informais), o equivalente a 14 milhões de pessoas, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio – PNAD/IBGE, referente ao terceiro trimestre concluído em novembro. É o pior número da série histórica iniciada em 2012 para este mesmo trimestre, e também pior do que a taxa verificada em igual período de 2019 (de 11,2%), num cenário pré-Covid.

De acordo com o Ministério da Economia, com base no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), nos quatro meses do auge da pandemia, de março a junho do ano passado, foi registrado 1,6 milhão de demissões no mercado formal de trabalho (carteira assinada). A deterioração naquele período foi superior à eliminação de postos de trabalho formais verificada na pior recessão econômica que o país enfrentara até então, em 2015 e 2016, quando foram extintos, respectivamente, 1,5 milhão e 1,3 milhão de empregos formais.

Agora a parte boa da notícia. Já entre julho e dezembro, 1,4 milhão de empregos foram recriados. Além disso, de acordo com o Caged, foram geradas 142.690 vagas com carteira assinada em 2020, o terceiro exercício seguido com saldo positivo na geração de empregos formais. Apesar da pandemia, o ano chegou ao fim com 30 milhões de pessoas em empregos formais, sendo 11 milhões de vagas preservadas graças ao Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda (Lei 14.020/2020), que permitiu a suspensão temporária de contratos de trabalho, com o governo custeando um benefício ao empregado. 

Mais: apesar do alto número de desempregados, o número total de pessoas ocupadas aumentou em 3,9 milhões (4,8%) no trimestre terminado em novembro em relação ao anterior, totalizando 85,6 milhões de pessoas (com e sem carteira), a maior taxa de crescimento da série histórica da pesquisa para o período. A PNAD revela que a maior parcela do aumento da ocupação veio do mercado informal. Aliás, a taxa de informalidade no Brasil chega a 39,1% dos ocupados – cerca de 34 milhões de trabalhadores.

Duas conclusões irrecorríveis. A primeira é que a ação do Estado foi fundamental para impedir uma deterioração mais aguda do mercado de trabalho. A segunda é que certamente teríamos uma demanda maior por empregos formais no país, se nossos encargos trabalhistas (os maiores do mundo) não fossem tão pesados, representando 183% (FGV/CNI) do salário de um trabalhador. Os encargos no Brasil encarecem o trabalho. São um desestímulo ao emprego.

Por Nilson Mello

 

 

terça-feira, 19 de janeiro de 2021

Desenvolvimento

 

A Ford e as Reformas



O anúncio da saída da Ford do Brasil, após um século de operação no país, colocou novamente em evidência a necessidade de reformas estruturantes que garantam e melhoria do ambiente de negócios. A começar por um sistema tributário caótico, o arcabouço jurídico brasileiro é hostil ao empreendedor e aos investimentos, o que explica nossas baixas taxas de crescimento.

    Há 40 anos a economia brasileira cresce abaixo da economia global, uma defasagem que se acentuou na última década. De 2011 a 2020, o PIB brasileiro cresceu 2,2%, enquanto o do Mundo, 30,5% (FMI).

Um quadro legal desfavorável, que mina a competitividade e a produtividade do setor produtivo, é a principal razão do contínuo fechamento de unidades industriais no país. Portanto, em que pese os problemas intrínsecos da montadora americana e sua dificuldade em se adaptar às grandes transformações por que passa o setor automobilístico no Mundo, essa é a questão que deve ser enfrentada, de forma prioritária.

Levantamento feito pela Confederação Nacional do Comércio (CNC) mostra que de 2015 a 2020 36,6 mil indústrias foram extintas, o que equivale a quase 17 plantas industriais fechadas por dia. Somente no ano passado, 5,5 mil fábricas cerraram as portas. Principal obstáculo apontado por seus controladores? Carga tributária pesada e extremamente complexa, um problema que afeta, por óbvio, os outros setores da economia.

Com uma carga tributária de 33% do PIB, a mais alta entre os países emergentes, o contribuinte brasileiro trabalha quase 150 dias por ano para pagar impostos. E o problema não é somente a alta carga, mas o emaranhado fiscal de difícil compreensão. De 1988 até hoje foram editadas mais de 390 mil normas tributárias no país, o que equivale a 1,92 norma por hora, considerando os dias úteis, segundo a Associação Comercial de São Paulo.

Essa profusão de normas gera insegurança jurídica, engessa os ativos econômicos, afastando ainda mais os investimentos, e, claro, alimenta os conflitos fiscais. Por isso o litígio tributário hoje no Brasil alcança a impressionante cifra de R$ 3,4 trilhões (dados do Tesouro Nacional), valor comparável ao orçamento da União.

    À alta carga tributária poderia corresponder uma elevada taxa de investimento, um fator decisivo para gerar desenvolvimento sustentável, mas evidentemente isso não ocorre – do contrário, não teríamos desempenho pífio há tantas décadas – porque as receitas públicas, tanto da União, como dos demais entes federados, estão praticamente todas elas comprometidas com o custeio de máquinas administrativas dispendiosas e pouco eficientes.

    Já foi dito, mas convém sempre repetir: este “Estado” paquidérmico engendrado pela Constituição de 1988 deixou de ser o meio pelo qual se fomentaria uma sociedade mais justa e próspera, para se tornar um fim em si mesmo - uma distorção perversa que precisa ser revertida. O fim deve ser o bem-estar do conjunto da sociedade. Por essa razão, a agenda de 2021 deve estar prioritariamente voltada para as Reformas Administrativa e Tributária, além do combate à pandemia.

Por Nilson Mello

   

sábado, 9 de janeiro de 2021

Mises, Freud e o marxismo

 

A autonomia da vontade


(Obs: este artigo foi publicado simultaneamente com o Correio da Manhã)

            O incentivo que impele o indivíduo a realizar algo é sempre algum desconforto, afirma Ludwig von Mises, no portentoso Ação Humana. No conciso, porém, impactante O mal-estar na civilização, Sigmund Freud lembra que a liberdade individual não é um bem cultural – na verdade, ela antecede qualquer civilização, e era bem maior antes, só que sem valor, porque o homem não tinha condições de defendê-la.

A essência da sociedade, portanto, é a própria ação dos seus indivíduos, o movimento concorrente de cada um na construção de um todo. Ninguém jamais pode perceber uma nação sem perceber os seus integrantes – e os feitos desses.

A principal razão do colapso do socialismo e a proeminência do capitalismo (mesmo em nações formalmente comunistas, como a China), pode ser extraída dos ensinamentos desses que são dois dos maiores pensadores do século XX. Ao limitar ao extremo os impulsos individuais, o modelo inviabilizou a própria coletividade que pretendia preservar.

Além do fato de compartilharem a mesma cultura, o Império Austríaco, com pequena diferença de anos, o que não deve ser mera coincidência, Mises e Freud, cada qual dentro da sua área de conhecimento – as quais extrapolaram para ser firmar como verdadeiros filósofos – fortaleceram o ser humano em face da religião, das ideologias, da política e do Estado.

Na mão de cada homem está o destino da humanidade. O processo se dá de dentro para fora, e não no sentido inverso, como pretendem muitas correntes ideológicas, em especial a marxista. Direta ou indiretamente, sendo, na verdade, bem mais diretos do que indiretos, Mises e Freud declaram que qualquer modelo pretensamente científico só terá validade se reconhecer e considerar os anseios do homem, incluindo o de prosperar – e nisso reside a vitalidade de suas obras.

 “Inicialmente, devemos nos dar conta de que todas as ações são realizadas por indivíduos”, martela Mises. O homem pertence, na realidade, a várias coletividades e a tentativa de engessá-lo num modelo artificialmente produzido por uma doutrina mais cedo ou mais tarde fracassará.

          “Os comunistas acreditam haver encontrado o caminho para a redenção do mal”, escreve Freud em Mal-estar na civilização. “Se a propriedade privada for abolida, todos os bens forem tornados comuns, desaparecerão a malevolência e a inimizade... Posso ver que esse pressuposto psicológico é uma ilusão insustentável. Ela (a agressividade) não foi criada pela propriedade, reinou quase sem limites no tempo pré-histórico”.

            A civilização é, sem dúvida, o caminho para o aprimoramento – e ambos os pensadores também concordam neste ponto. Ensinam as teses contratualistas, na Ciência Política e na Teoria do Estado, que a sociedade foi o pacto pelo qual os homens aceitaram ceder parte (e apenas parte) de sua liberdade em troca de mais segurança. Mas que fique bem claro: a força do coletivo será quanto maior quanto maior for a preservação de espaços vitais para a autonomia da vontade, inclusive na esfera econômica.

Por Nilson Mello