quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

Pandemia e desenvolvimento

Das novas cepas aos investimentos



O surgimento da variante Ômicron, condicionando a volta de medidas restritivas em vários países, em especial na Europa, gerou na última semana incertezas quanto a uma recuperação sustentável da economia global nos próximos meses. As dúvidas aumentam em função da desaceleração da atividade na China, locomotiva do comércio internacional, nosso grande demandador de commodities. Ainda é difícil estabelecer o alcance e a duração das novas diretrizes sanitárias e, consequentemente, prever o real impacto sobre a atividade econômica no Brasil e no Mundo.

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), contudo, assumindo que a recuperação mundial perderá ímpeto, reviu a previsão de crescimento do PIB do Brasil em 2021, de 5,2% para 5%, assim como o fez em relação a outras economias. A OCDE já errou antes e a torcida é para que esteja novamente equivocada neste momento em que os dados do fluxo comercial revelam recuperação.

O comércio global deve atingir a marca de US$ 28 trilhões este ano, um aumento de 11% em relação aos níveis verificados antes da pandemia, de acordo com previsão da Agência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Uncatad). Em relação ao depressivo ano de 2020, o aumento foi de 23%, ou de US$ 5,2 trilhões em valor. Com pequena inserção internacional, se considerado o tamanho de sua economia, o Brasil também deverá alcançar um crescimento de 11% em suas trocas internacionais (exportações e importações) este ano em relação a 2019, aponta a agência.  

Em paralelo aos números e à luz da Teoria da Evolução, o que a Ciência pode nos dizer em relação à Covid-19 é que novas cepas tendem a ser mais contagiosas, porém, menos letais (o que vale para qualquer virose), tendo em vista a própria necessidade de sobrevivência do vírus invasor, cujo sucesso depende da sobrevivência do hospedeiro.

Convém lembrar que o desenvolvimento de vacinas - algo indispensável e prioritário - em meio a uma pandemia acaba potencializando variantes mais resistentes, razão pela qual cientistas salientam a importância de manutenção de ações preventivas (distanciamento, máscaras etc), bem como a adoção de outras estratégias de combate à doença, em especial o desenvolvimento de antivirais para o tratamento dos casos menos graves, gerados pelas novas cepas.

Por outro lado, se a vacinação foi decisiva na contenção da pandemia, a imunização desigual entre países e continentes propiciou, igualmente, o desenvolvimento de variantes. Na África, como um todo, apenas 10% das pessoas estão vacinadas, sendo que, em algumas regiões, menos de 1% da população foi imunizada, estatísticas que escancaram não apenas as disparidades econômicas e sociais, como o fracasso das nações ricas (e da própria OMS/ONU) em estabelecer uma estratégia global e solidária para o enfrentamento da Covid-19.

O Brasil, onde 80% da população receberam ao menos uma dose e mais de 60% estão plenamente vacinados, registrou esta semana dois casos da Ômicron, com outros seis sob suspeita. A nova cepa chega em meio a dados relativamente mais positivos sobre o emprego e o déficit público. A boa notícia sobre o emprego é que há mais gente trabalhando no país, justamente como resultado da melhoria dos indicadores da pandemia, em função do avanço da vacinação. 

De acordo com o IBGE (PNAD/Contínua), a taxa de desemprego recuou de 14,2% para 12,6% no segundo trimestre, com nítida melhora das vagas formais, embora ainda haja 13,5 milhões de desempregados e 30 milhões de trabalhadores subutilizados. A recuperação foi relativamente rápida, sobretudo se considerado que os dados pré-pandemia, relativos e emprego, já não eram bons. Mesmo com o aumento das vagas, contudo, a renda mínima do brasileiro sofreu queda de 11,1%, como consequência da estagnação econômica e do aumento da inflação. Há mais gente trabalhando, mas sem melhora da massa salarial.

Nunca é demais ressaltar que, em relação ao mercado de trabalho, o Brasil enfrenta, a par de questões conjunturais (exemplo: pandemia), obstáculos de ordem estrutural, representados pelo ainda alto custo emprego (os altos encargos) e o excesso de burocracia, apesar de reformas paliativas e pontuais recentes, bem como pela baixa capacitação profissional, decorrente de um sistema de ensino deficiente e distante dos desafios econômicos. Esses fatores ajudam a explicar uma alta taxa de informalidade, de 40% da massa de trabalhadores (IBGE).

A análise deve ainda considerar que o Brasil teve, entre 2011 e 2020, a pior década para a economia em 120 anos (FGV), crescendo apenas 0,3% no período. No ano passado, por força da pandemia, o PIB brasileiro sofreu queda de 4,1%. Um recuo forte, mas ainda assim menor do que o anteriormente esperado e, nominalmente, desempenho melhor do que a maioria dos países com relevância econômica, entre os quais Espanha (-11%), Reino Unido (-9,9%), Itália (-8,8%), França (-8,1%), Alemanha (-5,3%), Japão (-4,8%).

Os dados relativos às contas públicas refletem igualmente o impacto da pandemia no ano passado e uma melhora este ano, apesar das incertezas em relação a uma efetiva ancoragem fiscal no orçamento de 2022, submetido a intenso debate no Congresso. O Banco Central informou esta semana que o setor público em conjunto, que inclui governo federal, estados, municípios e estatais, obteve superávit primário (resultado desconsiderando o pagamento de juros) de R$ 35,39 bilhões em outubro, contra R$ 2,9 bilhões no mesmo mês no ano passado.

Esse foi o melhor resultado para outubro desde 2016, graças à maior arrecadação tributária registrada em cinco anos para o período – o que também revela melhora da atividade econômica. Nos 12 meses contados até outubro, porém, o resultado continua amplamente negativo, com déficit nominal de R$ 398,7 bilhões, correspondendo a 4,72% do PIB, lembrando que no auge da pandemia, o déficit chegou a ser de R$ 703 bilhões (BC).

A exemplo dos Estados Unidos e da Zona do Euro, o Brasil enfrenta um “surto” inflacionário, o que pode determinar a manutenção de taxas de juros mais altas, dificultando não apenas a retomada da economia e como agravando a situação das consta públicas. Essa conjuntura, aliada às incertezas quanto à possibilidade de novas ondas de Covid-19, contribui para turvar o horizonte nesta reta final de ano.

Apesar de tudo, de um lado, o fato de a economia brasileira e mundial ter revelado mais resiliência do que se esperava nesta crise e, de outro, a certeza de que a Ciência está cada vez mais preparada para combater a pandemia ainda deixam margem para otimismo. Isso talvez explique por que as expectativas de investimentos por parte do mercado permanecem elevadas. Somente no setor portuário, esperam-se aportes totalizando R$ 16 bilhões com a privatização das Companhias Docas e de terminais isolados. Em saneamento, outros R$ 8 bilhões em investimentos são aguardados, como resultado do novo marco legal setorial. Não há saída: é continuar trabalhando.  

Por Nilson Mello