sexta-feira, 3 de julho de 2015

Artigo

O esforço homérico


Homero e os desafios épicos de Brasil e Grécia

    O escárnio talvez explique a proposta de reajuste de até 78,56% concedido pelo Senado aos servidores do Judiciário na última terça-feira. Em pleno período de retração econômica, de desequilíbrio fiscal e de esforço - ainda longe de êxito - do governo para reorganizar as contas públicas, devastadas pela má gestão no primeiro mandato, a decisão dos senadores só pode ter sido um deboche com o contribuinte.
    Do "alto" de seus 9% de popularidade (ou, mais precisamente, dos 68% de rejeição) o pior desempenho de um governante em 30 anos, de acordo com pesquisa CNI-Ibope divulgada esta semana, a presidente Dilma Rousseff já anunciou que vetará a proposta. Não ter mais nada a perder torna-se  às vezes um estímulo para se tomar as decisões certas.
    Pouco se fala, mas foram brincadeiras deste tipo - ou seja, farras promovidas em detrimento do verdadeiro interesse da sociedade - que levaram à Grécia a uma situação fiscal insustentável e a uma dívida praticamente impagável, de 323 bilhões de euros, quase o dobro de seu PIB (de 179 bilhões de euros).
    A Grécia é hoje vítima de seu próprio desacerto fiscal, produto da demagogia e da irresponsabilidade de seus governantes.  
    Ciente disso, sua população tende agora a votar pela permanência na Zona do Euro no plebiscito que será realizado neste domingo (é o que prevêem as sondagens até aqui), mesmo certa de que o caminho implicará sacrifícios, como cortes de gastos sociais e mais aumento de tributos.
    A consulta popular convocada pelo governo de Alexis Tsipras (à frente de sua autodenominada coalizão radical de esquerda, a Syriza), visando a obter respaldo contra os credores, tende a ser, portanto, um tiro pela culatra. Os eleitores preferem assumir os ajustes necessários à alternativa pior, que seria a iminente exclusão da Zona do Euro.
    A esquerda liderada por Tsipras, a exemplo do que fazem seus equivalentes mundo afora, incluindo o Brasil, busca soluções que parecem fáceis, mas que, no final das contas, conduzem a impasses e retrocessos, com um custo ainda maior para a sociedade.
    O deficit da Previdência no Brasil foi de R$ 126 bilhões em 2014. O colapso do sistema é uma questão de tempo - cada vez menos tempo - que o Fator Previdenciário vinha postergando. Com o fim do mecanismo, no bojo da sanha revisionista e oportunista que acometeu o Congresso este ano, a conta chegará mais rápido - e será paga pelo conjunto da sociedade, mas com maior peso para aqueles que têm renda menor, como sempre ocorre.
     O rombo nas contas públicas brasileiras tem tomado proporções catastróficas, obrigando agora a esforços homéricos - já que estamos falando de gregos - em grande parte porque, no Brasil, se mantém a crença de que equilíbrio fiscal e responsabilidade orçamentária são coisas de "neoliberais" que não se preocupam com o povo.
    O capitalismo deu as respostas erradas, enquanto o comunismo não deu respostas aos desafios da humanidade, escreveu Cristovam Buarque, em artigo no último fim de semana. Lênin percebeu os limites do comunismo ainda em 1921, quando, diante da fome que matara mais de 6 milhões de pessoas na URSS, decidiu voltar atrás e reprivatizou a agricultura, a fim de pôr fim à escassez de alimentos. Foi a salvação.
    O regime soviético teve sobrevida de mais sete décadas, mas acabou ruindo devido à própria ineficácia de sua economia. A Syriza certamente faz outra leitura da história. Paciência. Quanto à observação de Cristovam Buarque, ela embute a expectativa de um novo caminho. Qual seria ele ainda não sabemos. Mas certamente não é o da irresponsabilidade fiscal.

Por Nilson Mello

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