O esforço
homérico
O
escárnio talvez explique a proposta de reajuste de até 78,56% concedido pelo
Senado aos servidores do Judiciário na última terça-feira. Em pleno período de
retração econômica, de desequilíbrio fiscal e de esforço - ainda longe de êxito
- do governo para reorganizar as contas públicas, devastadas pela má gestão no
primeiro mandato, a decisão dos senadores só pode ter sido um deboche com o
contribuinte.
Do
"alto" de seus 9% de popularidade (ou, mais precisamente, dos 68% de
rejeição) o pior desempenho de um governante em 30 anos, de acordo com pesquisa
CNI-Ibope divulgada esta semana, a presidente Dilma Rousseff já anunciou que
vetará a proposta. Não ter mais nada a perder torna-se às vezes um estímulo para se tomar as
decisões certas.
Pouco
se fala, mas foram brincadeiras deste tipo - ou seja, farras promovidas em
detrimento do verdadeiro interesse da sociedade - que levaram à Grécia a uma
situação fiscal insustentável e a uma dívida praticamente impagável, de 323
bilhões de euros, quase o dobro de seu PIB (de 179 bilhões de euros).
A Grécia é hoje vítima de seu próprio
desacerto fiscal, produto da demagogia e da irresponsabilidade de seus governantes.
Ciente
disso, sua população tende agora a votar pela permanência na Zona do Euro no
plebiscito que será realizado neste domingo (é o que prevêem as sondagens até
aqui), mesmo certa de que o caminho implicará sacrifícios, como cortes de
gastos sociais e mais aumento de tributos.
A
consulta popular convocada pelo governo de Alexis Tsipras (à frente de sua autodenominada
coalizão radical de esquerda, a Syriza), visando a obter respaldo contra os
credores, tende a ser, portanto, um tiro pela culatra. Os eleitores preferem assumir
os ajustes necessários à alternativa pior, que seria a iminente exclusão da
Zona do Euro.
A
esquerda liderada por Tsipras, a exemplo do que fazem seus equivalentes mundo
afora, incluindo o Brasil, busca soluções que parecem fáceis, mas que, no final
das contas, conduzem a impasses e retrocessos, com um custo ainda maior para a
sociedade.
O
deficit da Previdência no Brasil foi de R$ 126 bilhões em 2014. O colapso do
sistema é uma questão de tempo - cada vez menos tempo - que o Fator
Previdenciário vinha postergando. Com o fim do mecanismo, no bojo da sanha
revisionista e oportunista que acometeu o Congresso este ano, a conta chegará
mais rápido - e será paga pelo conjunto da sociedade, mas com maior peso para
aqueles que têm renda menor, como sempre ocorre.
O rombo nas contas públicas brasileiras tem
tomado proporções catastróficas, obrigando agora a esforços homéricos - já que
estamos falando de gregos - em grande parte porque, no Brasil, se mantém a crença
de que equilíbrio fiscal e responsabilidade orçamentária são coisas de
"neoliberais" que não se preocupam com o povo.
O
capitalismo deu as respostas erradas, enquanto o comunismo não deu respostas
aos desafios da humanidade, escreveu Cristovam Buarque, em artigo no último fim
de semana. Lênin percebeu os limites do comunismo ainda em 1921, quando, diante
da fome que matara mais de 6 milhões de pessoas na URSS, decidiu voltar atrás e
reprivatizou a agricultura, a fim de pôr fim à escassez de alimentos. Foi a
salvação.
O
regime soviético teve sobrevida de mais sete décadas, mas acabou ruindo devido
à própria ineficácia de sua economia. A Syriza certamente faz outra leitura da
história. Paciência. Quanto à observação de Cristovam Buarque, ela embute a
expectativa de um novo caminho. Qual seria ele ainda não sabemos. Mas
certamente não é o da irresponsabilidade fiscal.
Por
Nilson Mello
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