Tempos difíceis
Em parte condicionado ao êxito do ajuste
fiscal que o governo tenta levar adiante, em meio a conflitos de caráter
fisiológico com o Congresso, o combate à inflação nos coloca diante de uma
certeza, uma dúvida e alguns paradoxos. A certeza, que por si só embute um
aspecto dramático, é a de que a negligência no passado tornou o custo deste
combate muito mais alto no presente.
A prova está no fato de o Banco Central
ter promovido em sua última reunião do dia 3 a sexta alta consecutiva da taxa
básica de juros (Selic), para 13,75%, justamente porque, apesar do aperto
monetário que vem sendo empreendido há algum tempo, o retorno à estabilidade
permanece um objetivo distante. A inflação resiste, e em meio à recessão.
Nos últimos 12 meses o IPCA (índice oficial,
medido pelo IBGE) chegou 8,47%, bem acima do centro da meta, de 4,5%. A equipe
econômica mantém a previsão de alcançá-la em 2016, mas o mercado não considera
a meta exequível antes de 2017 - talvez somente em 2019. Para este ano, o
governo aposta em índice de 7,9%, mais "comportado" do que o
acumulado nos últimos 12 meses, ainda assim muito alto.
A forte elevação dos juros impôs-se, em
certo momento, para evitar uma espiral inflacionária (com indexação
generalizada da economia...), de efeitos devastadores, e também, agora, é
necessária como precondição para que a economia possa reencontrar, em médio
prazo ao menos, uma trajetória de crescimento sustentável, alinhada à
produtividade.
A aposta equivocada na expansão do consumo
como indutor do crescimento, sem lastro na produtividade, feita durante o
primeiro mandato, foi um dos fatores da forte pressão de demanda sobre a oferta
que gerou a alta de preços, ora objeto da dura correção.
Nunca é demais lembrar que a população de
baixa renda é a mais atingida pelo custo de vida, porque é ela obviamente a
parcela que mais perde poder de compra com o "imposto inflacionário".
E isso talvez seja a principal explicação para o fato de o índice de rejeição
do governo ter chegado a 65%, conforme pesquisa divulgada na semana passada,
patamar negativo só superado por Collor de Mello (68%), às vésperas da abertura
do processo de impeachment.
O aperto monetário agrava a retração
econômica, com efeito sobre o mercado de trabalho. Números divulgados na semana
passada pelo IBGE mostram que a taxa de desemprego ficou em 8% no primeiro
trimestre do ano, a maior desde 2012. E este é um dos paradoxos. O outro é que,
com recessão, a arrecadação cai.
Juros mais elevados pressionam a dívida
pública, encarecendo o financiamento do Tesouro e dificultando ainda mais a
busca do equilíbrio fiscal, a despeito de todas as medidas previstas no ajuste.
De abril para maio, a dívida pública aumentou 1,83%, somando R$ 2,4 trilhões,
com previsão de chegar a R$ 2,6 trilhões ao término do ano.
A inflação tem relação direta com
expectativas. A dúvida mencionada no início do texto diz respeito ao grau de
credibilidade que ainda resta ao atual governo. Não apenas para
levar adiante as medidas de combate à inflação como o próprio programa de
reequilíbrio fiscal. Na verdade, são ajustes interdependentes. O Banco Central
rigoroso de hoje tem no seu comando o mesmo presidente que foi conivente com
as, digamos, liberalidades fiscais no primeiro governo de Dilma Rousseff.
As liberalidades levaram o Tribunal de
Contas da União (TCU), pela primeira vez desde 1937, a não aprovar na semana passada as contas da
presidente, e a exigir explicações no prazo de 30 dias para o
que chamou de 13 graves distorções na gestão orçamentária de 2014.
O trunfo com que a presidente Dilma
Rousseff certamente conta para se livrar de um processo de impeachment, devido
a essas possíveis ilegalidades, é o fato de deputados e senadores, a quem cabe
a palavra final, terem mais a lucrar com o prolongamento de seu desgaste até o
término do mandato do que com o seu afastamento imediato. O governo Dilma é
mantido vivo por aparelhos - suporte artificial.
Quanto ao ajuste no Congresso, a qualidade
é justificadamente questionada, já que sua ênfase está no aumento da
tributação, não no corte de gastos e despesas. É o que dá para ser feito no
momento. Uma ampla reforma da máquina pública que viesse a tornar o Estado
verdadeiramente eficiente e responsável não chega sequer a ser cogitada, e nem há
clima para tanto. Exigiria um governo confiável, com força política, e um
Congresso alinhado com os interesses do país - o que, convenhamos, está longe
de ser o caso. Resta torcer para que a meia-bomba funcione. A ampla
reformulação ficaria para a eleição de 2018.
Quando chegar o momento, duas declarações
do ex-presidente Lula (por que não?), divulgadas nos últimos dias, merecem ser
consideradas: "O PT está abaixo do volume morto"; e "os petistas
só pensam em cargo público". Sem força para governar, seria, portanto,
assumidamente, o próprio "partido da boquinha", como certa vez
definiu um ex-governador fluminense, ele próprio ex-integrante da legenda, com
conhecimento de causa.
Por Nilson Mello
Nenhum comentário:
Postar um comentário