A reforma da oligarquia. Ou
para a oligarquia?
Notícia animadora - se é que cabe tamanho otimismo em conjuntura econômica
e política tão adversa - desta sexta-feira dá conta de um movimento no Senado
para rever a maioria dos pontos da chamada "reforma política"
aprovada pela Câmara nas últimas três semanas.
Tendo em vista que os dois últimos artigos postados versaram sobre o
tema, o Blog pede licença para ser repetitivo e retomar a análise de alguns pontos.
Do que se foi decidido na Câmara, transparece o fisiologismo - o
qual, diga-se, alegava-se pretender combater - em detrimento do interesse
público.
Não se sabe se, na Casa "revisora", senadores
votarão e decidirão em linha com o que quer a sociedade (o que seria isso mesmo?)
ou se acrescentarão mudanças que atendam exclusivamente aos seus próprios
interesses, como fizeram os deputados. Vejamos o pacote aprovado.
Os mandatos passam a ser de cinco anos, não mais de quatro, para
todos os cargos eletivos, a partir de 2020. Os parlamentares, portanto
legislaram em causa própria, estendendo os seus possíveis futuros mandatos.
Governadores e senadores poderão ser eleitos com idade mínima de
29 anos, e não mais com 30 e 35, respectivamente; e deputados, aos 18, não mais
aos 21. Impossível ver que vantagens tais mudanças podem trazer para a sociedade,
ou de que forma a redução da idade de ingresso em cargos eletivos pode
contribuir para um fortalecimento do processo político.
Em contrapartida, é fácil constatar que a alteração reforça os
clãs políticos, as oligarquias que já dominam o Legislativo. Segundo
levantamento da Transparência Brasil feito em junho do ano passado, 228 dos 513
deputados e 52 dos 81 senadores eram pai, filho, irmão, tio, sobrinho de
político ou casado com alguém que exercia ou já havia exercido cargo eletivo.
O quadro se manteve após a apuração dos votos em outubro
de 2014: 49% dos deputados e 60% dos senadores eleitos têm algum parentesco com
político. Se considerados os laços familiares, portanto, a taxa de renovação na
Câmara na última eleição (de 38,6%), uma das mais altas dos últimos tempos, nem
seria tão significativa assim. Em verdade, em muitos casos, passou-se o bastão,
mantendo-se os feudos de influência.
Pelo que também foi aprovado na Câmara, o voto permanece
obrigatório, como dever, não como direito, potencializando o assistencialismo
que elege demagogos sem qualquer compromisso com a realidade. Voto de cabresto. E tanto empresas
quanto pessoas físicas continuarão a financiar partidos e candidatos nas campanhas,
por meio de doações, o que dá ao poder financeiro um peso preponderante no
processo eleitoral, em contradição com a essência da democracia.
As coligações proporcionais também seguem valendo, apesar de
serem fonte de alianças espúrias que negam a vontade do eleitor. O voto distrital
não prevaleceu e o proporcional (pelo qual vota-se num candidato e elege-se
outro) foi mantido, em meio a total indiferença em relação a um modelo misto
que pudesse valorizar a representatividade e fortalecer os partidos.
Manteve-se também uma cláusula de barreira para acesso ao fundo
partidário que não elimina o excesso de legendas, fator que reforça o
fisiologismo em prejuízo da ação programática.
Por fim, a Câmara decidiu que não há mais possibilidade de
reeleição de prefeitos, governadores e presidente da República (regra que
não vale para os eleitos em 2012 e 2014). Por melhor desempenho que o governantee tenha tido, o eleitor deverá arriscar uma novidade.
Houve aprimoramento do sistema? É difícil prever o que virá do
Senado, mas o ideal é que tudo retornasse à estaca zero, deixando a reforma
política - uma verdadeira reforma política - para momento mais oportuno.
Por Nilson Mello
Anote:
Inflação - Na semana em que o Planalto procurava apresentar uma agenda
positiva, com o anúncio de um bem vindo pacote para atrair investimentos em
infraestrtura (calculado em R$ 198 bilhões), a inflação voltou a mostrar sua
força. A alta de 0,74% do IPCA em maio, a maior para o mês desde 2008, com o
índice alcançando 8,47% em 12 meses, põe em xeque o objetivo do governo de
trazer o índice para o centro da meta (de 4,5%) ao término de 2016. E indica
que o BC deverá seguir puxando os juros, hoje em 13,75%, com nova alta de 0,5%
no mês que vem. Prova de que a negligência passada tornou a tarefa presente
mais árdua, com futuro ainda incerto.
Arma branca - O trágico assassinato do médico Jaime Gold a facadas
no Rio no mês passado expôs o desespero do Poder Público para lidar com a
questão da violência no estado. A Polícia Civil se atrapalhou ao dar como
resolvido o caso, apresentando o autor das facadas, um menor que foi apreendido
e recolhido a uma instituição para infratores. Logo depois foi desmoralizada
com o surgimento de um cúmplice e outro autor do crime. Já havia dada a
investigação por encerrada. A Assembleia Legislativa, por sua vez, aprovou
projeto de lei (ainda a ser sancionado pelo governador) que proíbe o porte de
armas brancas, sem considerar os efeitos colaterais da proibição ou a eficácia da
medida. Precipitação e oportunismo.
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