As novas regras que estão sendo aprovadas na chamada "reforma política" ainda irão a segundo turno de
votação na Câmara e a mais duas votações no Senado. Mas, se prevalecer o que
foi decidido até agora, o resultado não parece bom.
Para começar, pôs-se fim ao instituto da
reeleição de prefeitos, governadores e presidente da República.
Está claro que o mau governante consegue a
reeleição até com certa facilidade (alguém ainda duvida?), mas o rodízio
permanente a cada quatro anos - ou cinco, como se pretende agora -, não elimina
os riscos das más escolhas originais e ainda afasta a possibilidade de se
prolongar o que está dando certo.
A reeleição está em linha com a
economicidade, a perenidade das políticas públicas e o reconhecimento ao
mérito. É um direito do eleitor.
Outra mudança que vai na contramão da lógica
e do que parecia ser a vontade do eleitorado - à espera da moralização da
política - é o fim do financiamento de campanhas por empresas. Pelo texto
aprovado em primeira votação, empresas serão proibidas de financiar candidatos,
mas poderão seguir financiando partidos. Os candidatos só serão financiados por
pessoas físicas.
Se confirmada nas próximas votações na
Câmara e no Senado, a medida tornará inócuo o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade
(Adin) ajuizada em 2013 pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Supremo contra
o financiamento das campanhas (as doações) por pessoas jurídicas em qualquer
hipótese.
O julgamento foi interrompido há um ano pelo
ministro Gilmar Mendes, que pediu vista do processo quando o voto da maioria
dos ministros (6 a 1) já havia derrubado o financiamento por empresas, sem
possibilidade de reversão.
Entre as mudanças aprovadas também está um
abrandamento da cláusula de barreira. Terão direito a tempo de propaganda na TV
e rádio e ao Fundo Partidário (na prática, um financiamento público), qualquer
partido que tenha elegido um deputado ou senador.
A pulverização de legendas no Congresso,
propiciadas pela ausência de regras mais rígidas de acesso, dificulta as
discussões e a formação de maiorias coerentes do ponto de vista programático.
Por isso mesmo dá margem a negociações fisiológicas - as mesmas que alegadamente
se pretendia coibir. Manter um grande número de legendas no Congresso não
corrigirá a crise de representatividade, tampouco coibirá o fisiologismo. Ao
contrário.
A proposta do Distritão, que substituiria o
sistema proporcional, foi igualmente rejeitada nas votações já realizadas. Foi
o único ponto em que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, maior defensor da
mudança, saiu derrotado.
O Distritão, segundo seus defensores,
elimina uma distorção do sistema proporcional, que é a de se eleger, via votos
computados às legendas, candidatos pouco votados, carreados para o posto parlamentar
pela votação expressiva dos líderes de votos em seus respectivos partidos.
O sistema distrital, porém, também acarreta distorção
grave: como cada Distrito elege apenas o candidato mais votado, postulantes com
votação expressiva deixam de ter assento no Congresso, nas Assembleias
Legislativas e nas Câmaras Municipais, ainda que tenham obtido mais votos do
que concorrentes eleitos por outros distritos. A representatividade aqui também
sai perdendo.
A solução que poderia unir as virtudes dos
dois modelos, o sistema distrital misto, que valoriza a escolha do eleitor (e
estabelece uma relação mais direta com o eleito) sem enfraquecer os partidos,
não prosperou. Felizmente, também não vingou a ideia do voto em lista fechada,
aquele em que o partido determina em quem se votará, de nítido viés autoritário.
Anuncia-se que até julho será colocado em
votação o fim do voto obrigatório. A regra, que andou esquecida até aqui, é
outra distorção na medida em que transforma uma direito em dever. Porém, não
há qualquer garantia quanto à derrubada
da obrigatoriedade - e nem mesmo se a questão será votada.
Em todos os pontos já apreciados, é difícil
perceber coesão ou convergência de propostas por parte do governo e dos
partidos da base aliada. A falta de unidade se repete na oposição. O único
ponto de interseção (correto dizer interesse comum?) parece ser justamente o
fisiologismo que se queria erradicar.
O PSDB, artífice da Emenda da Reeleição em
1997 - movido também por casuísmo, é preciso dizer, porque se tratava de
reconduzir Fernando Henrique Cardoso - desta vez ajudou a derrubar a boa regra.
E ainda há quem queira promover uma nova
Constituinte, para uma mudança geral da Constituição. Já imaginou o risco?
Por Nilson Mello
***
A vitória do fisiologismo
O que de pior poderia acontecer em relação a
uma reforma político-partidária começa a se materializar. Um sistema de regras
fragmentadas, sem coerência entre si e distantes dos verdadeiros interesses dos
eleitores é o que deverá sair do Congresso este ano.
O objetivo alegado para a realização da reforma
é a crise de representatividade política. A bandeira foi levantada pelo governo
federal em 2013, em resposta às manifestações que tomaram as ruas do país. Os
protestos de junho daquele ano - e em outros episódios que ocorreram de lá para cá - deixaram
claro o alto grau de insatisfação da sociedade em relação aos
serviços públicos, ao desempenho dos governantes e aos descaminhos na administração pública.
Como comentado aqui no Blog em artigos nos
dias 13 e 25 de maio ("Dá para confiar no discurso?" e "Sem
embustes"), entre outros, o governo, ciente de que era o principal alvo dos
protestos (ou quem mais tinha a perder com eles), usou a retórica da reforma
para alterar o eixo das discussões, se esquivando das críticas.
Atribuiu assim a culpa pelos desvios e pelo
desempenho sofrível da administração federal à classe política e ao sistema eleitoral.
Uma maneira pretensamente inteligente de se eximir de responsabilidades.
Já patinava há algum tempo no Congresso em
2013 uma série de propostas de Emenda Constitucional e de projetos de reforma
política. Havia anos essas propostas aguardavam discussão, mas permaneciam
esquecidas. Tocar no assunto somente passou a ser conveniente quando o grito
das ruas exigiu bodes expiatórios (a classe política e o sistema eleitoral).
Contudo, a falta de articulação do Planalto,
devido à sua debilidade política em função das denúncias de corrupção e aos
maus resultados na economia, lançou a matéria em um vácuo, sem a efetiva condução do Executivo (para o bem e
para o mal).
E foi aí que os parlamentares - percebendo
que a tática diversionista também lhes favorecia - aproveitaram a oportunidade
para renegociar vantagens e redistribuir espaços a partir da reestruturação de um
esquema que já estava assentado. Mudanças abrem perspectivas de novas vantagens.
Jogo de oportunistas?
O fisiologismo que se pretendia combater com
a reforma deverá se tornar o seu maior beneficiário. É o que se percebe pelos
métodos empregados - e pelas mudanças feitas até agora. Propostas foram
desenterradas de forma aleatória (ou não?), travestidas de casuísmos, agrupadas
e colocadas em discussão a toque de caixa, sem muito compromisso com o rigor
técnico e a coesão que devem reger um sistema.
O relator da Comissão Especial da Reforma
foi destituído do cargo pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que lá o
havia colocado, sem muitas explicações. Seu relatório sequer foi apreciado. A Comissão
foi desfeita e a "reforma" passou a ser debatida e votada diretamente
pelo plenário. Atabalhoado o processo?
Difícil imaginar que uma reforma possa ser
votada com consciência sem que haja um texto base que sirva de Norte às
discussões. (NM)
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