O estelionato eleitoral,
a Grécia e o Brasil
Após
o Crash de 1929, que pôs fim aos Roaring Twenties e deu início à grande
depressão da década seguinte, algo precisava ser feito para moralizar e regulamentar
o mercado de ações. O democrata Franklin D. Roosevelt - que em 1933 substituíra
o republicano Herbert Hoover na Presidência dos Estados Unidos - criou a SEC (Securities and Exchange Commission) para
impedir que movimentos especulativos, pautados em práticas fraudulentas,
voltassem a derrubar a economia americana - e, por tabela, a do mundo.
Pragmático,
Roosevelt colocou à frente da SEC ninguém menos que Joseph (Joe) Kennedy, justamente um dos maiores
especuladores da Bolsa de Nova Iorque. Pai de John Kennedy, que viria a ser o
35o presidente norte-americano - Joe Kennedy fora dos poucos grandes
investidores a não ir à bancarrota após a "Terça-Feira Negra" de 29
de outubro de 1929. Além de hábil na manipulação das ações, era também um
talentoso comerciante de bebidas em plena vigência da Prohibition. A rigor, um traficante. Aliás, a Lei Seca, que
perdurou de 1920 a 1933, consagrou a máxima segundo a qual a necessidade
derruba a proibição.
O relato dessas contradições no país que se orgulha de ter como um de
seus valores fundamentais o respeito incondicional à Lei é o que há de mais
saboroso na leitura de 1929 (A quebra da Bolsa de Nova Iorque: A história
real dos que viveram um dos eventos mais impactantes do século), de Ivan
Santa'Anna. Ora, não é apenas aqui que leis não pegam. Quando questionaram
Roosevelt quanto à escolha de Kennedy - justo um especulador! - para chairman da SEC, a resposta foi óbvia.
Somente quem conhecia a fundo as possibilidades de fraudes e as artimanhas
envolvendo o mercado de ações poderia coibir futuras irregularidades. Deu certo.
Para
muitos historiadores, o Crash que
provocou a depressão nos EUA criou as condições para a ascensão de Hitler numa
Alemanha devastada pela crise econômica. Enfrentando uma recessão profunda, com
taxa de desemprego de 25%, e soterrado por uma hiperinflação sem paralelo, por que o povo alemão não apostaria no discurso de um
carismático Guia (Führer) que
prometia prosperidade e empregos para todos? Mais uma vez seria o Estado
mobilizando e dirigindo a economia para construir rodovias, ferrovias,
fábricas... A exemplo do que ocorria nos EUA, a solução não viria pelo mercado.
Mas excluiria a democracia.
A
"versão germânica" do New Deal,
com seu fundamento racial e seu componente totalitário, arrastaria o Mundo para a Segunda Guerra em 1939, provocando a
morte de mais de 60 milhões de pessoas em seis anos de trevas. Se o New Deal de Roosevelt teria ou não o
mesmo êxito não fosse o esforço de guerra norte-americano contra o Nacional
Socialismo é outra questão que segue intrigando estudiosos.
A nós importa saber que, de lá para cá, o
Mundo até conseguiu regular melhor seus mercados financeiros - não tão melhor a
ponto de evitar outras bolhas, como a deste ano na República Popular da China (ironia das ironias!) ou a dos subprimes, em
2008, mas ainda assim consideravelmente melhor. Não se livrou, contudo, da ação irresponsável de
líderes demagógicos e populistas. É o que lembra Mario Vargas Llosa, em artigo
no Estado de S. Paulo deste domingo
(12), fazendo referência à crise grega e mencionando, além de Perón, os
contemporâneos Evo Morales, Rafael Correa e Daniel Ortega (a lista, sabemos, é mais
extensa).
Queremos
um mundo no qual não estejamos irremediavelmente submetidos à égide dos valores
financeiros, à ditadura das finanças, prega, por sua vez, Cacá Diegues, em
comovente libelo no jornal O Globo, também
neste domingo, e igualmente em alusão à crise grega. A melhor forma de uma
sociedade se precaver contra a "ditadura das finanças" é escolhendo
governantes responsáveis, que zelem pela boa gestão dos gastos públicos. Algo
que a Grécia jamais fez.
Para
que a escolha dê certo, o Contrato Social (Deal, por que não?),
firmado entre eleitor e governante, não pode ser objeto de um estelionato.
Alexis Tsipras, o primeiro-ministro grego, promoveu uma consulta popular em
torno de uma proposta que já não mais estava sobre a mesa. Agora vitorioso, tenta ajustar-se
às regras que repelia, ciente de que, embora duríssimas, elas são
imprescindíveis à sobrevivência econômica de seu país. Dupla fraude. Dilma
Rousseff governa um país com distância galáctica daquele vendido em sua
campanha eleitoral de 2014. E usando, para reverter erros do primeiro mandato,
a política econômica de seu oponente, que tanto criticou.
Nunca
é demais lembrar que os subprimes que
levaram à crise de 2008 foram estimulados por um espasmo de ativismo estatal em
plena nação do capitalismo (outra ironia!). As agências que estimulavam as
hipotecas imobiliárias de alto risco eram paraestatais. Financistas podem até
ter se beneficiado delas (seria ingênuo pedir que não o fizessem, certo?), mas
a sua criação partiu da burocracia governamental. Não foi obra do mercado.
A
propósito, nos meses de euforia que precederam o Crash de 1929, banqueiros como Amadeo Peter Giannini - fundador do
Bank of America - eram vozes dissonantes quando alertavam para o fato de as
ações, inclusive as de suas instituições, estarem sobrevalorizadas,
impulsionadas pela especulação, recomendando cautela aos investidores. Foram
tachados de perdedores e antipatrióticos pela propaganda oficial articulada de
Washington.
Ainda
no rol de articulistas deste domingo, Veríssimo (O Globo) contesta a cobrança da dívida grega pelos alemães - justo
os alemães que, assinala, tiveram a sua dívida perdoada após a guerra,
beneficiando-se dos bilhões de dólares que o Plano Marshall canalizou para a
reconstrução de seu país.
Veríssimo
esqueceu de dizer que à Alemanha do pós-guerra, com sua soberania mitigada, compartilhada pelos vencedores, não
foi dada escolha a não ser cumprir o que determinava seus credores. Com
disciplina, seguiu o manual e emergiu poucos anos depois mais uma vez como grande potência econômica, mais sólida do que nunca. Claro que o
gênio empreendedor de seu povo contou para tanto. Mas isso é outra história.
Por
Nilson Mello
Anote:
I - A crise grega prova que a Zona
do Euro requer uma política fiscal unificada. Uma utopia por enquanto.
II - Parece contraditório, mas o maior beneficiário de um
possível impeachment da presidente Dilma Rousseff seria o PT. Livrar-se-ia da crise
e do ônus de recolocar o país de pé. De quebra, poderia voltar a posar de vítima junto ao eleitorado.
III - E, por falar em impeachment, não há lei que proíba o presidente da República e o presidente do Supremo de se reunirem quando no exterior.
Em tempo:
Este
Blog tem devido ao leitor textos mais curtos, como já foi de seu padrão. Afinal,
escrever é cortar palavras, como ensinava Machado de Assis.
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