sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Artigo

Um novo ministério
 
Interesses partidários moldam a máquina pública
 
     Bom seria se não precisássemos nos ocupar tanto do governo. Que tivéssemos outros assuntos. Mas o protagonismo errático de nossos dirigentes joga o intuito por terra. Novo ministro da Ciência e Tecnologia, já nomeado pela presidente Dilma Rousseff, Aldo Rebelo, que deixou a pasta dos Esportes, acha que “inovação não pode significar perda de postos de trabalho”. Já nomeado para a Educação, o ex-governador do Ceará Cid Gomes acredita que professor deve “trabalhar por amor”, ou seja, não precisa ganhar bem e nem deve se preocupar com salário.
Não se tem notícia ainda de declarações emblemáticas de Eduardo Braga, ex-governador do Amazonas, nomeado para o Ministério das Minas e Energia, ou de Eliseu Padilha, escolhido para assumir a Secretaria Especial de Aviação Civil, sobre as suas respectivas pastas, mas é certo que nenhum dos dois é especialista na área que comandará. Entre os outros nove nomeados esta semana para o Ministério do segundo mandato, alguns até são técnicos, mas de pouca expressão porque igualmente definidos nos quinhões político-partidários.
Sejamos realistas, ministros até não precisam ser técnicos – às vezes é bom que não o sejam, para não perder a dimensão estratégica de seu Ministério. Mas é recomendável, ao menos, que tenham uma biografia, uma trajetória profissional que os credencie para a missão. Que sejam de expressão, qualificados, comprometidos com objetivos mais elevados e não com os interesses de seus partidos.
Hoje o loteamento é levado às últimas consequências em nome de uma “governabilidade” canhestra, executada à custa do desenvolvimento do país. Dá-se à prática, eufemisticamente, o nome de “presidencialismo de coalizão”. A cada novo governo, mandato ou reforma ministerial assiste-se a  nova rodada de esquartejamento da máquina pública federal. O padrão se repete nas esferas estadual e municipal. O “resultado” é a descontinuidade das políticas de Estado, ou a adoção de programas equivocados, com a eternização de nosso atraso, em especial na área social.
     O efeito inexorável da inovação tecnológica é a progressiva e programada (a partir do estabelecimento de prazos que permitam o treinamento e a alocação de mão de obra em outros setores) perda de postos de trabalho em determinado segmento econômico. A vantagem da inovação, contudo, é extraordinária porque ela propaga a eficiência para toda a economia, melhorando o seu patamar de atividade, multiplicando investimentos e oportunidades, diversificando negócios e relações comerciais e, assim, criando uma nova gama de funções e postos de trabalho de forma sustentável, com benefício para toda a sociedade.
Inovação agrega valor à economia, o que é determinante para o aumento da renda. Não se trata, portanto, de uma questão de escolha. Ou segue-se este caminho ou fica-se condenado ao atraso, eternamente dependente do desenvolvimento tecnológico de outras nações, sujeitando-se, por consequência, aos seus interesses.
Algum assessor deveria tentar explicar ao ministro Aldo Rebelo que não se faz inovação pela metade. Mas o voluntário deve estar ciente de que o novo titular da Ciência e Tecnologia talvez prefira não entender. Se no passado era a religião a maior barreira ao conhecimento, hoje é a ideologia que faz este papel, encobrindo a verdade ou distorcendo a realidade. Aliás, que combinação diabólica domina o Brasil hoje: o retrocesso ideológico associado ao mais vil patrimonialismo manejado pelos agrupamentos partidários.
Rebelo ao menos tem a sua “bengala”. A sua desculpa é a ideologia. E o que dizer do ministro Cid Gomes? Como justificar a defesa que fez dos baixos salários dos professores? Estupidez pura e simples?

Por Nilson Mello
    




sexta-feira, 19 de dezembro de 2014


Cuba, os EUA e os portos brasileiros
Porto de Mariel, em Cuba: dinheiro brasileiro
 

     Apesar do novo marco regulatório do setor - a Lei 12.815, sancionada em junho de 2013 -, os terminais portuários brasileiros seguem congestionados, elevando os custos para a combalida cadeia produtiva nacional e comprometendo a já baixa produtividade da economia brasileira. As raras exceções são os empreendimentos privados mais recentes, mas mesmo esses têm sua eficiência em parte eliminada pelas precárias interconexões rodoviárias e ferroviárias ou devido à falta de dragagens nos canais marítimos.

Navio parado na “fila” à espera de atracação, como ocorre no Brasil, é sinal de ineficiência – e prejuízo certo. Enquanto nos principais portos do Mundo um navio leva menos de duas horas para embarcar e desembarcar, no Brasil um navio chega a ficar dias à espera da atracação, gerando atrasos em cascata, que subvertem o planejamento logístico e jogam os custos para a estratosfera.

A nova Lei dos Portos, como é conhecida, até eliminou obstáculos que travavam os investimentos (condição para a expansão do setor), como a absurda obrigação imposta aos terminais privativos de movimentar carga própria de forma preponderante – o que, evidentemente, afastava grande parte dos investidores. Ora, se minha razão de ser é a logística portuária, movimentando cargas de terceiros, não posso ter carga própria de forma preponderante, a não ser que deixe de ser o que sou.

A “armadilha”, criada, evidentemente, para resguardar mal disfarçadas reservas de mercado (em especial, a dos terminais públicos arrendados, que teriam que enfrentar novos competidores com uma concorrência ampla e aberta, algo bom para o país, mas ruim para eles), impediu durante longo tempo que uma nova leva de aportes fosse feita em terminais privativos nacionais.

Desfeito este nó, cujos resultados ainda demorarão alguns anos para aparecer, outras barreiras, contudo, sobreviveram ao novo marco regulatório – ou, o que é muito pior, vieram junto com ele. Entre elas estão as elevadas e descabidas exigências de licenciamento para a expansão de terminais já existentes ou as restrições para a ampliação de empreendimentos dentro do Porto Organizado (Porto Público).

É como se o governo acertasse (?) pela metade, anulando eventuais benefícios de suas próprias iniciativas. Não se trata apenas de “determinismo ideológico” – algo que por si só afasta dos gabinetes de Brasília qualquer vestígio de racionalidade econômica -, mas de incompetência pura e simples.

Além de afastar os entraves burocráticos remanescentes, permitindo o aumento significativo dos investimentos privados no setor portuário (algo que está no espírito da Lei 12.815/2013), o governo deveria se ocupar de, paralelamente, investir na melhoria dos acessos terrestres aos terminais. As “filas” de navios e, consequentemente, a ineficiência dos portos são também reflexo do sucateamento da infraestrutura em seu entorno.

Onde Cuba e Estados Unidos entram nesta história? Bem, o Brasil financiou, via BNDES, a construção do porto cubano de Mariel. A obra custou cerca de US$ 1 bilhão – com aproximadamente de R$ 90 milhões dados pelo Brasil a fundo perdido (sem nada em troca). Não se tem notícia de nenhum terminal brasileiro, público ou privado, que tenha recebido aporte tão generoso. Um bilhão de dólares resolveria todos os entraves estruturais – melhoria dos acessos rodoviário e ferroviário e integração intermodal - no Porto de Santos, o maior da América Latina e por onde passa um quarto da balança comercial brasileira.
    Agora que Cuba e Estados Unidos reatam relações, o governo mobiliza a sua propaganda para justificar o investimento em Mariel como uma bem urdida estratégia para se beneficiar do provável fim do embargo comercial à Ilha dos irmãos Castro. Potencialmente, e em tese, o fim do embargo, quando acontecer (pois ainda depende de uma decisão do Congresso americano), pode beneficiar o intercâmbio comercial de todas as nações do planeta com Cuba. E, ainda assim, apenas potencialmente, porque por mais que a demanda na ilha caribenha esteja reprimida, o aumento das transações comerciais depende de uma série de variáveis de mercado.

Navios das rotas internacionais não farão escala em Cuba apenas porque lá tem um novíssimo porto. Não é esta a lógica econômica que determina os negócios. Mas, ainda que tudo dê certo no curto prazo para os cubanos, como esperamos, o Brasil terá sido o único país a pagar US$ 1 bilhão por aquilo que todas as nações terão sem desembolsar um centavo: o direito de livre comércio com a ilha caribenha. Vai entender!

Por Nilson Mello

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Em tempo

Comentário de Leitor - "Seu artigo sobre a meia-verdade é excelente. Tanto mais que você está corajosamente abordando um enfoque que está na moda ser considerado "politicamente incorreto".  
Pena que as novas gerações estejam totalmente desinformadas sobre o que realmente aconteceu" - Henrique Flanzer, engenheiro.

Verdade - A entrevista do criminalista José Paulo Cavalcanti Filho, publicada no Estado de S. Paulo desta segunda-feira (15), confirma o artigo de sexta-feira passada (A Verdade) do Blog Meta Mensagem: a Comissão Nacional da Verdade apresentou apenas um lado da história em seu Relatório final entregue à Presidente da República. Membro da Comissão, Cavalcanti afirma que sempre defendeu que as vítimas dos grupos da esquerda armada também fossem relacionadas, mas sua posição não prevaleceu. A entrevista está no link que segue abaixo:


 


sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Artigo

A verdade

O relatório final da Comissão Nacional da Verdade listando 377 agentes públicos acusados de crimes contra a humanidade – a grande maioria deles ocorrida durante a ditadura militar, anos 1964-1985 – e atestando que a tortura foi, naquele período, uma “política de Estado” nos impõe algumas reflexões em torno de quatro eixos.
O primeiro deles diz respeito à equiparação genérica dos personagens listados, levando em determinados casos a acusações superficiais e não individualizadas, o que, em parte, compromete a isenção e, portanto, a credibilidade do próprio relatório.
Apenas para ficar num exemplo: o ex-presidente Ernesto Geisel e o ex-ministro Golbery do Couto e Silva, artífice e executor, respectivamente, do processo de redemocratização não poderiam estar no mesmo patamar do carcereiro que, protegido pelo Estado de Exceção, deu vazão à sua natureza perversa na clandestinidade dos porões do regime.
Geisel e Golbery lideraram, no embate contra os radicais, a contenção dos excessos, como atestam autores independentes (entre os quais se destaca Elio Gaspari). Se contribuíram para estruturar o “regime”, foram decisivos no seu desmonte. Como colocar tudo num mesmo saco? Onde está o rigor indispensável a um documento que se pretende de valor histórico?
O segundo eixo de reflexão deve considerar o paralelo com os dias de hoje. A despeito da redemocratização e de Leis supervenientes que garantiram aos cidadãos amplas garantias em face do poder coercitivo do Estado, os abusos - tais como torturas de presos, prisões ilegais, condições carcerárias desumanas - seguem acontecendo.
Por conta dessas mazelas que o Estado Democrático de Direito pós-Constituição de 1988 ainda não foi capaz de estancar seria correto listar os presidentes e ministros do período que se seguiu à redemocratização por violação dos direitos humanos e colocá-los no mesmo hall do policial envolvido em umas das inúmeras chacinas que são rotina em nosso noticiário? Parece claro que não.
O terceiro eixo de reflexão reforça o segundo e o primeiro. Regimes autoritários como o que se instituiu num crescente a partir de 1964 são deploráveis e devem ser evitados – e o melhor caminho para tanto é a defesa incondicional das instituições democráticas. Porém, se o principal objetivo da Comissão Nacional da Verdade é o resgate da, digamos, verdade histórica, com a reconstrução dos acontecimentos, faltou a correta contextualização do período 1964-1985.
Aqueles que empunharam armas contra os governos militares que se estabeleceram a partir de 1964 lutaram não por uma democracia como a que temos hoje, mas para instituir um regime igualmente autoritário, apenas de orientação marxista, como também atestam autores isentos, como Jacob Gorender (“Combate nas Trevas”). Se o regime era ditatorial, os seus oponentes também o eram, com a diferença de seguir doutrina diversa. Neste aspecto, seria preciso analisar o período militar como efeito, e não apenas como causa.
Uma comissão da Verdade teria por obrigação considerar esse contexto, revelando a violência cometida pela “esquerda armada”. É claro que hoje, décadas após o fim da Guerra Fria e o colapso dos regimes comunistas, tudo isso parece ficção. Contudo, foi uma história bem real, e caberia à Comissão Nacional da Verdade resgatá-la com todas as suas contradições, se o objetivo era, de fato, a reconstrução da história.
A omissão pode ser explicada pelo quarto eixo da reflexão, que está relacionado aos nomes que compuseram a Comissão, não totalmente isentos porque de alguma forma associados ao lado que foi combatido pelo regime. Uma comissão formada por historiadores, cientistas políticos e juristas independentes teria, certamente, produzido resultado final mais rico e contextualizado.
A maior parte do relatório final da Comissão é, de fato, verdade. Mas é apenas parte da verdade. E, do ponto de vista histórico, a meia verdade pode ser quase tão nociva quanto a mentira.

Por Nilson Mello

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Anote


Irresponsabiilidade fiscal - Não existe dinheiro público. O que existe é dinheiro do contribuinte, que deve ser administrado com responsabilidade pelos agentes públicos e governantes. O Estado não produz riquezas. Quem produz riquezas são os indivíduos, as famílias e as empresas, nas suas atividades regulares. O Poder Público deve satisfação à sociedade pelo que faz com os tributos que arrecada. O Estado não tem o direito de ser perdulário. Ele deve servir à sociedade, e não se servir dela. Para quem acha que no Brasil o contribuinte ainda é tratado como súdito (o que é uma verdade insofismável) vale a pena assistir ao filmete no link abaixo.

 
 
 

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Artigo


A mudança de rumo
Levy tem como missão melhorar a gestão dos gastos públicos

Os 54,4 milhões de brasileiros (51,64% dos votos válidos) que votaram na presidente Dilma Rousseff no segundo turno da eleição presidencial deste ano têm o direito de se sentir traídos com a escolha da nova equipe econômica, sobretudo a de Joaquim Levy para comandar a Fazenda. Podem até cobrar explicações pelo engano a que foram induzidos (é o tal negócio, por que não se informaram melhor sobre a situação do país, não é mesmo?). De qualquer forma, não devem ficar pessimistas. Ao contrário.

Quando a candidata e o seu partido afirmavam – não apenas na campanha, mas ao longo dos quatro anos do governo iniciado em 2010 - que ia tudo bem na economia estavam, na verdade, mentindo. Do contrário, não seria preciso uma guinada de 180º agora. Deveriam pedir desculpas aos brasileiros.

Os que votaram em Aécio Neves - cerca de 51 milhões de eleitores - podem se sentir aliviados. E comemorar. Se a economia caminhava para um colapso de difícil reversão, ou reversão lenta e a um altíssimo custo, por conta da inflação elevada, do baixo crescimento e da degradação das contas públicas (variáveis que, claro, têm íntima relação de causa-e-efeito entre si), as perspectivas começam a melhorar. Eis aí um promissor estelionato eleitoral.

Não é o primeiro. Luiz Inácio Lula da Silva também não fez o que prometia na economia quando foi eleito em 2002. Manteve distância do que o PT sempre preconizou para a área econômica. Ao assumir, em 2003, deu sequência ao programa do PSDB e com ele, ou graças a ele, chegou ao segundo mandato. Jamais reconheceu a (bem-vinda) incoerência ou renegou o plano anterior, talvez cinte de que a maioria do eleitorado não se daria conta do “truque” ou não se importaria com ele.

Convenhamos, se o PT continuar a fazer na economia tudo diferente do que pregam seus economistas e ideólogos, estaremos a salvo.

Com Levy oficialmente anunciado e prometendo metas factíveis de superávit em 2015, diante do estrago apresentado em 2014, o mercado financeiro já deu sinais de otimismo esta semana. Racionalidade econômica conduz ao equilíbrio fiscal e garante ambiente mais seguro para os investidores. São pressupostos para a estabilidade e o crescimento sustentável, algo agora assumido pela presidente reeleita, a despeito de ter feito tudo contrariamente a esses princípios durante quatro anos.

Doutor pela Escola de Chicago e, portanto, identificado com o pensamento liberal e a ortodoxia no trato das contas públicas, Levy é a personificação da mudança de rumo – o “Mãos-de-Tesoura” que as circunstâncias exigem. O eixo da política econômica voltará a ser a responsabilidade fiscal, com melhor gestão dos gastos, visando à reconquista da credibilidade. Então, os eleitores de Dilma podem até se revoltar, mas que se revoltem contra a governante, o governo e o partido que os ludibriou durante quatro anos e que encurralou a economia do país.

Por Nilson Mello

Em tempo:

A questão agora é saber se Joaquim Levy e a nova política econômica resistirão às pressões do PT e ao próprio protagonismo da presidente da República. A hipótese de o novo ministro ser afastado às vésperas de 2018, dando lugar novamente ao neopopulismo, após sanear as contas públicas, também não é de toda remota.

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Artigo

O Legado

Neste período de transição para o segundo mandato, começa a haver consenso nas áreas técnicas do próprio governo de que não se cresce com inflação e que o seu efetivo controle pressupõe uma política fiscal mais responsável, com redução significativa de despesas.

Teria sido esse, aliás, o principal ajuste aludido pela candidata Dilma Rousseff durante a campanha, quando a sua vitória ainda era incerta.

Se confirmado o diagnóstico otimista do primeiro parágrafo, os mais refratários, quando o assunto é austeridade, precisarão reconhecer que a tarefa de conter o aumento dos preços não pode ser uma batalha solitária da política monetária – a política de juro, a cargo do Banco Central.

Até porque, quanto mais isolado estiver o BC, como ocorreu nos últimos tempos, maior será o custo desse esforço, representado por novas rodadas de aumento da Selic (a taxa básica) e/ou sua manutenção em patamares elevados. Já foi dito aqui que juro alto é sintoma e “remédio” ao mesmo tempo.

É sinal de que há uma disfunção na economia, ou seja, demanda por bens e serviços maior do que a capacidade de oferta, pressionando os preços. E é também um instrumento (a medicação) para reverter esse descompasso. Está claro que juro muito alto é tão nocivo quanto a inflação, em determinados casos até mais prejudicial. Mal necessário.

Aqueles que diziam – e foram muitos dentro do governo a fazer isso – que a inflação no Brasil tinha causas externas estavam simplesmente mentindo. O Brasil é uma das economias mais fechadas do mundo e, portanto, a variação de seus preços tem essencialmente causas internas.

Não faz sentido manter os impulsos fiscais de um lado, como vem fazendo o governo – na crença de que eles ativam o consumo e aceleram o crescimento –, enquanto que, na outra frente, a monetária, o BC “enxuga gelo”, puxando os juros para cima. A esquizofrenia na política econômica chegou ao limite, sem qualquer resultado.

Havendo consenso de que é preciso ajustar a política fiscal, o problema passa a ser definir o que cortar, uma vez que a maior parte do orçamento da União está comprometida com as receitas vinculadas, constitucional e legalmente determinadas.

A propósito, qualquer reforma de fundo no Brasil deve procurar desatar essa camisa-de-força, uma vez que ela compromete a capacidade discricionária do gestor público e as próprias políticas de Estado. Mas esse é um debate de longo prazo, dada a sua magnitude e os obstáculos políticos inerentes. As medidas emergenciais não podem esperar reformas estruturantes.

Então, o que é possível cortar de um ano para o outro? Os investimentos não podem ser cortados, ao menos não significativamente. Eles são imprescindíveis para a retomada do desenvolvimento (sobretudo se considerarmos que o setor público já investe muito pouco, apenas 3% do PIB), bem como para o aumento da produção e da produtividade, algo que, paralelamente, também contribui para o combate à inflação na medida em que reduz o descompasso entre demanda e oferta.

Restam, portanto, as despesas de custeio, o que incluem as destinadas à manutenção dos serviços criados anteriormente à Lei Orçamentária do ano em questão e que correspondem às de pessoal, de material de consumo, de serviços terceirizados e de gastos com obras de conservação e adaptação de bens imóveis, entre outros.

Não é tão difícil assim fazer cortes de custeio, mas a tarefa exige critério técnico e, claro, vontade política. Terá o novo governo Dilma Rousseff esses dois predicados? Muitos cargos comissionados (pessoal carreado, em levas, para o governo central sem concurso e por isso sem estabilidade) teriam que ser eliminados. No curto prazo, trata-se de uma providência prioritária para a aguardada retomada da credibilidade.

Mas esses cortes por si só talvez não sejam suficientes. O reequilíbrio implicaria, então, um aumento da tributação. Não é por outra razão que a volta da Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) sobre os combustíveis e da CPMF já é dada por muitos especialistas em contas públicas como certa.
O segundo mandato começaria então com juro elevado e, apesar dele, inflacão alta; e, ainda, rombo nas contas externas, dólar em subida aspiral (em parte por conta da perda de confinaça), desequilíbrio fiscal e, por força da necessedidade de arrumar a casa, mais tributos.

Que legado, hein presidente eleita! Até o número de miseráveis no país voltou a aumentar, conforme dados da semana passada, e a despeito da disseminação do Bolsa Família.  Não há desenvolvimento social perene sem crescimento econômico sustentável, o que pressupõe equilíbrio fiscal.

Por Nilson Mello


Sobre o ajuste indispensável, vale a leitura dos artigos “A qualidade do ajuste fiscal”, de Bernard Appy (ex-integrante do governo), e “A presidente em seu labirinto”, de L.C. Mendonça de Barros, que podem ser acessados pelos dois links abaixo.
Links para os Artigos indicados: