O Legado
Neste período de transição para o segundo mandato,
começa a haver consenso nas áreas técnicas do próprio governo de que não se
cresce com inflação e que o seu efetivo controle pressupõe uma política fiscal
mais responsável, com redução significativa de despesas.
Teria sido esse, aliás, o principal ajuste aludido
pela candidata Dilma Rousseff durante a campanha, quando a sua vitória ainda
era incerta.
Se confirmado o diagnóstico otimista do primeiro
parágrafo, os mais refratários, quando o assunto é austeridade, precisarão
reconhecer que a tarefa de conter o aumento dos preços não pode ser uma
batalha solitária da política monetária – a política de juro, a cargo do
Banco Central.
Até porque, quanto mais isolado estiver o BC, como
ocorreu nos últimos tempos, maior será o custo desse esforço, representado por
novas rodadas de aumento da Selic (a taxa básica) e/ou sua manutenção em
patamares elevados. Já foi dito aqui que juro alto é sintoma e “remédio” ao
mesmo tempo.
É sinal de que há uma disfunção na economia, ou
seja, demanda por bens e serviços maior do que a capacidade de oferta,
pressionando os preços. E é também um instrumento (a medicação) para reverter
esse descompasso. Está claro que juro muito alto é tão nocivo quanto a
inflação, em determinados casos até mais prejudicial. Mal necessário.
Aqueles que diziam – e foram muitos dentro do
governo a fazer isso – que a inflação no Brasil tinha causas externas estavam
simplesmente mentindo. O Brasil é uma das economias mais fechadas do mundo e,
portanto, a variação de seus preços tem essencialmente causas internas.
Não faz sentido manter os impulsos fiscais de um
lado, como vem fazendo o governo – na crença de que eles ativam o consumo e aceleram
o crescimento –, enquanto que, na outra frente, a monetária, o BC “enxuga
gelo”, puxando os juros para cima. A esquizofrenia na política econômica chegou
ao limite, sem qualquer resultado.
Havendo consenso de que é preciso ajustar a
política fiscal, o problema passa a ser definir o que cortar, uma vez que a
maior parte do orçamento da União está comprometida com as receitas vinculadas,
constitucional e legalmente determinadas.
A propósito, qualquer reforma
de fundo no Brasil deve procurar desatar essa camisa-de-força, uma vez que ela
compromete a capacidade discricionária do gestor público e as próprias
políticas de Estado. Mas esse é um debate de longo prazo, dada a sua magnitude
e os obstáculos políticos inerentes. As medidas emergenciais não podem esperar
reformas estruturantes.
Então, o que é possível cortar de um ano para o
outro? Os investimentos não podem ser cortados, ao menos não
significativamente. Eles são imprescindíveis para a retomada do desenvolvimento
(sobretudo se considerarmos que o setor público já investe muito pouco, apenas
3% do PIB), bem como para o aumento da produção e da produtividade, algo que,
paralelamente, também contribui para o combate à inflação na medida em que
reduz o descompasso entre demanda e oferta.
Restam, portanto, as despesas de custeio, o que
incluem as destinadas à manutenção dos serviços criados anteriormente à Lei
Orçamentária do ano em questão e que correspondem às de pessoal, de material de
consumo, de serviços terceirizados e de gastos com obras de conservação e
adaptação de bens imóveis, entre outros.
Não é tão difícil assim fazer
cortes de custeio, mas a tarefa exige critério técnico e, claro, vontade
política. Terá o novo governo Dilma Rousseff esses dois predicados? Muitos
cargos comissionados (pessoal carreado, em levas, para o governo central sem
concurso e por isso sem estabilidade) teriam que ser eliminados. No curto
prazo, trata-se de uma providência prioritária para a aguardada retomada da
credibilidade.
Mas esses cortes por si só
talvez não sejam suficientes. O reequilíbrio implicaria, então, um aumento da
tributação. Não é por outra razão que a volta da Cide (Contribuição de
Intervenção no Domínio Econômico) sobre os combustíveis e da CPMF já é dada por
muitos especialistas em contas públicas como certa.
O segundo mandato começaria
então com juro elevado e, apesar dele, inflacão alta; e, ainda, rombo nas
contas externas, dólar em subida aspiral (em parte por conta da perda de
confinaça), desequilíbrio fiscal e, por força da necessedidade de arrumar a
casa, mais tributos.
Que legado, hein presidente
eleita! Até o número de miseráveis no país voltou a aumentar, conforme dados da
semana passada, e a despeito da disseminação do Bolsa Família. Não há desenvolvimento social perene sem crescimento econômico sustentável, o que pressupõe equilíbrio fiscal.
Por Nilson Mello
Sobre o ajuste indispensável, vale a leitura dos
artigos “A qualidade do ajuste fiscal”, de Bernard Appy (ex-integrante do
governo), e “A presidente em seu labirinto”, de L.C. Mendonça de Barros, que
podem ser acessados pelos dois links abaixo.
Links para os Artigos indicados:
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