segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Artigo

O Legado

Neste período de transição para o segundo mandato, começa a haver consenso nas áreas técnicas do próprio governo de que não se cresce com inflação e que o seu efetivo controle pressupõe uma política fiscal mais responsável, com redução significativa de despesas.

Teria sido esse, aliás, o principal ajuste aludido pela candidata Dilma Rousseff durante a campanha, quando a sua vitória ainda era incerta.

Se confirmado o diagnóstico otimista do primeiro parágrafo, os mais refratários, quando o assunto é austeridade, precisarão reconhecer que a tarefa de conter o aumento dos preços não pode ser uma batalha solitária da política monetária – a política de juro, a cargo do Banco Central.

Até porque, quanto mais isolado estiver o BC, como ocorreu nos últimos tempos, maior será o custo desse esforço, representado por novas rodadas de aumento da Selic (a taxa básica) e/ou sua manutenção em patamares elevados. Já foi dito aqui que juro alto é sintoma e “remédio” ao mesmo tempo.

É sinal de que há uma disfunção na economia, ou seja, demanda por bens e serviços maior do que a capacidade de oferta, pressionando os preços. E é também um instrumento (a medicação) para reverter esse descompasso. Está claro que juro muito alto é tão nocivo quanto a inflação, em determinados casos até mais prejudicial. Mal necessário.

Aqueles que diziam – e foram muitos dentro do governo a fazer isso – que a inflação no Brasil tinha causas externas estavam simplesmente mentindo. O Brasil é uma das economias mais fechadas do mundo e, portanto, a variação de seus preços tem essencialmente causas internas.

Não faz sentido manter os impulsos fiscais de um lado, como vem fazendo o governo – na crença de que eles ativam o consumo e aceleram o crescimento –, enquanto que, na outra frente, a monetária, o BC “enxuga gelo”, puxando os juros para cima. A esquizofrenia na política econômica chegou ao limite, sem qualquer resultado.

Havendo consenso de que é preciso ajustar a política fiscal, o problema passa a ser definir o que cortar, uma vez que a maior parte do orçamento da União está comprometida com as receitas vinculadas, constitucional e legalmente determinadas.

A propósito, qualquer reforma de fundo no Brasil deve procurar desatar essa camisa-de-força, uma vez que ela compromete a capacidade discricionária do gestor público e as próprias políticas de Estado. Mas esse é um debate de longo prazo, dada a sua magnitude e os obstáculos políticos inerentes. As medidas emergenciais não podem esperar reformas estruturantes.

Então, o que é possível cortar de um ano para o outro? Os investimentos não podem ser cortados, ao menos não significativamente. Eles são imprescindíveis para a retomada do desenvolvimento (sobretudo se considerarmos que o setor público já investe muito pouco, apenas 3% do PIB), bem como para o aumento da produção e da produtividade, algo que, paralelamente, também contribui para o combate à inflação na medida em que reduz o descompasso entre demanda e oferta.

Restam, portanto, as despesas de custeio, o que incluem as destinadas à manutenção dos serviços criados anteriormente à Lei Orçamentária do ano em questão e que correspondem às de pessoal, de material de consumo, de serviços terceirizados e de gastos com obras de conservação e adaptação de bens imóveis, entre outros.

Não é tão difícil assim fazer cortes de custeio, mas a tarefa exige critério técnico e, claro, vontade política. Terá o novo governo Dilma Rousseff esses dois predicados? Muitos cargos comissionados (pessoal carreado, em levas, para o governo central sem concurso e por isso sem estabilidade) teriam que ser eliminados. No curto prazo, trata-se de uma providência prioritária para a aguardada retomada da credibilidade.

Mas esses cortes por si só talvez não sejam suficientes. O reequilíbrio implicaria, então, um aumento da tributação. Não é por outra razão que a volta da Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) sobre os combustíveis e da CPMF já é dada por muitos especialistas em contas públicas como certa.
O segundo mandato começaria então com juro elevado e, apesar dele, inflacão alta; e, ainda, rombo nas contas externas, dólar em subida aspiral (em parte por conta da perda de confinaça), desequilíbrio fiscal e, por força da necessedidade de arrumar a casa, mais tributos.

Que legado, hein presidente eleita! Até o número de miseráveis no país voltou a aumentar, conforme dados da semana passada, e a despeito da disseminação do Bolsa Família.  Não há desenvolvimento social perene sem crescimento econômico sustentável, o que pressupõe equilíbrio fiscal.

Por Nilson Mello


Sobre o ajuste indispensável, vale a leitura dos artigos “A qualidade do ajuste fiscal”, de Bernard Appy (ex-integrante do governo), e “A presidente em seu labirinto”, de L.C. Mendonça de Barros, que podem ser acessados pelos dois links abaixo.
Links para os Artigos indicados:



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