Por partes, como Jack, o estripador
A senadora Marta Suplicy
deixou o Ministério da Cultura esta semana atirando contra o governo e
criticando aquilo que considera uma má gestão dos assuntos econômicos. Adotando
tom irônico em sua carta de renúncia, fez votos para que a presidente reeleita
reconduza - no mandato que se iniciará em janeiro - o país a um ambiente de “crescimento
sustentável”, algo que, definitivamente, não ocorreu na atual gestão.
Marta Suplicy foi a ministra que, em 2007, à época
titular da pasta do Turismo, recomendou àqueles que enfrentavam as intermináveis
filas nos aeroportos nacionais que “relaxassem e gozassem”. As filas com
certeza não melhoraram de lá para cá e a própria autora do conselho, a julgar
pelas suas palavras de despedida de Brasília, percebeu que é impossível chegar
ao, digamos, “clímax” quando tudo no entorno se deteriora, a começar pelos
indicadores econômicos e sociais.
A mudança da postura debochada de então para a assertiva
contundente de hoje não deixa de ser algo a ser comemorado por todos, mesmo por
aqueles que jamais votaram na senadora. As
urnas mostraram que ao menos metade dos eleitores e cidadãos está farta da retórica e quer
resultados.
O fato de um ministro só apresentar a sua carta
de demissão e vir a público reconhecer o fracasso do governo do qual fez parte quando
já sabe que não participará da nova equipe não deixa de ser curioso. Oportunismo? Dizem que Marta
Suplicy deixará o PT e irá para o PMDB como candidata à Prefeitura de São
Paulo. Alguma diferença, entre os dois partidos hoje?
Outro que também se rebelou, porém, de forma mais
reservada, contra o governo do partido que lhe garantiu a projeção que o mérito
até então não fora capaz de proporcionar foi o ministro do Supremo Dias
Toffoli. Informa a coluna Radar On Line
desta sexta-feira que, em jantar com senadores na casa do presidente do Senado,
Renan Calheiros, Toffoli fez duras críticas às manobras promovidas pelo governo
para escapar ao cumprimento das metas fiscais. Outra evolução a ser
reconhecida.
Em relação à Lei de Responsabilidade Fiscal podemos
dizer, agora, sem incorrer em qualquer injustiça ou ser leviano, que a presidente
Dilma Rousseff e a sua equipe econômica, em especial o ministro Guido Mantega, mentiram
ao ter repetido ao longo do ano e, de forma mais categórica, durante a campanha
eleitoral, que a meta de 2014 seria cumprida.
Cinco dias apenas após as urnas serem abertas, o
governo admitiu que a meta fiscal do ano não seria alcançada e o superávit primário
– economia para pagar juros da divida pública –, abandonado. A mensagem
com a alteração da Lei Orçamentária já foi encaminhada ao Congresso, o que deve
rendar uma rodada extra de negociações dentro do modelo do “toma-lá-dá-cá”.
Ora, seria muita ingenuidade achar que o Congresso não tentará tirar o maior
proveito da situação de fragilidade do governo nesta questão.
O pior cenário é o que Dias Toffoli esboçou na reunião
com os senadores. Se nem o governo central cumpre as metas que estabelece, por que estados
e municípios o fariam? Como bem lembrou o ministro, o descumprimento
da meta de 2014 pode significar, na prática, o inicio do fim da Lei de Responsabilidade
Fiscal, um dos pilares da era do real. O governo que já havia conseguido a proeza
de combinar inflação – hoje superando o teto do regime e beirando os 7% - com
baixo crescimento do PIB (provavelmente 0% no ano) alcança agora mais este “feito”.
Um dado que comprova o grau de estagnação a que
economia chegou foi divulgado hoje: as montadoras de automóveis, “xodó” do
governo nas irresponsáveis desonerações fiscais e nos impulsos ao crédito, já
demitiram mais de 12,6 mil trabalhadores este ano. Se um setor que conta com as
benesses do “capitalismo de estado” do PT dá sinais nítidos de degradação, o
que dizer dos segmentos que precisam sobreviver exclusivamente de sua
competitividade e eficiência em meio a um ambiente econômico instável e incerto.
Em seu discurso de vitória, a presidente Dilma Rousseff
afirmou que a economia estava, de fato, precisando de ajustes, sobretudo na
área fiscal, e que o rigor no combate à inflação não seria abandonado. Mais uma
curiosidade: até as eleições, a propaganda nos fazia crer que tudo ia bem, e que os eventuais percalços tinham causas externas.
Muito bem, reconhecidos os problemas, o que se
esperava, a partir de agora, era o esboço de uma reforma ministerial profunda, de
preferência com redução do número de pastas. E feita a partir de nomes de
reconhecida competência, capazes de devolver a credibilidade que o governo
perdeu e da qual tanto precisará para combater a inflação e fazer o país voltar
a crescer – como candidamente pediu Marta Suplicy em sua carta.
Mas, contrariando o discurso inicial – numa incongruência
que se tornou sua marca nesses quatro anos - eis que ontem a presidente voltou
a dar sinais de indecisão e, parodiando Jack, o estripador, disse que fará “uma
reforma por partes”, como se os problemas do Brasil não tivessem mais tanta
urgência.
Por Nilson
Mello
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