quarta-feira, 13 de maio de 2015

Artigo

Dá para confiar no discurso?

    Tergiversar é um verbo difícil. Ruim de se pronunciar, poderia ser substituído por desviar, rodear, dissimular, desconversar, todos bem mais corriqueiros. Surpreendentemente, tergiversar vem se firmando, ganhando espaço no léxico político. A dificuldade de articulá-lo - relativamente aos seus substitutos - talvez seja percebida, no inconsciente coletivo, como sinônimo de gravidade, de seriedade. Talvez aí resida a sua força, a razão de sua crescente popularidade em nosso cotidiano.
    O verbo sintetiza uma conduta ou postura que embute certo grau de cinismo e hipocrisia. E também alguma dose de covardia. Quando um problema surge ou - mais apropriadamente ao contexto - é denunciado, provocando a reação da opinião pública, não se enfrenta, tergiversa-se.
    Quando a política econômica experimentalista do primeiro mandato fracassou, o governo tentou culpar a conjuntura externa, tergiversando (é um palavrão, mas é o termo apropriado).
    Depois que o mundo todo voltou a crescer e apenas o Brasil, em companhia de umas poucas nações (a maioria sem qualquer expressão), continuou a apresentar desempenho pífio, o governo não mais tergiversou como de início, mas tampouco enfrentou o problema com coragem: preferiu cortar direitos dos trabalhadores (alguns, de fato, demagógicos), ao invés de cortar seus altos custos administrativos e se lançar em decisiva reforma que viesse a garantir eficiência à máquina pública.
    Agora, para a aprovação das medidas que supostamente se destinam a reduzir gastos e a tornar o orçamento mais eficiente, o que fez? Prometeu mais cargos aos parlamentares de sua "base de apoio". A máquina pública, aparelhada e inchada, permanece assim ineficiente (ou torna-se ainda mais ineficiente), em total desacordo com o equilíbrio fiscal que se pretende buscar. Não tergiversou no discurso, mas na ação.
    Quando as denúncias de corrupção engrossavam (seja durante o recente "Petrobrasduto", ou "Petrolão", seja lá atrás, no "Mensalão"), o governo não se desculpou, nem puniu responsáveis diretos. Nem mesmo aqueles que exerciam cargos de relevância no PT e na Petrobras, até serem presos.
    O que fez então o governo? Propôs uma série de medidas "enérgicas" para combater desvios na administração pública e nas estatais. Que nome podemos dar a esta postura?
    Quando a população foi às ruas em meados do ano passado protestar contra políticos e governantes - em claro sinal de desaprovação ao governo federal que viria a se confirmar nas manifestações deste ano e nos baixos índices de apoio -, o governo propôs uma reforma política. Como se as causas do problema nada tivessem a ver com o seu desempenho, mas sim com um modelo político-partidário. Como se as críticas não lhe dissessem respeito.
     Na ocasião, para tornar ainda mais densa a cortina de fumaça, ensaiou uma insólita (logo bombardeada por juristas de boa cepa) proposta de plebiscito - como se fosse possível responder "Sim" ou "Não" para uma série de questões entrelaçadas e de alta complexidade.
    Não custa então lembrar. Se realmente quisesse promover uma reforma política, o governo do PT teria se empenhado - enquanto pôde - em colocar em discussão e votação as 62 Emendas Constitucionais e os 111 Projetos que versam sobre o tema no Congresso Nacional. Mas nem se mexeu.

Por Nilson Mello  

Em tempo

  
      Jabutis - Sobre a reforma do Estado e a redução da máquina pública, vale a leitura de artigo do ex-ministro Delfim Netto publicado esta quarta-feira no Valor Econômico (Por que não começar do começo?). Delfim lembra que os jabutis nas árvores - lá colocados por políticos a cada legislatura - vão pesando ano a ano no orçamento do governo, minando a eficiência do Estado, sem trazer, na maioria das vezes, qualquer benefício à sociedade. A rigor, são programas públicos, com "embalagem social, mas que atendem a interesses privados. Pior: com o passar do tempo, não se sabe por que razão continuam lá em cima, nos galhos. O ex-ministro propõe estabelecer um orçamento de Base Zero, a partir de 2017, mantendo apenas os programas de qualidade, ou seja, aqueles com taxas de retorno social comprovadas (jabutis que funcionam), e garantindo até 5% de investimento público em infraestrutura. Adverte: "A inclusão social deve ser um instrumento de libertação, não de subjugação do homem ao Estado". O link do artigo está abaixo:


http://www.valor.com.br/brasil/4045374/por-que-nao-comecar-do-comeco-de-2017 

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