Dá para
confiar no discurso?
Tergiversar
é um verbo difícil. Ruim de se pronunciar, poderia ser substituído por desviar,
rodear, dissimular, desconversar, todos bem mais corriqueiros. Surpreendentemente,
tergiversar vem se firmando, ganhando espaço no léxico político. A dificuldade de
articulá-lo - relativamente aos seus substitutos - talvez seja percebida, no inconsciente
coletivo, como sinônimo de gravidade, de seriedade. Talvez aí resida a sua
força, a razão de sua crescente popularidade em nosso cotidiano.
O
verbo sintetiza uma conduta ou postura que embute certo grau de cinismo e
hipocrisia. E também alguma dose de covardia. Quando um problema surge ou -
mais apropriadamente ao contexto - é denunciado, provocando a reação da opinião
pública, não se enfrenta, tergiversa-se.
Quando
a política econômica experimentalista do primeiro mandato fracassou, o governo
tentou culpar a conjuntura externa, tergiversando (é um palavrão, mas é o termo
apropriado).
Depois
que o mundo todo voltou a crescer e apenas o Brasil, em companhia de umas
poucas nações (a maioria sem qualquer expressão), continuou a apresentar
desempenho pífio, o governo não mais tergiversou como de início, mas tampouco
enfrentou o problema com coragem: preferiu cortar direitos dos trabalhadores
(alguns, de fato, demagógicos), ao invés de cortar seus altos custos administrativos e se lançar em decisiva reforma que viesse a garantir eficiência à máquina pública.
Agora,
para a aprovação das medidas que supostamente se destinam a reduzir gastos e a tornar
o orçamento mais eficiente, o que fez? Prometeu mais cargos aos parlamentares
de sua "base de apoio". A máquina pública, aparelhada e inchada,
permanece assim ineficiente (ou torna-se ainda mais ineficiente), em total
desacordo com o equilíbrio fiscal que se pretende buscar. Não tergiversou no
discurso, mas na ação.
Quando
as denúncias de corrupção engrossavam (seja durante o recente "Petrobrasduto",
ou "Petrolão", seja lá atrás, no "Mensalão"), o governo não se
desculpou, nem puniu responsáveis diretos. Nem mesmo aqueles que exerciam cargos
de relevância no PT e na Petrobras, até serem presos.
O
que fez então o governo? Propôs uma série de medidas "enérgicas" para
combater desvios na administração pública e nas estatais. Que nome podemos dar
a esta postura?
Quando
a população foi às ruas em meados do ano passado protestar contra políticos e
governantes - em claro sinal de desaprovação ao governo federal que viria a se
confirmar nas manifestações deste ano e nos baixos índices de apoio -, o
governo propôs uma reforma política. Como se as causas do problema nada
tivessem a ver com o seu desempenho, mas sim com um modelo político-partidário.
Como se as críticas não lhe dissessem respeito.
Na ocasião, para tornar ainda mais densa a
cortina de fumaça, ensaiou uma insólita (logo bombardeada por juristas de boa
cepa) proposta de plebiscito - como se fosse possível responder "Sim"
ou "Não" para uma série de questões entrelaçadas e de alta
complexidade.
Não
custa então lembrar. Se realmente quisesse promover uma reforma política, o
governo do PT teria se empenhado - enquanto pôde - em colocar em discussão e votação as 62 Emendas Constitucionais e os 111 Projetos que versam sobre o tema no Congresso Nacional. Mas nem se mexeu.
Em tempo
Jabutis - Sobre a reforma do Estado e a redução da máquina pública, vale a leitura de artigo do ex-ministro Delfim Netto publicado esta quarta-feira no Valor Econômico (Por que não começar do começo?). Delfim lembra que os jabutis nas árvores - lá colocados por políticos a cada legislatura - vão pesando ano a ano no orçamento do governo, minando a eficiência do Estado, sem trazer, na maioria das vezes, qualquer benefício à sociedade. A rigor, são programas públicos, com "embalagem social, mas que atendem a interesses privados. Pior: com o passar do tempo, não se sabe por que razão continuam lá em cima, nos galhos. O ex-ministro propõe estabelecer um orçamento de Base Zero, a partir de 2017, mantendo apenas os programas de qualidade, ou seja, aqueles com taxas de retorno social comprovadas (jabutis que funcionam), e garantindo até 5% de investimento público em infraestrutura. Adverte: "A inclusão social deve ser um instrumento de libertação, não de subjugação do homem ao Estado". O link do artigo está abaixo:
http://www.valor.com.br/brasil/4045374/por-que-nao-comecar-do-comeco-de-2017
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