segunda-feira, 25 de maio de 2015

Ensaio

Sem embustes


A eventual reforma será feita pela classe política de hoje

                Como uma manobra diversionista, a retórica promete um caminho tortuoso e incerto para realizar aquilo que não foi feito na prática por meios mais simples, diretos e eficazes. Os exemplos são cada vez mais frequentes. Em 2013, em meio aos protestos que tomaram as ruas das principais cidades do país, em reprovação ao governo federal e rejeição aos governantes em geral, anunciou-se como panaceia uma reforma política.
    Havia - diagnosticou na ocasião o governo, como se as críticas não dissessem respeito ao seu desempenho - uma clara crise de representatividade na democracia brasileira que seria sanada com alterações no modelo político-partidário. As mazelas seriam, portanto, resultado de um sistema deficiente - e não de equívocos administrativos e desvios de conduta daqueles a quem cabe governar com responsabilidade.
    Na mesma toada, os problemas enfrentados na economia - com inflação crescente e baixos índices de crescimento - seriam decorrência da crise global e, mais do que isso, da falência de um modelo centrado no capital financeiro. Cômodo. Como se o capital financeiro não vicejasse graças aos orçamentos deficitários adotados por governos perdulários.
    A responsabilidade pelos desarranjos foi sendo então crescentemente atribuída a fatores externos - e desta forma permanecendo fora do alcance de uma solução que passasse por medidas corretivas de curto prazo. Com o salvo conduto, a política experimentalista, que desmanchara fundamentos econômicos, foi aprofundada.
    A alegação diversionista era conveniente não apenas porque ajudava o governo a se esquivar da crítica, como também aludia à necessidade de o país promover reformas com inflexão à esquerda. Já que os problemas eram de caráter intrínseco do capitalismo, que se fizessem reformas que alterassem radicalmente o modelo. O desgaste, contudo, chegara a tal ponto que já não permitia mais a insistência no engodo. E, desta forma, ainda que a inflexão seguisse seduzindo e orientando movimentos, foi deixada em estado latente. E lá permanece.
    Na estreia do segundo mandato, ao reorientar sua política econômica e pôr em marcha um pesado ajuste fiscal - na tentativa de reconduzir o país ao crescimento sustentável -, o governo assumiu implicitamente sua culpa. A fonte dos problemas não era extrínseca, como alegara, mas, sim, de ordem interna: a inaptidão técnica que engendrou a chamada "nova matriz macroeconômica", uma aventura inconsequente comparável ao Plano Collor.
    Retomemos o início da reflexão. Na esteira do discurso diversionista, a reforma política foi primeiramente proposta por meio de plebiscito, talvez porque seus defensores imaginassem ser possível promover a referida inflexão manipulando o eleitor, tal como tem sido feito nas eleições regulares. Porém, reforma de amplitude constitucional por meio de plebiscito é algo tão inexequível do ponto de vista técnico que a ideia foi sendo gradualmente deixada de lado até ser substituída, mais recentemente, por uma proposta de Assembleia Constituinte.
    Há de fato coisas erradas no atual modelo político-partidario brasileiro. De cara nos vem uma que, sintomaticamente, nem de longe tem sido aventada pelos defensores da reforma: o fim do voto obrigatório. Por que pouco se toca neste ponto? (Talvez porque, com o voto facultativo, seja mais difícil mobilizar e manipular massas acríticas, ainda que com o forte apoio do marketing eleitoral).
    Convém lembrar que o modelo político vigente, mesmo que imperfeito (até porque nenhum modelo é perfeito), está consolidado e tem permitido ao país 30 anos de estabilidade institucional - o mais longevo período de plena democracia da história republicana.
     O risco de se fazer uma reforma constitucional com a classe política que se tem hoje é tão grande que a prudência aconselha a não levar a ideia adiante. A sociedade deve ficar atenta porque um novo embuste pode estar sendo urdido em torno do assunto. Se observarmos com atenção, veremos que entre os que mais querem reformar o modelo estão justamente aqueles que hoje mais o desvirtuam e o utilizam de forma espúria.
    A Petrobras foi tomada de assalto a partir de um esquema de corrupção nunca antes visto neste país. Os autores e cúmplices do feito foram os primeiros a, sem constrangimento, jurar defender a empresa. Defender de quem, afinal?   
    Diversionismo funciona desta forma, à base de muito cinismo.

      E o capitalismo?

    Que o capitalismo é um modelo imperfeito e injusto, ninguém duvida. Ao impor um aumento permanente da produção e do consumo, tende a levar o ambiente e o ser humano ao esgotamento. Autores contemporâneos associados à ecoética, como Hans Jonas e Pierre Aubanque, expõem com precisão a sua contradição.
    A despeito dos paradoxos, porém, o capitalismo segue como o mais eficaz sistema de geração de riquezas e, por consequência, de desenvolvimento. E por essa razão, usá-lo como desculpa para nossos próprios fracassos não funciona mais. Creditar em sua conta o atraso social de países emergentes como o Brasil é uma falácia que precisa ser de vez desmoralizada.
     A questão de como substituí-lo, portanto, até pode e deve seguir mobilizando as mentes mais brilhantes, de economistas a cientistas sociais, passando por filósofos. Até porque o socialismo real, como alternativa (pois a dialética histórica não se cumpriu), não trouxe melhores resultados: onde se instalou, houve menos prosperidade material e menos liberdade individual.
   
    Por Nilson Mello

Em tempo:

    O governo anunciou na semana passada corte de R$ 69,9 bilhões no orçamento de 2015, menos do que os cerca de R$ 78 bilhões pretendidos pelo ministro Joaquim Levy, mas ainda assim um contingenciamento robusto. Saúde e Educação perderam verbas significativas. É ponto pacífico que o equilíbrio fiscal não poderá ser retomado apenas com o corte das despesas de custeio, pois o maior peso no orçamento vem das despesas vinculadas, obrigatórias. Mas, por uma questão moral, seria interessante ver o governo reduzindo o número de ministérios e de cargos na máquina federal. 

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