Sem
embustes
Como uma
manobra diversionista, a retórica promete um caminho tortuoso e incerto para
realizar aquilo que não foi feito na prática por meios mais simples, diretos e
eficazes. Os exemplos são cada vez mais frequentes. Em 2013, em meio aos
protestos que tomaram as ruas das principais cidades do país, em reprovação ao
governo federal e rejeição aos governantes em geral, anunciou-se como panaceia
uma reforma política.
Havia
- diagnosticou na ocasião o governo, como se as críticas não dissessem respeito
ao seu desempenho - uma clara crise de representatividade na democracia
brasileira que seria sanada com alterações no modelo político-partidário. As
mazelas seriam, portanto, resultado de um sistema deficiente - e não de
equívocos administrativos e desvios de conduta daqueles a quem cabe governar
com responsabilidade.
Na
mesma toada, os problemas enfrentados na economia - com inflação crescente e
baixos índices de crescimento - seriam decorrência da crise global e, mais do
que isso, da falência de um modelo centrado no capital financeiro. Cômodo. Como
se o capital financeiro não vicejasse graças aos orçamentos deficitários adotados por governos perdulários.
A
responsabilidade pelos desarranjos foi sendo então crescentemente atribuída a
fatores externos - e desta forma permanecendo fora do alcance de uma solução
que passasse por medidas corretivas de curto prazo. Com o salvo conduto, a
política experimentalista, que desmanchara fundamentos econômicos, foi aprofundada.
A
alegação diversionista era conveniente não apenas porque ajudava o governo a se
esquivar da crítica, como também aludia à necessidade de o país promover
reformas com inflexão à esquerda. Já que os problemas eram de caráter
intrínseco do capitalismo, que se fizessem reformas que alterassem radicalmente
o modelo. O desgaste, contudo, chegara a tal ponto que já não permitia mais a
insistência no engodo. E, desta forma, ainda que a inflexão seguisse seduzindo
e orientando movimentos, foi deixada em estado latente. E lá permanece.
Na estreia do segundo mandato, ao
reorientar sua política econômica e pôr em marcha um pesado
ajuste fiscal - na tentativa de reconduzir o país ao crescimento sustentável -,
o governo assumiu implicitamente sua culpa. A fonte dos problemas não era extrínseca, como alegara, mas, sim, de ordem interna: a inaptidão técnica que engendrou a chamada "nova
matriz macroeconômica", uma aventura inconsequente comparável ao Plano
Collor.
Retomemos o início da reflexão. Na
esteira do discurso diversionista, a reforma política foi primeiramente
proposta por meio de plebiscito, talvez porque seus defensores imaginassem ser
possível promover a referida inflexão manipulando o eleitor, tal como tem sido feito
nas eleições regulares. Porém,
reforma de amplitude constitucional por meio de plebiscito é algo tão inexequível do ponto
de vista técnico que a ideia foi sendo gradualmente deixada de lado até ser
substituída, mais recentemente, por uma proposta de Assembleia Constituinte.
Há
de fato coisas erradas no atual modelo político-partidario brasileiro. De cara
nos vem uma que, sintomaticamente, nem de longe tem sido aventada pelos
defensores da reforma: o fim do voto obrigatório. Por que pouco se toca neste ponto? (Talvez porque, com o voto facultativo, seja mais difícil
mobilizar e manipular massas acríticas, ainda que com o forte apoio do
marketing eleitoral).
Convém
lembrar que o modelo político vigente, mesmo que imperfeito (até porque
nenhum modelo é perfeito), está consolidado e tem permitido ao país 30 anos de
estabilidade institucional - o mais longevo período de plena democracia da
história republicana.
O risco de se fazer uma reforma constitucional
com a classe política que se tem hoje é tão grande que a prudência aconselha a
não levar a ideia adiante. A sociedade deve ficar atenta porque um novo embuste
pode estar sendo urdido em torno do assunto. Se observarmos com atenção,
veremos que entre os que mais querem reformar o modelo estão justamente aqueles
que hoje mais o desvirtuam e o utilizam de forma espúria.
A
Petrobras foi tomada de assalto a partir de um esquema de corrupção nunca antes
visto neste país. Os autores e cúmplices do feito foram os primeiros a, sem
constrangimento, jurar defender a empresa. Defender de quem, afinal?
Diversionismo
funciona desta forma, à base de muito cinismo.
E o capitalismo?
Que o capitalismo é um modelo imperfeito e injusto, ninguém duvida. Ao impor um aumento permanente da produção e do consumo, tende a levar o ambiente e o ser humano ao esgotamento. Autores contemporâneos associados à ecoética, como Hans Jonas e Pierre Aubanque, expõem com precisão a sua contradição.
E o capitalismo?
Que o capitalismo é um modelo imperfeito e injusto, ninguém duvida. Ao impor um aumento permanente da produção e do consumo, tende a levar o ambiente e o ser humano ao esgotamento. Autores contemporâneos associados à ecoética, como Hans Jonas e Pierre Aubanque, expõem com precisão a sua contradição.
A despeito dos paradoxos, porém, o capitalismo segue como o mais eficaz sistema de geração de riquezas e, por consequência, de desenvolvimento. E por essa razão, usá-lo como desculpa para nossos próprios fracassos não funciona mais. Creditar em sua conta o atraso social de países emergentes como o Brasil é uma falácia que precisa ser de vez desmoralizada.
A questão de como substituí-lo, portanto, até pode e deve seguir mobilizando as mentes mais brilhantes, de economistas a cientistas sociais, passando por filósofos. Até porque o socialismo real, como alternativa (pois a dialética histórica não se cumpriu), não trouxe melhores resultados: onde se instalou, houve menos prosperidade material e menos liberdade individual.
A questão de como substituí-lo, portanto, até pode e deve seguir mobilizando as mentes mais brilhantes, de economistas a cientistas sociais, passando por filósofos. Até porque o socialismo real, como alternativa (pois a dialética histórica não se cumpriu), não trouxe melhores resultados: onde se instalou, houve menos prosperidade material e menos liberdade individual.
Por Nilson Mello
Em tempo:
O
governo anunciou na semana passada corte de R$ 69,9 bilhões no orçamento de
2015, menos do que os cerca de R$ 78 bilhões pretendidos pelo ministro Joaquim
Levy, mas ainda assim um contingenciamento robusto. Saúde e Educação perderam
verbas significativas. É ponto pacífico que o equilíbrio
fiscal não poderá ser retomado apenas com o corte das despesas de custeio, pois
o maior peso no orçamento vem das despesas vinculadas, obrigatórias. Mas, por
uma questão moral, seria interessante ver o governo reduzindo o número de
ministérios e de cargos na máquina federal.
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