sexta-feira, 28 de junho de 2013

A quem interessa tumultuar



 Ainda que seja impossível conhecer em detalhes os sistemas político-eleitorais de todas as democracias do planeta, parece razoável afirmar, sem qualquer risco de exagero, que nenhum deles é perfeito. Nos Estados Unidos, por exemplo, por conta de um federalismo levado à máxima potência, tem-se uma pluralidade de regras que, entre outros problemas, dificulta a contagem dos votos (nem sempre eletrônicos) e atrasa os resultados nos pleitos nacionais. 

 Qualquer modelo, sem exceção, pode ser objeto de ajustes, regulares ou eventuais, dentro das regras que os próprios institutos democráticos estabelecem para tanto, em particular pelas vias naturais do processo legislativo, a partir de inciativas do Parlamento, do Executivo e mesmo da sociedade, com encaminhamento de projetos e sua consequente votação e aprovação. E sempre com o olhar atento do Judiciário.

 Emendas constitucionais e projetos de leis, reiteradamente ignorados pelo uso vulgar e desmedido das Medidas Provisórias, são mecanismos adequados para reformas políticas e do sistema eleitoral. 

 Se os Estados democráticos evitam alterar constantemente os seus sistemas – a despeito de reconhecê-los, por óbvio, como imperfeitos –, é justamente porque a estabilidade de regras figura como um dos princípios basilares da própria Democracia.  Fala ainda em prol da perenidade a consciência, fundada no bom senso, de que jamais haverá obra perfeita e infalível. 

 Na onda de protestos que varreu as ruas das cidades brasileiras neste mês de junho, num inequívoco e pujante sinal do vigor de nossa democracia e, mais que isso, de amadurecimento político do povo brasileiro (ressalvados os atos minoritários de vandalismo), em momento algum se viu, entre os principais pleitos e reivindicações levantados pelos manifestantes, o de uma reforma política. 

 O povo, nas ruas, de forma categórica, reprovou o governo central pelo desperdício do dinheiro do contribuinte, pela leniência com a corrupção e pela má gestão da política econômica, e exigiu melhores serviços públicos, em especial nas áreas de transporte, saúde, educação e segurança, nesse caso, estendendo os seus reparos às administrações estaduais e municipais, a cargo de diferentes partidos e, a exemplo da esfera federal, notoriamente omissas ou ineficientes na função de servir à sociedade (ao invés de servir-se dela). 

 Ora, se o clamor das ruas não era o de uma reforma política, muito menos o de uma Reforma Constitucional, a sua inclusão, pelo governo federal, na ordem prioritária da agenda de respostas à sociedade passa a ter o signo da incógnita, para dizer o mínimo.  O que pretende o governo propondo, neste momento, uma reforma do sistema político-eleitoral, não sendo essa a reivindicação que permeou as passeatas em todos os cantos do país? 

 Embalada no manto de uma Assembleia Constituinte, como sugerida de início, a proposta soou ainda mais insólita. Se não houve ruptura da ordem institucional, não há por que se falar em Constituinte. Essa, uma vez criada, não teria limites. É curioso que um governo que vulgariza as Medidas Provisórias tente lançar mão do instrumento máximo de uma Constituinte para levar a cabo uma alteração que, a rigor, é de caráter infraconstitucional – trata-se de mera mudança de legislação. 

 Para justificar a urgência de uma reforma política, argumenta-se que o movimento popular evidenciou uma crise de representatividade, algo que ela viria sanar. Sem dúvida, mecanismos do atual sistema, como o voto proporcional conjugado ao quociente eleitoral, que elege aqueles em quem não votamos, merecem ser revistos. No rol das imperfeições a serem extirpadas está também o voto obrigatório, fomento da demagogia e do clientelismo. A propósito, não se tem notícia de que o governo, o PT e os partidos da base aliada sejam a favor do voto facultativo.

 Façamos então as mudanças pontuais na legislação, mas cientes de que a melhora, de fato, só ocorrerá com os investimentos massivos em educação que, com o passar do tempo, qualificarão o eleitor, já que o eleito é o seu reflexo. 

 Não é preciso uma nova ordem constitucional para tanto. Formalmente, nossa democracia tem o que precisa. Conforme ressaltado em artigo anterior deste Blog, separação de Poderes, eleições livres, pluripartidarismo, liberdade de expressão, reserva legal, entre outros princípios, são conquistas que devem estar a salvo de qualquer ameaça. Uma nova Constituinte colocaria tudo isso em xeque, reconheçam ou não seus proponentes, queiram ou não seus simpatizantes. Além disso, não há qualquer garantia de que os constituintes eleitos seriam de cepa superior aos deputados e senadores da atual legislatura e capazes, assim, de conceber “obra” mais completa.

 Quando questionado por juristas e parlamentares, o governo acenou com o abandono da ideia (a se confirmar) de Constituinte e ateve-se à proposta de um plebiscito sobre o sistema político. Mais uma vez soou estapafúrdio, pois, consultas populares, são, por natureza, sobre temas em que caibam respostas objetivas, de preferência Sim ou Não (presidencialismo; aborto; divórcio; casamento gay etc). 

 Como uma reforma política implica a discussão de temas complexos para os quais se exige discussão técnica aprofundada, com inúmeras variantes como respostas, o plebiscito viria mais tumultuar do que clarificar. Então, chega-se a uma pergunta irrecorrível: por que neste momento convém ao governo tumultuar? 

 Com a resposta, o povo nas ruas!

 Anotem: Ouço de uma advogada, de rara inteligência, pacifista por natureza e genuína preocupação com o país, uma contundente observação: “a verdade é que, se não houvesse algum grau de violência nos protestos pelo país afora, as manifestações seriam infrutíferas”. A classe política colocou as barbas de molho.


Por Nilson Mello 

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