sexta-feira, 7 de junho de 2013

           Nossos impostos, nossa hipocrisia
 



  Que o brasileiro anda de mãos dadas com a irregularidade, reconheçamos, não é novidade. O “jeitinho” (eufemismo que procura disfarçar o reiterado desrespeito às regras) está incorporado ao quotidiano e é, para nossa desgraça, o ponto de partida de grande parte das mazelas nacionais - do corriqueiro avanço do sinal de trânsito à corrupção nas mais altas esferas.
  Uma iniciativa que vise desestimular práticas ilegais, como a sonegação, não pode, em tese, ser vista com maus olhos.
  Contudo, não deixa de soar como sofisma a declaração de um procurador da Fazenda Nacional, presidente do sindicato de sua categoria, de que a tributação poderia ser menor no país se o brasileiro sonegasse menos. Quem garante?
  O bom senso nos autoriza mesmo a supor que a sonegação poderia ser reduzida se a tributação já fosse menor. Afinal, o contribuinte precisa de alívio. É coerente ainda imaginar que a redução da sonegação não garantiria a diminuição da carga tributária, dada a crescente voracidade fiscal.
  O brasileiro pagou mais de R$ 678 bilhões em tributos nesses primeiros meses de 2013. Chegamos à marca de R$ 500 bilhões arrecadados em 16 de abril, 17 dias antes do que foi registrado no ano passado, informa a Associação Comercial de São Paulo, que há alguns anos criou o “Impostômetro”, placar plantado na fachada de seu prédio e que contabiliza dia a dia o volume de tributos que recolhemos.
  Com esses recursos, alerta a entidade, seria possível construir 2 milhões de postos de saúde e fornecer cestas básicas para toda a população brasileira durante um ano. O brasileiro trabalha cinco meses em 12 para pagar impostos, informa, por seu turno, o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBTP). Os 678 bilhões já recolhidos em 2013 representam nada menos que 15% do PIB (R$ 4,4 trilhões) do país em 2012.
  O problema não é apenas o peso da carga, mas o custo-benefício desfavorável face o esforço empreendido pelo contribuinte. Entre os 30 países do Mundo onde há maior tributação, informa o IBTP, o Brasil é o que proporciona menor retorno em serviços públicos para a população.
  E é aí que a declaração do procurador da fazenda Nacional revela-se hipócrita. Ela foi dada em meio ao lançamento do “Sonegômetro”, uma paródia do “Impostômetro”, criada pelo Sindicato dos Procuradores da Fazenda Nacional para monitorar o grau de sonegação no país.
  Os brasileiros deixaram de recolher aos cofres públicos neste primeiro semestre R$ 170 bilhões em tributos, ou o equivalente a 20% da arrecadação deste ano.
  Mas, se o contribuinte já trabalha quase metade do ano para pagar impostos, como vai adicionar esses “20%” sem comprometer a sua qualidade de vida? Se não vê o retorno de seu esforço em serviços públicos dignos, não há estímulo para se apertar mais. Não se trata de justificar a ilegalidade. (Como lembrado de início, ela é o ponto de partida das mazelas).
  O primeiro passo para combater a sonegação é garantir que o dinheiro dos tributos seja bem aplicado. Do ponto de vista moral, é o único caminho a seguir. Mas, para tanto, o Estado teria que adotar uma política fiscal responsável, melhorando a qualidade de seus gastos e a gestão de seus recursos humanos e financeiros.  Gastos públicos descontrolados - as práticas perdulárias que vemos hoje no governo - desmoralizam qualquer programa de combate à sonegação.
  Por tabela, o Estado deve ser intransigente com a corrupção. A tarefa não é nada fácil, pois o próprio Estado é a fonte do mal.  Neste aspecto, o bom exemplo teria que vir também da população. O contribuinte deveria usar o voto de forma criteriosa e deixar de lado hábitos deletérios do dia a dia, como o mencionado avanço do sinal de trânsito.
  Como se vê, a democracia brasileira é o cachorro correndo atrás do rabo. Para melhorar a classe política, é preciso melhorar o eleitor; mas, para melhorar o eleitor, é preciso ter uma classe política de qualidade. Enquanto isso, tome imposto!
 
Por Nilson Mello

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