Na esteira das investigações da Operação
Lava Jato - que tem passado a limpo negócios obscuros envolvendo as grandes
empreiteiras -, convém rememorar o bilionário contrato
firmado pelo governo brasileiro com a Odebrecht e a francesa DCNS para a
construção de quatro submarinos convencionais e um estaleiro em Sepetiba/RJ
(além da promessa de um submarino nuclear). Noticiou-se há poucos dias que mais de R$ 3,5 bilhões foram gastos pelo governo dentro deste contrato, mas até aqui o
estaleiro não ficou pronto e não há previsão de entrega dos submarinos. O informe abaixo, que data do segundo
semestre de 2009, alertava para os altos valores envolvidos no negócio - com indícios de sobrepreço - e para os seus pontos controversos. (Nilson Mello)
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O acordo com a França para o fornecimento
de submarinos -
Informe
Meta Consultoria e Comunicação - Agosto 2009
O
acordo firmado entre Brasil e França, no ano passado (2008), para fornecimento
de submarinos à Marinha brasileira chama a atenção pelas cifras e pelo
atropelo. O valor estratosférico, de 7 bilhões de euros, superior aos 4,1
bilhões (em euros) de todo o orçamento das Forças Armadas para este ano, incluiria a
construção, pela Odebrecht (e sem licitação, em afronta à Lei 8.666)
de um estaleiro e de uma nova base na Baía de Sepetiba-RJ.
Pelo
acordo, seria fornecido ao Brasil quatro submarinos convencionais da classe
Scorpène, fabricados pela estatal francesa DCNS. A França também se comprometeria
a transferir tecnologia para o casco de um submarino de grande porte, a ser
utilizado no futuro submarino nuclear brasileiro, quando o reator nuclear da
Marinha brasileira estiver concluído e testado – algo que ainda deve levar duas
décadas.
A
tecnologia para o casco de grande porte oferecido pela França seria, na
verdade, uma adaptação do próprio Scorpène. Ocorre que o Scorpène é um
submarino considerado obsoleto no mercado exterior. O modelo sequer é utilizado
pela Marinha Francesa. Os poucos países que o compraram, como Índia e Chile,
tiveram problemas de fornecimento e passaram a recorrer a outros fabricantes,
nos novos contratos. A Índia está processando a DCNS por descumprimento de
prazos e pela não transferência de tecnologia, conforme previa o contrato.
O
acordo bilateral Brasil-França traz uma série de salva-guardas que, além de não
permitirem a transferência efetiva de tecnologia para submarinos mais avançados
- como alardeado - impõe ao Brasil uma total dependência à França, pois impede
o país de buscar tecnologias alternativas. A Cláusula 2.3 do Acordo,
especificamente, estabelece que todo e qualquer equipamento usado nos
submarinos tem que ser de fabricantes franceses.
Com
este acordo político firmado com a França, o governo brasileiro impôs à Marinha
que encerrasse as negociações técnicas com o consórcio alemão HDW/Thyssen
Krupp. No ano passado, o consórcio alemão ratificou uma proposta para o
fornecimento de dois novos submarinos convencionais, com opção de mais dois, além
da transferência de tecnologia para um casco de grande porte, no valor de 670
milhões de euros (menos de 10% da proposta francesa).
O
consórcio alemão tem longo e positivo histórico com a Marinha. Os submarinos
brasileiros classe IKL 209 (Tupi, Tamio, Timbira, Tapajó e Tikuna) são projetos
da HDW/Thyssen, o primeiro deles fabricado na Alemanha e os demais no Arsenal
de Marinha do Rio de Janeiro, com efetiva transferência de tecnologia.
Este
programa teve início na década de 1980 e incluiu o treinamento de centenas de
engenheiros, técnicos e tripulações brasileiros, bem como a modernização das
instalações do Arsenal de Marinha-RJ. Pela proposta alemã, o submarino de
grande casco poderia ser produzido no próprio Arsenal do Rio, bastando para
tanto pequenas obras de modernização (aumento do teto e reforço do cais), não
superiores a R$ 100 milhões – bem longe do dispendioso projeto de bilhões dos
cofres públicos em um novo estaleiro na Baía de Sepetiba, a ser entregue à
Odebrecht.
Chama
a atenção no acordo França-Brasil a forma intempestiva e apressada como ele foi
decidido, afastando qualquer possibilidade de outros fornecedores, mais
tradicionais, discutirem suas propostas com base em critérios técnicos e
econômico-financeiros. No caso da HDW, a proposta que vinha sendo discutida e
delineada com a Marinha, tendo em vista o histórico de sucesso de uma relação
comercial iniciada na década de 1980, foi sumariamente engavetada, sem maiores
explicações.
Neste
sentido, vale dizer que a HDW é líder mundial na produção de submarinos, tendo
fabricado, entre 1960 e 2006, 169 de diferentes modelos - dos quais 43 foram
produzidos nos países dos clientes com transferência de tecnologia, incluindo o
Brasil. De 2006 para cá já contratou ou entregou mais 17 submarinos para
cinco países A DCNS francesa não entregou um submarino sequer nesses últimos
anos. A participação HDW no mercado mundial de submarinos convencionais
hoje é de 81%.
Por
essas razões, é de se estranhar a preferência pela DCNS, num processo que
transcorreu sem a devida transparência, afastando, portanto, a possibilidade de
uma efetiva concorrência com base em qualidade, confiabilidade e efetiva transferência
de tecnologia. As cifras envolvidas aconselhariam uma seleção mais rigorosa,
livre de atropelos políticos.
Nilson
Mello
Meta
Consultoria e Comunicação - Ago/2009
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