O inimigo
de meu adversário não é meu aliado
Cunha denunciado por corrupção e lavagem de dinheiro
Nesses
dias em que o noticiário político está a reboque da crônica policial, é preciso
atenção redobrada para não confundir os nomes dos personagens centrais da trama
e associar alguns deles, injustamente, a atos que definitivamente não
praticaram. Por exemplo: o nome certo do doleiro que manejava as propinas e
operava a "lavanderia" no esquema de corrupção do Petrobrasduto (ou
Petrolão) é Alberto Youssef.
O
alerta é ainda mais oportuno porque tudo parece meio de cabeça para baixo nisso
que convencionamos chamar República. A presidente Dilma Rousseff (eu escrevi
Rousseff!), em meio a um esforço sobre-humano para se tornar mais simpática e
menos impopular, foi travada pelo seu próprio cerimonial, em evento realizado
no Palácio do Planalto. Feito sob medida para a presidente passar uma imagem
positiva e se aproximar do público, a comemoração dos 10 anos do Bolsa Atleta
serviu apenas para pôr em evidência o indefectível mau humor.
Somente
um ato falho poderia levar um diplomata experiente, chefe (ainda que interino)
do cerimonial da Presidência, a interromper a passagem de ninguém menos que a
anfitriã da festa. Pior foi a reação. A oportunidade de se fazer limonada do
limão, e provar que a postura de fato mudou - razão das insistentes
comemorações palacianas -, perdeu-se na falta de jeito e de paciência. O
esforço é mesmo sobre-humano e, como vimos, totalmente inócuo. Como esperar que
o rinoceronte não quebre nada na loja de cristais?
Estabanadas
voltaram a ser também algumas propostas para se endireitar o país. Na semana em
que se anunciou nova marca negativa para as contas públicas, com o déficit do
governo central (Tesouro Nacional, INSS e Banco Central juntos) chegando a R$ 9
bilhões nos sete primeiros meses de 2015 - o pior desempenho em 18 anos -, a
equipe econômica decidiu ressuscitar, na sua desesperada busca pelo
reequilíbrio fiscal, a CPMF. Com novo
nome - agora CIS, de Contribuição Interfederativa da Saúde -, mas com a mesma
alíquota, de 0,38%, o tributo continuaria a ter incidência cumulativa - e por
isso distorcida, de efeito nefasto para a cadeia produtiva - sobre toda
operação financeira.
Para
contrabalançar a notícia ruim relacionada à tributação, anunciou-se, com alguns
dias de antecedência, a redução do número de ministérios, de 38 para 28, dentro
daquilo que o governo decidiu chamar de "reforma administrativa". Nas
palavras da presidente Dilma, ao justificar a medida, essas pastas, que serão
eliminadas ou incorporadas por outras, não eram essenciais nem necessárias.
Ora, por que então foram criadas? Resta saber se desta "reforma"
redundará de fato uma verdadeira reestruturação do setor público federal ou se
será algo de caráter meramente midiático, com mais fundamento no marketing do
que nas finanças.
O
governo mantém 107 mil pessoas em cargos comissionados, gente não concursada
que onera a folha salarial federal. Não se tem notícia de que serão demitidas
agora. Se forem dispensadas, é porque não faziam falta - e de que a reforma é
para valer. Mas, se não faziam falta, quem os contratou deveria ser punido. A
propósito de não concursados, esta semana o IBGE informou que, somente em 2014,
ano eleitoral, os municípios brasileiros criaram 35 mil cargos comissionados.
Somente os municípios! E somente em um ano que, coincidentemente, era de
eleições municipais.
Nas
próximas eleições, portanto, o eleitor deve decidir se estes funcionários não
concursados têm contribuído para melhorar os serviços públicos oferecidos à
população ou se simplesmente são os beneficiários diretos do clientelismo
abjeto do qual o país se tornou refém. Ao analisar a questão, deve lembrar que
déficit público elevado, juros altos e inflação têm tudo a ver com máquina
pública opulenta e ineficiente.
Menos
mal que no caso da CIS - cuja proposta será oficialmente apresentada na
segunda-feira -, parlamentares já a consideram um natimorto: não passará pelo
Congresso. Alinhados com a sociedade? Não, caso típico de convergência de
interesses: exatamente porque colocam os seus objetivos acima de tudo sabem que
o contribuinte não tolerará mais aumento
de carga tributária. Sobretudo em face dos cada vez mais abundantes casos de
desperdício e corrupção na máquina administrativa.
De
nossos 594 senadores e deputados federais, mais de 150 sofrem, neste momento,
algum tipo de investigação pela Polícia Federal e pelo Ministério Público. E
mais de 50 já estão incursos em alguma ação judicial, por crimes inerentes ou
não ao cargo que exercem. Não é pouca coisa.
Os presidentes das duas Casas, Senado e Câmara, respectivamente, Renan
Calheiros e Eduardo Cunha, estão sob investigação, sendo que o segundo já
denunciado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Calheiros é alvo de
três inquéritos na Operação Lava Jato.
São
esses os possíveis aliados na tarefa de fiscalizar um governo que vai mal das
pernas. Mas o fato de Eduardo Cunha agir contra um Executivo merecedor de
críticas e reparos não significa que mereça nosso apoio. O inimigo de um
inimigo (ou adversário, oponente) não é automaticamente um amigo ou aliado.
Confuso mesmo! O procurador geral da República, Rodrigo Janot, com o seu
trabalho independente, tem prestado um elevado serviço ao país - e,
indiretamente, causado embaraços ao governo, aos dois principais partidos
governistas e aos congressistas. Ainda assim, foi reconduzido ao cargo - o que
não deixa de ser louvável por parte da presidente e do Senado.
Dias
desses um prestigiado articulista reconheceu a sua dificuldade com os conceitos
de esquerda e direita, de bom e mau na política, sem conseguir mais enquadrar
uma coisa na outra. Tudo de cabeça para baixo. O chefe do cerimonial do
Planalto está, portanto, perdoado pela trapalhada desta semana.
Por
Nilson Mello
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