Um
consolo para os manifestantes
Os cerca de 900 mil que foram às ruas protestar em mais de 250 cidades brasileiras neste
domingo tinham em mente um objetivo claro: o afastamento da presidente Dilma
Rousseff e, por tabela, o fim da era PT. Objetivo possível dentro da
legalidade? O movimento - na esteira do que já havia acontecido em 15 de março
e 12 de abril - reflete a desaprovação detectada nas pesquisas de opinião. Hoje,
mais de 71% da população rejeitam a administração Dilma. Boa parte dessas
pessoas - embora este aspecto seja apenas dedutível - sente-se traída pelas
promessas não cumpridas da campanha de 2014.
Frustração
com um governo justifica o afastamento de um presidente ou constitui apenas o
indispensável ingrediente político, pressuposto de um eventual processo de
impeachment? Mais: seria melhor se este governo tivesse cumprido suas promessas
eleitorais (ou eleitoreiras), ignorando novamente a racionalidade econômica e
mantendo-se no caminho da irresponsabilidade, como no primeiro mandato?
A
exemplo dos protestos de março e abril - e, mais lá atrás, das jornadas de
junho de 2013 - os manifestantes também expressaram a sua rejeição à classe
política, de forma geral, e a sua intolerância com a crescente corrupção. Em
divergência com junho de 2013, o grito das ruas hoje associa de forma
clara - e não sem razão - os desvios e irregularidades no setor público às
administrações petistas, no embalo do noticiário produzido pelas revelações
crescentemente escabrosas feitas a cada etapa da Lava Jato.
Vamos
ao exercício de respostas. Desaprovação popular, por mais justificável que seja
- no caso, em função da má gestão e dos descaminhos praticados e fomentados por
integrantes do principal partido governista, em prol de um projeto de poder -,
pode até colocar em xeque a legitimidade de um governo, mas por si só não é
decisiva e nem dá causa ao afastamento de um presidente. A não ser que se
rasguem as regras constitucionais - o que equivale a um golpe de Estado. E sabemos
que ruptura institucional traz alívio imediato - pela eliminação do estorvo -,
mas acaba semeando problemas mais complexos, sem necessariamente equacionar os
antigos. Um caminho que já deu errado no passado.
A
possibilidade de uma saída democrática, ou seja, um processo de impeachment por
comprovação de irregularidades nas contas de campanha, na gestão fiscal ou
mesmo por envolvimento direto em desvios, é real, mas ainda incerta. Congresso
e Supremo, e ainda Justiça Eleitoral e Tribunal de Contas, poderiam até estar
em sintonia com as ruas - e nem isso é certo, tendo em vista o adiamento dos
julgamentos das contas de campanha e das pedaladas fiscais, respectivamente,
pelo TSE e TCU -, mas as provas precisariam ser irrefutáveis.
No
Congresso, a obtenção do quorum necessário para abertura do impeachment é improvável,
mesmo com o governo em situação mais adversa, e com Eduardo Cunha jogando na
oposição. O Legislativo pode até ser hostil ao Executivo, contudo, tornou-se "sócio"
na manutenção do mandato, ciente da conveniência e das vantagens que podem
advir de um governo enfraquecido. Ironias das ironias, talvez aí resida o
maior trunfo da presidente Dilma Rousseff.
Quase
sempre estabanado em sua comunicação institucional (a exemplo de uma
articulação política desastrada), o Planalto desta vez deu às
manifestações a sua real dimensão. Em nota curta, declarou que os protestos estavam
dentro da normalidade democrática. A ideia de conflagração - algo que o caminho
da "ruptura" poderia até potencializar - ficou restrita ao presidente
de CUT, Vagner Freitas, o "aloprado" de plantão que declarara,
durante a semana, que "um exército pegaria em armas" em defesa do
mandato da presidente.
Tudo
que um governo que enfrenta déficit de credibilidade não precisa é de aliados
que fazem e falam bobagem. A propósito do déficit, cabe recordar, ele foi originado
no estelionato eleitoral de 2014 e robustecido pelos efeitos da má gestão,
aflorados em 2015. Sem verdadeira assunção de culpa, mas apenas um tênue
reconhecimento de equívocos, o governo ensaia, desde o início do ano, correções
na área fiscal, no que é frequentemente bombardeado na Câmara, pela razão
mencionada mais acima. São medidas duras, porém, necessárias para o país. Mas isso
pouco importa para os parlamentares.
Se
o objetivo ainda está distante, aos manifestantes deste domingo resta um
consolo (além do direito de protestar): para o governo e o PT, o impeachment seria menos traumático do que
aparenta. Da posição de alvos, passariam a de atiradores, com farta munição
para desferir contra aqueles que ficariam com o ônus de consertar o que
estragaram.
Ah,
como dá trabalho esta democracia! Mas há alternativa melhor?
Por
Nilson Mello*
Em tempo: TV e rádio chegaram a informar ontem ao término do dia que o número de manifestantes nas ruas em todo o país havia sido de 2 milhões de pessoas, contagem corrigida para 879 mil no final da noite (e publicada nos jornais desta segunda-feira 17).
Em tempo: TV e rádio chegaram a informar ontem ao término do dia que o número de manifestantes nas ruas em todo o país havia sido de 2 milhões de pessoas, contagem corrigida para 879 mil no final da noite (e publicada nos jornais desta segunda-feira 17).
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