domingo, 16 de agosto de 2015

Artigo

Um consolo para os manifestantes




     Os cerca de 900 mil que foram às ruas protestar em mais de 250 cidades brasileiras neste domingo tinham em mente um objetivo claro: o afastamento da presidente Dilma Rousseff e, por tabela, o fim da era PT. Objetivo possível dentro da legalidade? O movimento - na esteira do que já havia acontecido em 15 de março e 12 de abril - reflete a desaprovação detectada nas pesquisas de opinião. Hoje, mais de 71% da população rejeitam a administração Dilma. Boa parte dessas pessoas - embora este aspecto seja apenas dedutível - sente-se traída pelas promessas não cumpridas da campanha de 2014.
     Frustração com um governo justifica o afastamento de um presidente ou constitui apenas o indispensável ingrediente político, pressuposto de um eventual processo de impeachment? Mais: seria melhor se este governo tivesse cumprido suas promessas eleitorais (ou eleitoreiras), ignorando novamente a racionalidade econômica e mantendo-se no caminho da irresponsabilidade, como no primeiro mandato?
     A exemplo dos protestos de março e abril - e, mais lá atrás, das jornadas de junho de 2013 - os manifestantes também expressaram a sua rejeição à classe política, de forma geral, e a sua intolerância com a crescente corrupção. Em divergência com junho de 2013, o grito das ruas hoje associa de forma clara - e não sem razão - os desvios e irregularidades no setor público às administrações petistas, no embalo do noticiário produzido pelas revelações crescentemente escabrosas feitas a cada etapa da Lava Jato.
     Vamos ao exercício de respostas. Desaprovação popular, por mais justificável que seja - no caso, em função da má gestão e dos descaminhos praticados e fomentados por integrantes do principal partido governista, em prol de um projeto de poder -, pode até colocar em xeque a legitimidade de um governo, mas por si só não é decisiva e nem dá causa ao afastamento de um presidente. A não ser que se rasguem as regras constitucionais - o que equivale a um golpe de Estado. E sabemos que ruptura institucional traz alívio imediato - pela eliminação do estorvo -, mas acaba semeando problemas mais complexos, sem necessariamente equacionar os antigos. Um caminho que já deu errado no passado.
     A possibilidade de uma saída democrática, ou seja, um processo de impeachment por comprovação de irregularidades nas contas de campanha, na gestão fiscal ou mesmo por envolvimento direto em desvios, é real, mas ainda incerta. Congresso e Supremo, e ainda Justiça Eleitoral e Tribunal de Contas, poderiam até estar em sintonia com as ruas - e nem isso é certo, tendo em vista o adiamento dos julgamentos das contas de campanha e das pedaladas fiscais, respectivamente, pelo TSE e TCU -, mas as provas precisariam ser irrefutáveis.  
     No Congresso, a obtenção do quorum necessário para abertura do impeachment é improvável, mesmo com o governo em situação mais adversa, e com Eduardo Cunha jogando na oposição. O Legislativo pode até ser hostil ao Executivo, contudo, tornou-se "sócio" na manutenção do mandato, ciente da conveniência e das vantagens que podem advir de um governo enfraquecido. Ironias das ironias, talvez aí resida o maior trunfo da presidente Dilma Rousseff.
     Quase sempre estabanado em sua comunicação institucional (a exemplo de uma articulação política desastrada), o Planalto desta vez deu às manifestações a sua real dimensão. Em nota curta, declarou que os protestos estavam dentro da normalidade democrática. A ideia de conflagração - algo que o caminho da "ruptura" poderia até potencializar - ficou restrita ao presidente de CUT, Vagner Freitas, o "aloprado" de plantão que declarara, durante a semana, que "um exército pegaria em armas" em defesa do mandato da presidente.
     Tudo que um governo que enfrenta déficit de credibilidade não precisa é de aliados que fazem e falam bobagem. A propósito do déficit, cabe recordar, ele foi originado no estelionato eleitoral de 2014 e robustecido pelos efeitos da má gestão, aflorados em 2015. Sem verdadeira assunção de culpa, mas apenas um tênue reconhecimento de equívocos, o governo ensaia, desde o início do ano, correções na área fiscal, no que é frequentemente bombardeado na Câmara, pela razão mencionada mais acima. São medidas duras, porém, necessárias para o país. Mas isso pouco importa para os parlamentares.
     Se o objetivo ainda está distante, aos manifestantes deste domingo resta um consolo (além do direito de protestar): para o governo e o PT, o impeachment seria menos traumático do que aparenta. Da posição de alvos, passariam a de atiradores, com farta munição para desferir contra aqueles que ficariam com o ônus de consertar o que estragaram.
     Ah, como dá trabalho esta democracia! Mas há alternativa melhor?    

Por Nilson Mello*

Em tempo: TV e rádio chegaram a informar ontem ao término do dia que o número de manifestantes nas ruas em todo o país havia sido de 2 milhões de pessoas, contagem corrigida para 879 mil no final da noite (e publicada nos jornais desta segunda-feira 17).  

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