quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Artigo


Entre a flatulência e a elegância
 


O JN e o Pastor Everaldo
 

Nunca na história deste país se viu uma campanha presidencial tão democrática e civilizada. Não se trata de ironia. Bem, é ironia, mas apenas em parte. O chavão exagerado, usado repetidamente e sem cerimônia nos últimos anos para embaralhar o público, é resgatado aqui justamente para fazer o contraste com o fato – este, sim - inédito.

Não se assistiu a uma campanha a presidente com participação de tantos candidatos, com tantos debates, na qual os postulantes, sem exceção, tenham preferido adotar um tom mais elevado com discussões em torno de programas e projetos – mesmo se inconsistentes, genéricos e de relevância questionável – aos ataques pessoais. Há uma nítida evolução em curso.

A deselegância, até aqui, se ocorreu, ficou por conta da suposta flatulência do pastor Everaldo em plena bancada do Jornal Nacional, em alto e bom som no horário de pico da audiência. A piada circulou pelas redes sociais. Mas, se fosse verdade, deveríamos lhe conceder o benefício da dúvida. Teria sido, certamente, uma incontinência produzida pelo nervosismo de alguém ainda sem o devido traquejo para as grandes plateias, e não um ato desrespeitoso com os seus entrevistadores, muito menos com o telespectador, justamente aquele que o pastor pretendia seduzir com sua mensagem.

De volta ao início, raramente se viu um candidato ou candidata à reeleição a cargo majoritário com tanta disposição para os embates na televisão, a despeito de liderar as intenções de voto até ontem. A regra que sempre prevaleceu em eleições majoritárias era aquela que recomenda o líder em intenções de voto se esquivar do confronto direto, preservando-se da acareação com os adversários.

A presidente Dilma Rousseff, justiça seja feita, tem colocado a cara a tapa. E justiça seja feita também aos seus marqueteiros, melhorou muito o seu desempenho na articulação das ideias e no contato com o público.

A participação plural dos candidatos em diversificados debates (Band, SBT, entrevistas na TV Globo etc) é, afinal, algo salutar para a democracia. Quem sabe a próxima etapa da evolução não seja um aperfeiçoamento do modelo dos debates televisivos, permitindo uma troca de ideias ainda mais livre – o que certamente exigirá de todos os participantes mais disciplina e educação.

Tudo isso considerado, o que também passa a chamar a atenção é o fato de a imprensa de maneira geral não ter destacado esta, digamos, evidência, preferindo dar ares de ataques ferozes às naturais críticas mútuas, que, saliente-se, não têm sido de caráter pessoal. Ao menos até aqui. É o que sugerem títulos como “Com unhas e dentes”, publicado em jornal de grande circulação desta quarta-feira (03), sobre o debate no SBT desta terça e os seus desdobramentos.

Sim, a campanha do PT deu início à “desconstrução” da candidatura Marina Silva, ciente de que a representante do PSB passou a ser o mais forte nome ao Planalto. Mas, ainda assim, o que se tem visto são críticas dentro das regras do jogo político, sem denúncias infundadas ou baixarias que marcaram outros pleitos.

 Aliás, por que razão a campanha do PT decidiu assumir  o risco de “desconstruir” Marina Silva – a representante da “Nova Política”, queridinha de momento do eleitor – não se sabe ao certo. O bom senso nos autoriza a dizer que seria mais cômodo deixar o desgastante trabalho de “desconstrução” a cargo do PSDB, que agora luta para não sobrar já no primeiro turno.

 O candidato ao qual caberia algum grau de desespero é o tucano. Mas até nas reações esta campanha nos parece mais serena do que as anteriores. Repita-se, até o momento. Buscar nos oponentes incongruências ideológicas, programáticas e partidárias e apontá-las ao eleitor é legítimo. A crítica e o embate de ideias, ainda que ralas, são bem-vindo.

Com relação à manchete referida acima, é claro que ela decorre de um claro intuito, embora não declinado ou declinável, de beneficiar determinado candidato. O direito dos meios de comunicação e de um meio meio de comunicação em particular de se posicionar em favor de uma candidatura é inquestionável. O que não fica bem é distorcer os fatos na busca deste objetivo.

Neste aspecto, a imprensa às vezes se mostra menos madura do que os candidatos que tanto critica. Pois, não faltam argumentos consistentes para uma análise conseqüente da trajetória política dos principais candidatos. Tampouco faltam argumentos para expor o desastre do governo Dilma Rousseff na esfera econômica, sem necessidade de recorrer a subterfúgios como o que vimos na mídia. Mas isso é assunto para outro artigo. Neste momento, vale apenas dizer que, decididamente, os candidatos estão mantendo uma postura civilizada. Até o momento.

 Por Nilson Mello

    

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário