Entre a flatulência e a elegância
O JN e o Pastor Everaldo
Nunca na história deste país se viu uma
campanha presidencial tão democrática e civilizada. Não se trata de ironia.
Bem, é ironia, mas apenas em parte. O chavão exagerado, usado repetidamente e
sem cerimônia nos últimos anos para embaralhar o público, é resgatado aqui
justamente para fazer o contraste com o fato – este, sim - inédito.
Não se assistiu a uma campanha a
presidente com participação de tantos candidatos, com tantos debates, na qual
os postulantes, sem exceção, tenham preferido adotar um tom mais elevado com
discussões em torno de programas e projetos – mesmo se inconsistentes,
genéricos e de relevância questionável – aos ataques pessoais. Há uma nítida
evolução em curso.
A deselegância, até aqui, se ocorreu, ficou
por conta da suposta flatulência do pastor Everaldo em plena bancada do Jornal Nacional, em alto e bom som no
horário de pico da audiência. A piada circulou pelas redes sociais. Mas, se
fosse verdade, deveríamos lhe conceder o benefício da dúvida. Teria sido,
certamente, uma incontinência produzida pelo nervosismo de alguém ainda sem o
devido traquejo para as grandes plateias, e não um ato desrespeitoso com os
seus entrevistadores, muito menos com o telespectador, justamente aquele que o
pastor pretendia seduzir com sua mensagem.
De volta ao início, raramente se viu um
candidato ou candidata à reeleição a cargo majoritário com tanta disposição
para os embates na televisão, a despeito de liderar as intenções de
voto até ontem. A regra que sempre prevaleceu em eleições majoritárias era aquela que
recomenda o líder em intenções de voto se esquivar do confronto direto,
preservando-se da acareação com os adversários.
A presidente Dilma Rousseff, justiça seja
feita, tem colocado a cara a tapa. E justiça seja feita também aos seus
marqueteiros, melhorou muito o seu desempenho na articulação das ideias e no
contato com o público.
A participação plural dos candidatos em
diversificados debates (Band, SBT, entrevistas na TV Globo etc) é, afinal, algo
salutar para a democracia. Quem sabe a próxima etapa da evolução não seja um
aperfeiçoamento do modelo dos debates televisivos, permitindo uma troca de
ideias ainda mais livre – o que certamente exigirá de todos os participantes
mais disciplina e educação.
Tudo isso considerado, o que também passa a chamar
a atenção é o fato de a imprensa de maneira geral não ter destacado esta, digamos,
evidência, preferindo dar ares de ataques ferozes às naturais críticas mútuas,
que, saliente-se, não têm sido de caráter pessoal. Ao menos até aqui. É o que
sugerem títulos como “Com unhas e dentes”, publicado em jornal de grande
circulação desta quarta-feira (03), sobre o debate no SBT desta terça e os seus
desdobramentos.
Sim, a campanha do PT deu início à “desconstrução”
da candidatura Marina Silva, ciente de que a representante do PSB passou a ser
o mais forte nome ao Planalto. Mas, ainda assim, o que se tem visto são
críticas dentro das regras do jogo político, sem denúncias infundadas ou
baixarias que marcaram outros pleitos.
Aliás,
por que razão a campanha do PT decidiu assumir
o risco de “desconstruir” Marina Silva – a representante da “Nova
Política”, queridinha de momento do eleitor – não se sabe ao certo. O bom senso
nos autoriza a dizer que seria mais cômodo deixar o desgastante trabalho de
“desconstrução” a cargo do PSDB, que agora luta para não sobrar já no primeiro
turno.
O
candidato ao qual caberia algum grau de desespero é o tucano. Mas até nas
reações esta campanha nos parece mais serena do que as anteriores. Repita-se,
até o momento. Buscar nos oponentes incongruências ideológicas, programáticas e
partidárias e apontá-las ao eleitor é legítimo. A crítica e
o embate de ideias, ainda que ralas, são bem-vindo.
Com relação à manchete referida acima, é
claro que ela decorre de um claro intuito, embora não declinado ou declinável,
de beneficiar determinado candidato. O direito dos meios de comunicação e de um meio meio de comunicação em particular de se posicionar em favor de uma candidatura é inquestionável.
O que não fica bem é distorcer os fatos na busca deste objetivo.
Neste aspecto, a imprensa às vezes se mostra
menos madura do que os candidatos que tanto critica. Pois, não faltam
argumentos consistentes para uma análise conseqüente da trajetória política dos
principais candidatos. Tampouco faltam argumentos para expor o desastre do
governo Dilma Rousseff na esfera econômica, sem necessidade de recorrer a subterfúgios
como o que vimos na mídia. Mas isso é assunto para outro artigo. Neste momento,
vale apenas dizer que, decididamente, os candidatos estão mantendo uma postura
civilizada. Até o momento.
Por
Nilson Mello
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