A inflação é como uma gravidez
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Combate à inflação tem a ver com expectativas – e, por
óbvio, com credibilidade. Agentes econômicos – pessoas e empresas –
comportam-se no que se refere ao consumo e a outros aspectos da economia, como
os investimentos, levando em conta o grau de confiança naqueles que detêm o
comando da política econômica.
Ao contrário do que possa parecer, não se trata de mero
impulso, mas de racionalidade. Porque credibilidade é algo que tem a ver com a
razão – com ratio – e não apenas com a emoção. As
ações e as omissões individuais que movimentam (ou não) a economia tornam-se
ainda mais curiosas – e complexas – se observadas em conjunto.
A manifestação individual projeta-se na sociedade e
ganha medida coletiva, comprovando que a Economia não é “apenas” uma Ciência
Exata – é também uma área de conhecimento sob uma forte e direta influência da
subjetividade.
Com
os índices de inflação persistindo em patamares elevados, próximos a romper o
que seria o teto da meta (em alguns índices, já acima de 6,5% no acumulado de
12 meses), é razoável questionar o que não deu certo, no governo Dilma
Rousseff, no que diz respeito ao controle de preços.
A
pergunta ganha maior relevância se considerarmos que, na retórica (de palanque
e de gabinete), o atual governo sempre foi categórico em afirmar que não seria
complacente com a alta do custo de vida. O assunto chegou à campanha eleitoral,
merecendo destaque em alguns debates, mas, sem, contudo, mobilizar totalmente a
opinião pública.
Na
entrevista abaixo, Salomão Quadros, um dos maiores especialistas em inflação do
país, apresenta alguns diagnósticos para explicar a, digamos, ousada trajetória
da inflação. Recorre a John Maynard Keynes para lembrar que “uma pequena
inflação é como uma pequena gravidez”. A gestação, via de regra, prossegue e
aumenta.
Há 12 anos coordenador de índices de preços na Fundação
Getúlio Vargas, no Rio, onde foi professor de macroeconomia nos MBAs, há 30 um
estudioso do assunto, autor de “Muito além dos índices – crônica, história e
entrelinhas da inflação” (2008) e de uma infinidade de artigos publicados nos
principais jornais do país, ele ressalta ainda que a estabilidade “resulta de
um ambiente macroeconômico equilibrado” – o que já nos esclarece muita coisa.
Abaixo, a íntegra da entrevista, que expressa a sua
opinião, não necessariamente coincidente com a da FGV. Por
Nilson Mello
ENTREVISTA
SALOMÃO QUADROS
Blog Meta Mensagem – A expectativa dos consumidores para
a inflação nos próximos 12 meses, de acordo com a sondagem da Fundação Getúlio
Vargas, é de alta de 7,2%. Há uma clara expectativa inflacionária na
sociedade.
Salomão Quadros – A taxa em 12 meses pelo IPCA está no teto
do intervalo de tolerância da meta de inflação, que é de 6,5%. Está aí há três
meses e aí deve permanecer pelo menos até o fim de setembro. Nos meses finais
do ano, a taxa deve recuar ligeiramente, para algo perto de 6,3%. Ainda está
pendente a decisão sobre o aumento da gasolina, que pode ser a repetição do que
ocorreu em 2013. No ano passado, o aumento entrou em vigor em dezembro e o
percentual autorizado de reajuste possivelmente foi calculado de modo a evitar
que a inflação superasse a de 2012. Agora este cálculo precisa ser mais preciso
porque o risco é de ultrapassagem do teto da meta. Esta longa consideração
sobre o reajuste da gasolina mostra que o governo ainda se vale de mecanismos
superados no combate à inflação, como o controle de preços.
BMM - Ao mesmo tempo em que o BC mantém a Selic em 11% ao
ano, há menos de um mês o governo baixou medidas que dão novos estímulos ao
crédito, além de promover novos impulsos fiscais. Você diria que essas são
medidas contraditórias, que dificultam a política monetária (reduzindo o seu
efeito) e que contribuem para a piora de expectativas econômicas, em especial
quanto ao controle da inflação?
Salomão Quadros – Na política monetária, este ano os juros
voltaram a subir, mas em 2012 eles haviam recuado para 7,25%, o equivalente a
menos de 2% em termos reais. A política de hoje desestimula o consumo que a
política de ontem estimulou. Normalmente, a política monetária, trabalha com
uma visão de médio a longo prazos, e o objetivo é a convergência para o centro
da meta (em países que adotam o sistema de metas de inflação). No Brasil, a
inflação tem ficado sistematicamente acima do centro da meta e isto alimenta
expectativas de taxas mais elevadas, dificultando o controle. Não devemos
esquecer que a política fiscal, por ter sido expansionista, adiciona um viés
inflacionário a este quadro.
BMM -
Medidas anticíclicas (para estimular o crescimento em momentos de crise) devem
ser sempre vistas com desconfiança, ou foi o governo que não soube agir dentro
de parâmetros técnicos mais rigorosos, errando a receita ou a sua dose?
Salomão Quadros - Medidas anticíclicas são legítimas e
podem ser úteis para impedir que um país mergulhe numa recessão. Mas devem ser
usadas com moderação, caso contrário caem em descrédito e podem gerar o efeito
contrário ao desejado. O governo brasileiro seguiu políticas anticíclicas
eficazes durante a crise de 2008 e, a partir de então, passou a lançar mão
delas de maneira mais corriqueira. Vale lembrar que nem tudo se resolve com
política anticíclica. Se uma pessoa tem medo de perder o emprego, ela não se
endividará. Um estímulo creditício nestas circunstâncias terá efeito pouco
relevante.
BMM - Em que medida a credibilidade (ou a falta dela) de
um governo na condução da política econômica e do combate á inflação?
Salomão Quadros - Credibilidade é o atributo daquilo em que
se acredita, que é possível. Se um governo anuncia um objetivo, como o de
conter a inflação, mas segue políticas incompatíveis com este objetivo, ele não
desfruta de credibilidade e certamente não alcançará os resultados pretendidos.
A credibilidade é construída, é um investimento que requer algum esforço e
coerência ao longo do tempo. Como todo investimento, também oferece retorno. Um
banco central que goze de grande credibilidade provavelmente controlará a
inflação mais depressa e com menores custos em termos de juros altos e
desemprego do que outro que não possua a mesma reputação. Neste caso, será
preciso um esforço adicional para a construção de um grau mínimo de
credibilidade. A independência é um mecanismo institucional que em muito contribui
para a credibilidade do banco central e para a eficiência da política
monetária.
BMM – O
governo continua a gastar muito, acima do que arrecada. Sem sequer entrarmos no
mérito quanto à qualidade desses gastos, qual é o papel da política fiscal e,
mais especificamente, qual a importância dos superávits primários na busca de
uma economia estabilizada?
Salomão Quadros – O superávit primário (o resultado das
contas do governo excluídas as despesas com o pagamento de juros) é necessário
para que o endividamento público não cresça. De outro modo, se o endividamento
público for crescente, cresce o risco daqueles que financiam o governo, e aí se
incluem não apenas os grandes investidores, mas também os pequenos poupadores
que têm aplicações lastreadas em títulos públicos. Uma conta de juros alta
requer superávits mais altos e assim por diante. Outro ponto que merece atenção
é que o superávit fiscal deve ser sustentável. Não adianta muito se fazer um
enorme esforço que depois seja revertido.
BMM – É
possível combater inflação sem que se tenha uma política fiscal alinhada com a
política monetária?
Salomão Quadros – Quando a política fiscal se harmoniza com
a monetária numa fase em que é preciso combater a inflação, os juros não
precisam subir tanto. Uma política fiscal contracionista reduz a demanda e
favorece o controle inflacionário.
BMM – O
que o próximo governo, não importando o partido, e mesmo que seja o atual,
reeleito, deve fazer para recolocar a inflação dentro da meta? E em quanto
tempo isso pode ser feito?
Salomão Quadros – Antes de voltar para o centro da meta, a
inflação possivelmente se afastará dele por conta do necessário ajuste dos
preços administrados. Mas este movimento é reversível. Vai requerer uma dose
adicional de juros por um tempo razoável de modo a evitar que o choque
provocado pelo ajuste dos administrados contamine o conjunto dos preços. Além
disto, é importante que a política fiscal se torne menos expansiva. Mesmo que
tudo isto aconteça, não veremos a inflação próxima do centro da meta antes de
dois ou três anos.
BMM –
Por fim, há crescimento sustentável sem estabilidade de preços?
Salomão Quadros – A evidência histórica já demonstrou que a
inflação controlada é uma condição necessária ainda que não suficiente para o
crescimento de longo prazo. É possível compatibilizar inflação e baixo
desemprego por algum tempo, mas, lembrando Keynes, uma pequena inflação é como
uma pequena gravidez. É importante ressaltar que a estabilidade de preços não
ocorre isolada e espontaneamente. Ela é decorrência de um ambiente
macroeconômico equilibrado, resultado de políticas fiscal e monetária coerentes
e harmonizadas, onde indivíduos, empresas e o próprio setor público possam por
em prática o seu potencial de realizações econômicas.
FIM
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