A dosemetria
diplomática
As declarações peremptórias e as posições irredutíveis trazem sempre como risco inerente a completa desmoralização de seus autores. Sobretudo quando o resultado que delas se espera - das posições e das declarações – está condicionado a uma determinada resposta ou reação impossível de ser imposta ao interlocutor ou oponente.
Com franqueza desconcertante, à altura de sua genialidade nos gramados, Garrincha perguntou certa vez ao treinador, durante uma preleção, se aquilo que estava sendo determinado aos jogadores já fora combinado com o adversário.
Se há pré-condições para que as jogadas simuladas produzam resultados durante os jogos, culminando com gols, será preciso a concordância dos adversários – algo impensável, a não ser, evidentemente, nos casos minoritários de fraude. Treino de futebol não é ensaio de orquestra ou marcação de companhia de teatro.
Ao desmoralizar a preleção do treinador, Garrincha colocou em evidência a importância do improviso, não por acaso o seu maior atributo como jogador. Não é o caso de se preconizar a improvisação como regra geral para tudo que se faça na vida, mas apenas salientar a importância de se deixar margem de manobra para se reagir da melhor forma possível a uma posição conflitante ou mesmo ao imponderável.
O governo brasileiro endureceu o discurso com os Estados Unidos na questão da espionagem. Então, é preciso saber o que o governo pretende. Um pedido formal de desculpas dos Estados Unidos ao Brasil? A entrega de todas as informações obtidas de forma espúria? Quanto maior o esperneio, menores serão os resultados em termos proporcionais.
A escalada de retórica embute o risco de desmoralização. No caso em questão, é preciso encontrar a “dosemetria” correta, como salientou o embaixador Marcos Azambuja, em entrevista na televisão nesta sexta-feira (06). A diplomacia brasileira está errando na dose.
Por Nilson Mello
Em tempo: A política externa brasileira tem usado dois pesos e duas medidas. E confundido firmeza com radicalismo, ou ainda, ânimo conciliador com atitude subalterna. A alternância de extremos reflete uma mudança contraproducente, na esteira da substituição da diplomacia profissional pela diplomacia panfletária. O caso La Paz, comentado na nota abaixo, foi outro episódio que reforçou essa avaliação.
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