Momento de
lucidez
Ao
contrário do que muitos pensam, o encontro com Deus – aqui compreendido no mais
amplo conceito filosófico e não apenas em alegorias religiosas – dá-se pelo
exercício da razão, não pela emoção. O conceito amplo significa o encontro com a
verdade e com a boa-fé, o respeito aos princípios éticos e morais. E é nesse
entendimento conceitual que até um ateu pode chegar a
Deus.
Não há boa-fé nas atitudes
apaixonadas, movidas pela emoção, justamente porque elas anulam a razão.
Nessas últimas semanas, até
quarta-feira passada, quando o voto de minerva do decano do Supremo, ministro
Celso de Mello, garantiu cabimento aos embargos infringentes, era visível na
sociedade o desejo de punir os condenados na Ação Penal 470 a qualquer preço, a
despeito do que estabelece o ordenamento jurídico em
vigor.
Mas o fato irrecorrível é
que os embargos infringentes, razão das discussões, são claramente cabíveis no
Supremo, e qualquer leigo em assuntos jurídicos pode chegar a essa conclusão
mediante uma pesquisa honesta à jurisprudência e à legislação. Não se trata de
mera filigrana jurídica, ou de avaliação subjetiva com espaço para variada
interpretação, mas de análise isenta e objetiva da Lei.
A única razão que pode
explicar a rejeição do recurso por cinco ministros do Tribunal é a emoção, ou
seja, a certeza de que os condenados merecem uma punição rápida e exemplar, pela
infâmia de seus crimes em prejuízo de uma sociedade que, reconheçamos, chegou ao
limite da tolerância com a corrupção e os desvios políticos de toda
espécie.
Os votos pela rejeição
foram, assim, de caráter político, não eminentemente jurídico. Neste sentido, o
voto do ministro Gilmar Mendes foi de uma contundência impressionante. Ocorre,
contudo, que o Supremo, por ser guardião da Constituição e da própria democracia
brasileira, não pode cair na tentação de um julgamento político, de
exceção.
Ao reconhecer o cabimento
dos embargos a despeito de uma gigantesca pressão política, inclusive dos órgãos
de imprensa, que não se deram ao trabalho de fazer a necessária avaliação
técnica da questão, o ministro Celso de Mello reconduziu o julgamento do
mensalão para os parâmetros da razão, restabelecendo garantias legais que
constituem o freio às seduções totalitárias.
Sim, porque hoje, quem está
em julgamento no Supremo, pode ser nossos inimigos, mas amanhã, um de nós,
inocente, poderá estar sendo julgado e condenado ao arrepio da Lei, por razões
políticas. A estrita observância da Lei é o salvo conduto das democracias. Que
não a percamos de vista.
Não há dúvida que nossa
legislação é imperfeita (como, aliás, todas o são) e merece reparos e reformas,
sobretudo nos aspectos processuais com margem para condutas protelatórias
incompatíveis com uma sociedade que se quer justa. Mas, se as regras são ruins,
que as mudemos e aperfeiçoemos por meio dos mecanismos existentes para tanto.
Ignorá-las em meio a um
julgamento, por mais abomináveis que possam ser os réus, é de um casuísmo
autoritário inadmissível, em especial para um país que se esforça para
consolidar suas instituições políticas. O momento é de lucidez. Razão no lugar
das paixões.
Por
Nilson Mello
Prezado,
ResponderExcluirTeoricamente concordo com sua exposição - mas entendo que os Ministros Toffoli e Lewandowski não participam dessa "lucidez" - para mim os dois deveriam ter se manifestados impedidos - aliás, também como está previsto na nossa imperfeita legislação.
Sim, alguns ministros, por motivos diversos, deveriam ter se declardo impedidos, sobretudo Toffoli. Mas isso não anula ou interfere na tese apresentada no artigo. São coisas distintas. Abrcs
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