sexta-feira, 3 de maio de 2013

  
Conflito de Poderes


 
Congresso Nacional


    O descontentamento de senadores e deputados com os órgãos de cúpula do Judiciário e do Ministério Público é de um constrangimento sintomático.  O razoável seria esperar o seu incondicional alinhamento com o Supremo Tribunal Federal e a Procuradoria Geral da República na defesa da Lei e no combate à corrupção. Mas - e aí justiça seja feita – preferem não pecar por hipocrisia: atingidos pelo julgamento do mensalão, não tardaram a tentar urdir a forra, na forma de uma Proposta de Emenda Constitucional (a PEC 33) que submete decisões da Corte ao Congresso.
    Nem todos os políticos e parlamentares brasileiros estão envolvidos em escândalos de corrupção, agem em desacordo com a Lei e a ética ou comungam das tentativas de se subtrair competências e prerrogativas do Judiciário e do Ministério Público. Não seria errado dizer que uma minoria age de má-fé. Contudo, é preocupante que uma proposta cujo desfecho seria a submissão do Supremo ao Congresso possa avançar dentro de uma Comissão da Câmara (a de Constituição e Justiça) que tem como papel primordial justamente alterações constitucionais.
Sim, claro, é lá na CCJ que matéria constitucional deve ser discutida, mas, todos sabem que cláusula pétrea, como a separação dos Poderes, só se muda com nova Constituinte. Neste aspecto, contraditoriamente, os deputados da Comissão capricharam na hipocrisia. Ou demonstraram total desconhecimento de causa. Difícil dizer o que é mais desalentador.
Ouvido pelos jornais sobre o episódio, o jurista e ex-ministro do STF Francisco Rezek não disfarçou o espanto: “Estão pretendendo se tornar, no lugar do STF, os controladores de uma carta que com certeza não leram”.
    A prevalência de iniciativas como a referida PEC talvez signifique que o comando das Casas Legislativas e as lideranças dos partidos no Congresso não estejam sendo exercidos pelos melhores quadros entre aqueles escolhidos pelo eleitor. E isso na melhor das hipóteses. Na pior, significaria mesmo um Legislativo majoritariamente degenerado.
Iniciativas como a PEC 33 revelam que um Congresso afeito a barganhas com o Executivo, com o qual negocia quinhões da máquina pública em troca de apoio a projetos e ações de valor discutível, não quer ter no calcanhar um Judiciário inconveniente. Lembre-se que faz poucos dias esse Legislativo colocou em debate a supressão da competência do Ministério Público para investigar e atuar dentro do inquérito policial. A que tipo de parlamentar interessa o cerceamento dos outros Poderes institucionais?
O grau de “simbiose” que hoje rege as relações entre Executivo e Legislativo tornam esses impulsos autoritários muito mais graves, pois que insinuam uma articulação subalterna, dentro de um projeto de Poder de caráter indeclinável. É neste contexto que também estamos autorizados a interpretar a oportunista tramitação no Congresso de projeto que limita a criação de partidos atentando contra os princípios democráticos que à sociedade, até prova em contrário, interessa preservar.
A propósito, a paralisação de seu trâmite por força de liminar concedida pelo ministro Gilmar Mendes, do STF, só veio reforçar a importância do princípio da separação dos Poderes que a mencionada Comissão de Constituição e Justiça da Câmera almejou desmanchar com a sua PEC 33. Não custa lembrar que dentro deste espírito tem sido igualmente recorrente as tentativas de cercear a imprensa, a partir da edição de leis eufemísticas cujo desfecho seria o controle da opinião, a exemplo do que já ocorre em países vizinhos.
Para os presidentes do Senado e da Câmera, Renan Calheiros e Henrique Alves, respectivamente (ambos, por sinal, envolvidos em escândalos de desvios e corrupção), a liminar concedida por Gilmar Mendes foi uma “inaceitável intromissão” no processo legislativo. Como se o Supremo não tivesse sido instado, no caso, a se pronunciar, como determina a Constituição, a qual lhe cabe a guarda.
Nota: A propósito de Guarda e de Gilmar Mendes, curioso notar que é de sua autoria a apresentação da edição brasileira (Editora Del Rey) de “O Guardião da Constituição”, de Carl Schmitt. A despeito de ter sido um dos maiores juristas da primeira metade do Século XX, Schmitt negava ao Judiciário, como bem lembra Mendes na apresentação, “o título de guardião da Constituição”, atribuindo o papel ao chefe do Executivo. Acabou contribuindo com suas ideias para a ascensão e fortalecimento de Hitler na frágil República de Weimar, o que lhe valeu a alcunha de “Jurista do Nazi-fascismo”. No caso brasileiro, a diferença é que a exceção constitucional prevista por Schmitt vem sendo tentada por via indireta, ou seja, por meio de relações espúrias entre Executivo e Legislativo.
Por Nilson Mello

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