Conflito de
Poderes
Congresso Nacional
O descontentamento de senadores e
deputados com os órgãos de cúpula do Judiciário e do Ministério Público é de um
constrangimento sintomático. O razoável seria esperar o seu incondicional
alinhamento com o Supremo Tribunal Federal e a Procuradoria Geral da República
na defesa da Lei e no combate à corrupção. Mas - e aí justiça seja feita –
preferem não pecar por hipocrisia: atingidos pelo julgamento do mensalão, não
tardaram a tentar urdir a forra, na forma de uma Proposta de Emenda
Constitucional (a PEC 33) que submete decisões da Corte ao
Congresso.
Nem todos os políticos e parlamentares
brasileiros estão envolvidos em escândalos de corrupção, agem em desacordo com a
Lei e a ética ou comungam das tentativas de se subtrair competências e
prerrogativas do Judiciário e do Ministério Público. Não seria errado dizer que
uma minoria age de má-fé. Contudo, é preocupante que uma proposta cujo desfecho
seria a submissão do Supremo ao Congresso possa avançar dentro de uma Comissão
da Câmara (a de Constituição e Justiça) que tem como papel primordial justamente
alterações constitucionais.
Sim, claro, é lá na CCJ que matéria
constitucional deve ser discutida, mas, todos sabem que cláusula pétrea, como a
separação dos Poderes, só se muda com nova Constituinte. Neste aspecto,
contraditoriamente, os deputados da Comissão capricharam na hipocrisia. Ou
demonstraram total desconhecimento de causa. Difícil dizer o que é mais
desalentador.
Ouvido pelos jornais sobre o episódio, o
jurista e ex-ministro do STF Francisco Rezek não disfarçou o espanto: “Estão
pretendendo se tornar, no lugar do STF, os controladores de uma carta que com
certeza não leram”.
A prevalência de iniciativas como a referida
PEC talvez signifique que o comando das Casas Legislativas e as lideranças dos
partidos no Congresso não estejam sendo exercidos pelos melhores quadros entre
aqueles escolhidos pelo eleitor. E isso na melhor das hipóteses. Na pior,
significaria mesmo um Legislativo majoritariamente
degenerado.
Iniciativas como a PEC 33 revelam que um
Congresso afeito a barganhas com o Executivo, com o qual negocia quinhões da
máquina pública em troca de apoio a projetos e ações de valor discutível, não
quer ter no calcanhar um Judiciário inconveniente. Lembre-se que faz poucos dias
esse Legislativo colocou em debate a supressão da competência do Ministério
Público para investigar e atuar dentro do inquérito policial. A que tipo de
parlamentar interessa o cerceamento dos outros Poderes
institucionais?
O grau de “simbiose” que hoje rege as
relações entre Executivo e Legislativo tornam esses impulsos autoritários muito
mais graves, pois que insinuam uma articulação subalterna, dentro de um projeto
de Poder de caráter indeclinável. É neste contexto que também estamos
autorizados a interpretar a oportunista tramitação no Congresso de projeto que
limita a criação de partidos atentando contra os princípios democráticos que à
sociedade, até prova em contrário, interessa preservar.
A propósito, a paralisação de seu trâmite por
força de liminar concedida pelo ministro Gilmar Mendes, do STF, só veio reforçar
a importância do princípio da separação dos Poderes que a mencionada Comissão de
Constituição e Justiça da Câmera almejou desmanchar com a sua PEC 33. Não custa
lembrar que dentro deste espírito tem sido igualmente recorrente as tentativas
de cercear a imprensa, a partir da edição de leis eufemísticas cujo desfecho
seria o controle da opinião, a exemplo do que já ocorre em países
vizinhos.
Para os presidentes do Senado e da Câmera,
Renan Calheiros e Henrique Alves, respectivamente (ambos, por sinal, envolvidos
em escândalos de desvios e corrupção), a liminar concedida por Gilmar Mendes foi
uma “inaceitável intromissão” no processo legislativo. Como se o Supremo não
tivesse sido instado, no caso, a se pronunciar, como determina a Constituição, a
qual lhe cabe a guarda.
Nota: A propósito de Guarda e de Gilmar
Mendes, curioso notar que é de sua autoria a apresentação da edição brasileira
(Editora Del Rey) de “O Guardião da Constituição”, de Carl Schmitt. A despeito
de ter sido um dos maiores juristas da primeira metade do Século XX, Schmitt
negava ao Judiciário, como bem lembra Mendes na apresentação, “o título de
guardião da Constituição”, atribuindo o papel ao chefe do Executivo. Acabou
contribuindo com suas ideias para a ascensão e fortalecimento de Hitler na
frágil República de Weimar, o que lhe valeu a alcunha de “Jurista do
Nazi-fascismo”. No caso brasileiro, a diferença é que a exceção constitucional
prevista por Schmitt vem sendo tentada por via indireta, ou seja, por meio de
relações espúrias entre Executivo e Legislativo.
Por Nilson Mello
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