quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

Artigo


A pseudoReforma Tributária da PEC-45


    A aprovação da Reforma da Previdência em 2019 foi um passo decisivo, porém, ainda insuficiente para garantir equilíbrio financeiro à máquina pública federal e permitir a retomada da capacidade de investimento do Estado. Para 2020, outras duas reformas estruturantes de igual importância - e que por essa razão impõem um enorme desafio político -, a administrativa e a tributária, serão colocadas em marcha.
    Ainda é cedo para falar sobre a metodologia a ser adotada na Reforma Administrativa (suas principais medidas sequer foram detalhadas), mas, no que diz respeito à Tributária, algumas de suas vertentes foram discutidas e o governo já anunciou que ela será feita de forma segmentada, gradualmente. Essa decisão parece acertada tendo em vista a complexidade do sistema que temos hoje, e também considerando as diferentes esferas de Poder e de entes federados com inferência na questão – o que por si só exige um esforço político e um debate público muito maiores.
A reforma “parcelada” tomará como base algumas das propostas discutidas este ano, em especial a criação de um Imposto sobre Valor Agregado (reunindo cinco impostos e contribuições num só tributo), ideia que figura no principal Projeto de Emenda Constitucional em trâmite no Congresso sobre o Sistema Tributário - a PEC 45, da Câmara. O presente artigo é uma síntese de Parecer apresentado na Comissão de Direito Financeiro e Tributário do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB).
   
    O Imposto sobre Bens e Serviços - IBS
    A Proposta de Emenda Constitucional número 45 não é, a bem da verdade, uma proposta de "Reforma Tributária", e sim um projeto, com implicações constitucionais, para fundir três impostos e duas contribuições em um único tributo. Por não considerá-la uma "reforma" ampla, na melhor acepção do termo, utilizo aqui no texto a expressão entre aspas.
    Um projeto de "Reforma Tributária" implica a reformulação de todo o sistema, devendo contemplar, em minha opinião, como eixos norteadores, sete parâmetros: 1. A simplificação do sistema; 2. A ênfase tributária na renda e não na produção; 3. A defesa do princípio da não-cumulatividade; 4. A preservação da capacidade financeira do Estado; 5. A manutenção do pacto federativo; 6. O estímulo à produção e ao desenvolvimento; e 7. O respeito à progressividade em oposição à regressividade.
    A presente análise foca, em particular, a questão da ênfase tributária - por considerá-la mais importante no escopo da PEC-45 -, embora também discorrendo sobre outros parâmetros. De antemão, vale dizer que a proposta não parece ter a capacidade de atender ao menos a outros cinco parâmetros de aferição, quais sejam, a simplificação do sistema, a redução da carga, a não-cumulatividade, o pacto federativo e a progressividade.
    No que tange à simplificação do sistema, o que se percebe é que a fase de transição (dez anos) para o modelo de unificação dos cinco tributos (IPI, ICMS, ISS, PIS e Cofins) no Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), previsto na PEC-45, é tão longa e as medidas e providências dela decorrentes tão complexas que talvez anulem ou reduzam o eventual efeito positivo no curto e no médio prazos. Tendo em vista a urgência de um sistema mais simples, o efetivo custo-benefício da unificação pode demorar a ser sentido, o que nos leva a questionar se, neste sentido, a proposta de fato representaria uma vantagem.
    A demora é ainda maior quando se trata de consolidar o novo modelo de repartição de receitas entre os entes federados. De acordo com o parágrafo 5º do art. 152-A, introduzido na Constituição pela proposta de reforma, a receita do IBS "será distribuída entre União, Estados e Municípios proporcionalmente ao saldo líquido entre débitos e créditos do imposto atribuível a cada ente", nos termos da Lei Complementar que deverá ser aprovada visando a disciplinar a matéria. Pelo mecanismo de transição da unificação dos tributos, essa repartição só será plena e estará totalmente concluída no quinquagésimo ano a contar do ano de estabelecimento de alíquota de referência de cada ente, à luz do que estabelece o caput e o parágrafo 3º do art. 120 introduzido pela proposta no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT).
    Quanto à redução da carga, entendo que, diante do abismo fiscal que enfrentamos hoje no país, tal parâmetro só poderia estar presente caso houvesse uma compensação por meio de outras fontes de receita no curto prazo, o que não é o caso. Já no que tange a aplicação da não-cumulatividade, há sérias dúvidas se o modelo introduzido pela PEC-45 conseguirá preservar este princípio, embora faça menção expressa a ele entre os seus objetivos.
    No que diz respeito à manutenção do pacto federativo e o pretendido esvaziamento da "guerra fiscal", a dúvida é se não haverá disputas concorrenciais com efeitos deletérios sobre a receita entre estados e entre municípios, uma vez que a autonomia para estabelecer as alíquotas de sua competência, dentro da composição do IBS, está mantida - o que não poderia deixar de ser em respeito ao próprio princípio federativo. O mecanismo de composição e repartição de receitas do IBS, cuja incidência se dá em operações de naturezas distintas, que antes eram de responsabilidade de três impostos e duas contribuições, é por si só de difícil compreensão, devendo gerar dúvidas entre contribuintes e autoridades fiscais.
    Sobre a progressividade, o princípio guarda relação direta com a mudança da ênfase tributária, que, no caso do Imposto sobre Bens e Serviços introduzido pela PEC-45 sai da produção para o consumo. A ênfase da proposta está no consumo, desonerando a produção. Cabe ressaltar que Impostos de Valor Agregado (IVA), como é o caso do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), são, por definição, tributos cuja incidência recai sobre o consumo, ainda que o contribuinte seja o produtor, o prestador de serviços, o comerciante, o locador etc. Tal modelo não é em si negativo, haja vista que traz a vantagem de desonerar a produção, o que tem efeitos econômicos e sociais positivos.
    Contudo, para que um modelo com ênfase no consumo seja socialmente adequado (e isso vale, sobretudo, para um país com os níveis de desigualdade que temos no Brasil), é preciso que estabeleça de forma clara como se dará a compensação a famílias de baixa renda, posto que, com a ênfase no consumo, elas estão injustamente equiparadas ao contribuinte de maior poder aquisitivo. Ressalte-se que o IBS (a exemplo de todos os IVAs no Direito Tributário comparado), como o próprio autor da PEC reconhece em suas justificativas, não é ferramenta própria para políticas públicas.
    Neste sentido, vale salientar que, pela proposta, as alíquotas poderão variar entre os entes da Federação, respeitando o princípio federativo, mas não poderão ser diferenciadas em relação a produtos e serviços. Assim, não poderá haver, por exemplo, uma tarifa menor para as cestas básicas, que têm por finalidade o atendimento ao consumidor de baixa renda, que gasta quase a totalidade de seu salário com a sua subsistência. A alíquota final, com as devidas compensações de débitos e créditos tributários ao longo da cadeira, será de 1%.
    O próprio autor do projeto tenta se explicar, nas justificativas de sua proposta. Vejamos:
  "Isso não significa que o modelo não deva contemplar medidas que mitiguem o efeito regressivo da tributação do consumo. Para tanto, propõe-se um modelo em que grande parte do imposto pago pelas famílias mais pobres seja devolvido através de mecanismos de transferência de renda. Este modelo seria viabilizado pelo cruzamento do sistema em que os consumidores informam o seu CPF na aquisição de bens e serviços (já adotados por vários Estados brasileiros) com o cadastro único dos programas sociais. Trata-se de um mecanismo muito menos custoso e muito mais eficiente do ponto de vista distributivo que o modelo tradicional de desoneração da cesta básica de alimentos".

    Notamos, pelo enunciado acima, que o deputado Baleia Rossi reconhece que o modelo introduzido pela PEC-45, ao transferir a ênfase tributária para o consumo, é regressivo - e por isso injusto. Porém, mesmo reconhecendo tal característica, não foi capaz de trazer para o corpo da Emenda Constitucional que propôs um mecanismo claro e bem estruturado para, conforme suas palavras, proteger da regressividade as "famílias mais pobres". Vale dizer que a regressividade é talvez um dos traços mais perversos do atual sistema tributário brasileiro e, sendo assim, um projeto que se pretende uma "Reforma" deveria enfrentar o problema apresentando uma solução consistente, o que não ocorre na PEC-45.
    Saliente-se que nada há de errado em se promover a desoneração da produção, eis que essa é também uma medida que traz avanços sociais, na medida em que estimula o setor produtivo (este, combalido por um ambiente hostil ao empreendedorismo), devendo figurar como eixo de qualquer reforma do sistema. Porém, a ênfase no consumo como forma de desonerar a produção não pode ser um "valor-princípio" absoluto, devendo ser compensada por outros mecanismos no âmbito de uma mesma reforma.
    Assim, a PEC-45 deixa a desejar por não explicitar como seriam as medidas compensatórias para famílias de baixa renda. Aliado a esse "defeito" de origem, faltou à proposta tratar da renda, mais precisamente, do Imposto de Renda de pessoas físicas e jurídicas, bem como a Contribuição sobre Lucro Líquido (CSLL), eixo pelo qual, também poderia, no que se refere ao IR, desonerar o contribuinte de menor renda, a partir de mecanismos de progressividade, tendo em vista: 1. compensar a ênfase dada ao consumo pelo imposto de valor agregado proposto pela PEC (o IBS); e 2. preservar a capacidade financeira do Estado, tendo em vista os graves desafios e incertezas fiscais que se avizinham.
    Ao desonerar a produção, a PEC-45 traz uma real contribuição para o desenvolvimento do país, e por essa razão não deve ser descartada de pleno. Porém, é imperativo que se faça a sua adequação no que toca a elaboração de mecanismos compensatórios para o consumidor de baixa renda, dentro de política pública específica.    Ao optar por uma Reforma Tributária segmentada, a ser feita gradualmente, o governo terá a chance de ajustar e aprimorar as principais medidas apresentadas até o momento, em especial a criação do IBS, presente não apenas na PEC-45 como também na PEC-110, do Senado (objeto de um próximo artigo). É o que se espera.
     
*Por Nilson Mello

sexta-feira, 25 de outubro de 2019

Artigo


O abismo fiscal e as reformas


    A dívida pública brasileira hoje, de acordo com o Ministério da Economia, é de R$ 3,89 trilhões, devendo chegar a R$ 4,3 trilhões até o final do ano. A despeito da pesada carga tributária imposta à sociedade[1] e dos esforços para contenção de despesas discricionárias que vêm sendo empreendidos nos últimos anos, sobretudo pelo Governo Central (inclusive no final da administração Dilma), visando a reduzir o rombo fiscal, a dívida pública segue uma dinâmica de crescimento.  Para exemplificar, ela foi de 76,7% do PIB em 2018, deve ficar em 78,7% em 2019 e alcançar os 80% em 2020, previsão que já considera, segundo o governo, eventuais efeitos positivos da Reforma da Previdência, concluída nesta quarta-feira (23/10).
    Numa análise isenta, as razões para o recorrente desequilíbrio fiscal que há anos o país enfrenta (e que, mais recentemente, se refletem em repetidos déficits primários desde 2013), assim como para o esgotamento da capacidade de investimento do Estado, não podem ser atribuídas apenas à má gestão ou a equívocos de políticas econômicas adotadas por administrações passadas, sobretudo as mais recentes, devendo, necessariamente, considerar as características intrínsecas da matriz constitucional, na qual se assentam o arcabouço fiscal e da economia do país.
    A Constituição da República - a "Carta Cidadã" de 1988 - é uma Carta de inspiração social, como o próprio nome revela. Foi elaborada, podemos dizer, com o elevado intuito, entre outros, de regatar a "dívida social" de uma nação cujos índices de desigualdade estão entre os piores do mundo[2]. Da busca por esse objetivo resultou uma Constituição com dispositivos não apenas materialmente constitucionais como formalmente constitucionais e, consequentemente, um texto mais extenso e detalhista.
    Neste sentido, seria não apenas uma Carta Constitucional, de princípios norteadores do Estado e de suas instituições, como também um programa geral de governo.
    Podemos assumir que o constituinte de 1988 teve o legítimo e elevado objetivo de engendrar um "Estado social", e com isso promover uma melhoria da distribuição de renda e dos indicadores sociais de forma geral. Contudo, o que observamos hoje é que a matriz constitucional ensejou uma máquina pública de baixa eficiência, difícil administração e extremamente onerosa, com forte descompasso entre receitas e despesas e, consequentemente, déficits fiscais recorrentes[3]. O grande número de emendas e reformas que foram aprovadas de 1988 para cá, na tentativa de garantir governabilidade ao Estado, confirma esse diagnóstico. Contraditoriamente, não houve, no período decorrido desde a promulgação da Carta, um grande salto no que diz respeito ao desenvolvimento econômico e social.
    Do ponto de vista fiscal, o Estado brasileiro, dentro do modelo que a matriz impõe, não logra alcançar o equilíbrio orçamentário, tendo, ao mesmo tempo, exaurido a sua capacidade de investimento. A dificuldade de exercer o papel de indutor da Economia - como seria de se esperar tendo em vista a matriz constitucional de viés claramente intervencionista - decorre em grande medida do direcionamento da maior parte das receitas para as chamadas despesas obrigatórias. Válido é lembrar que Previdência e folha salarial de servidores ativos e inativos abocanham hoje mais de 80% do orçamento, deixando pouco espaço de manobra para o gestor público.
    O Leviatã[4] que emergiu do "modelo" consolidado em 1988, e que muitas vezes assume a forma de empreendedor, entrou em colapso, conforme discorrem Musacchio e Lazzarini em "Reinventando o capitalismo de Estado"[5]. Cabe dizer que um Estado reconhecidamente voraz na arrecadação tributária, para fazer face às suas crescentes e pesadas despesas, tende a ter menor sucesso - por melhores que possam ser as intenções - no estímulo ao setor produtivo.
    O modelo embute um paradoxo: a carga tributária de cerca de 35% do PIB, o que inclui encargos sociais e trabalhistas, apesar de ser a mais alta entre os países emergentes e uma das mais elevadas mesmo comparada às nações de maior renda, não é capaz de financiar a máquina estatal, ao mesmo tempo em que representa um lastro para o setor produtivo.    
    A questão dos déficits recorrentes se reverte de um aspecto social perverso, se considerarmos que, quanto maior é o descompasso fiscal, mais dinheiro o governo estará destinando ao pagamento dos juros da dívida pública, comprometendo o aporte de investimentos em áreas essenciais.
    Em 2017, o governo gastou com o pagamento de parte da dívida vencida e dos juros R$ 462 bilhões[6], o equivalente a cinco vezes o que foi gasto com programas de assistência social. Mas, como deixar de pagar a dívida e seus juros está fora de questão - não só pela perda de credibilidade do governo e de confiança no país que isso ocasionaria, mas pelo colapso que geraria no sistema e o efeito devastador sobre toda a cadeia econômica -, a saída racional e mais compromissada com a questão social é justamente equilibrar o orçamento. Esse reequilíbrio  passa, necessariamente, pelas reformas estruturantes em discussão - Trabalhista, Previdenciária, Tributária, Administrativa. Esse conjunto de mudanças simboliza também um novo pacto federativo, diferente daquele de 1988.
    Do ponto de vista do empreendedor, as dificuldades não estão representadas apenas pela forte tributação, mas por um ambiente de intensa burocracia, decorrência direta do maior grau de intervencionismo e dirigismo da máquina pública agigantada que daí resulta.
    Na área tributária, essa burocracia é potencializada pelo grande número de obrigações acessórias que o contribuinte enfrenta no seu dia a dia em meio a um sistema reconhecidamente confuso, o que reforça a necessidade de uma "reforma" que contemple a sua simplificação.
    Para se ter a clara noção desse emaranhado burocrático com o qual o empreendedor e o contribuinte de forma geral se deparam, basta dizer que de 1988 até hoje foram editadas, em matéria tributária, 390.726 normas[7]. Isso equivale a mais de 1,92 normas tributárias por hora, considerando apenas os  dias úteis.
    Nesse período, como sabemos, foram criados inúmeros tributos (alguns já extintos), tais como Cofins, Csll, PIS Importação, ISS Importação, Cide e CIP. Não por outra razão, em 30 anos houve 16 emendas constitucionais tributárias, na tentativa de dar mais racionalidade ao "caos".
    Portanto, a "Carta Cidadã" de 1988, pretendendo promover um Estado social, acabou por consolidar uma máquina dispendiosa e um círculo vicioso na economia, na medida em que a burocracia e a alta tributação são fatores que inibem o setor produtivo, o que acaba se refletindo em baixos índices de crescimento econômico, impossibilitando avanços sociais mais expressivos.
    Em resumo, é esse o contexto econômico, fiscal e administrativo que tem levado à discussão das reformas estruturantes, como a Reforma da Previdência, aprovada esta semana, a Tributária, cujo trâmite e debate já se iniciaram com a Proposta de Emenda Constitucional número 45, na Câmara, e a Proposta de Emenda Constitucional número 110, no Senado, bem como a Administrativa, em gestação.
    O abismo fiscal e econômico no qual a Constituição de 1988 precipitou o Brasil não nos deixa escolha a não ser enfrentar, com racionalidade, o desafio das reformas. O mérito do atual governo será medido pelo empenho em levar adiante essa tarefa, superando imensos obstáculos políticos erguidos, sobretudo, por posições  corporativistas, além de ideológicas, que por essa razão não representam os verdadeiros interesses da sociedade.

Por Nilson Mello*

(*advogado e jornalista, pós-graduado em Economia e em Direito Financeiro e Tributário)



[1] Nota: de acordo com os economistas José Roberto Afonso e Kleber Castro, a carga tributária atingiu 35,07% do PIB em 2018 (o equivalente a R$ 2,3 trilhões), o que significa que, em média, cada brasileiro recolheu R$ 11,9 mil tributos aos cofres públicos no ano passado. Artigo no Website JRRA. Link: https://www.joserobertoafonso.com.br/consolidacao-da-carga-tributaria-afonso-castro/


[2] Nota: O Índice de Desenvolvimento Humano do Brasil é hoje de 0,699, o 73° lugar no ranking mundial da ONU.
[3] Nota: para este ano, a previsão de déficit fiscal primário (descontados os juros) é de R$ 139 bilhões; em 2018, o déficit fiscal foi de R$ 120 bilhões. Para 2020, o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias  (PLOA)  estabeleceu um déficit de R$ 118,9 bilhões. A previsão  de redução de déficit, segundo analistas, é resultado da contenção de gastos discricionários pelo governo,  da perspectiva de relativa melhora das receitas tributárias em função da retomada da atividade econômica e das privatizações.  O Estado de Minas - 30/08/2019. Link: https://www.em.com.br/app/noticia/economia/2019/08/30/internas_economia,1081327/ploa-preve-deficit-primario-de-r-124-1-bilhoes-em-2020-no-governo-cen.shtml
[4] Nota: na obra clássica do filósofo inglês Thomas Hobbes , publicada em 1651, o Leviatã,  inspirado na figura bíblica, é o monstro que se responsabilizará pelo Contrato Social firmado entre governantes e governados.
[5] MUSACHIO, Aldo e Sergio Lazzarini. "Reinventando o capitalismo de Estado - O leviatã dos negócios: o Brasil e outros países". São Paulo, Editora Schwarcz, 2015.
[7] NOTA: Os dados são do IBPT - Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação, em  https://ibpt.com.br/noticia/2683/Quantidade-de-NORMAS-EDITADAS-NO-BRASIL-30-anos-da-constituicao-federal-de-1988.

sexta-feira, 6 de setembro de 2019

Artigo


O caminhão é pesado, mas saiu da inércia



    Os déficits orçamentários anuais que o país enfrenta desde 2014 e a consequente possibilidade de um apagão da máquina pública federal em 2020, por falta de dinheiro em caixa para o custeio - segundo previsões do próprio governo -, reforçam a importância do esforço fiscal e das reformas estruturantes em curso no Congresso.
    Os controles pontuais adicionais que o atual governo se impõe (redução de 1% de seu consumo no segundo trimestre, por exemplo) impedem que a situação hoje seja ainda mais dramática. As reformas, por sua vez, permitem ao país vislumbrar um horizonte mais promissor.
    Dessas reformas deverá advir uma estrutura orçamentária mais saudável, com menos receitas vinculadas e maior disponibilidade de recursos para os investimentos (hoje no menor patamar histórico desde 2009) em áreas essenciais, como educação, saúde, infraestrutura e segurança.
    No modelo orçamentário presente, em que mais de 90% das receitas estão comprometidos com despesas obrigatórias (com forte ênfase em Previdência e salários do servidor público), o orçamento é uma camisa de força que deixa pouca margem de manobra ao gestor.
    Os gastos são pesados, mas não necessariamente de qualidade - algo de que o contribuinte está sempre se lembrando no seu dia a dia em que se depara com precários serviços públicos.
    O déficit primário (despesas acima das receitas) acumulado do governo central alcançará os R$ 535 bilhões este ano. Nunca é demais lembrar que déficits altos significam que o Tesouro tem que buscar financiamento no sistema (ou seja, precisa pegar uma montanha de dinheiro emprestado no mercado) para poder pagar as suas contas, o que o obriga, também, a arcar com uma altíssima despesa com juros - algo em torno de 6% do PIB). Trata-se de um círculo vicioso que, é claro, contribui para aumentar o próprio montante da dívida.
    De 2016 até o final deste ano, as despesas obrigatórias do governo (folha de pagamentos e receitas vinculadas) terão crescido R$ 200 bilhões, segundo projeções oficiais. Não por acaso, as despesas discricionárias, ou seja, aqueles recursos que o governo pode aplicar onde entende que há mais carência ou seja mais relevante, deverão ser reduzidas em R$ 44 bilhões.
    Nos últimos três anos, período de forte retração econômica, com queda acentuada de receitas tributárias, as despesas previdenciárias aumentaram R$ 122 bilhões e o pagamento de pessoal, R$ 66,7 bilhões. O rombo da Previdência deve alcançar R$ 30 bilhões em 2020, já contando com a aprovação da Reforma ora em trâmite e os seus eventuais resultados. Isso tudo a despeito de uma carga tributária da ordem de 33% do PIB, seguramente a mais alta entre os países emergentes e uma das mais altas do mundo. Não há mais como extrair receitas do setor produtivo.
    O razoável, num momento de forte crise como o que vivíamos e ainda vivemos, seria que o governo pudesse segurar despesas com Previdência e salários, para não agravar a situação fiscal, mas o que se viu foi justamente o oposto por força de imposições legais que só as referidas reformas poderão alterar. Nesse processo de aumentos de despesas previdenciárias e com salários, categorias do setor público são privilegiadas em detrimento do interesse da maioria.
    O aumento do déficit não resultou de recursos aplicados em investimentos (política anticíclica), como forma de reverter ou atenuar a recessão. E nem mais este papel de "Estado indutor da crescimento econômico", tão caro aos sociais democratas, o governo pode assumir, tal é a situação das contas públicas.
    Em geral, quem se posiciona contra os ajustes fiscais e as reformas estruturantes - partidos com orientação social e seus seguidores, que acreditam que gastando mais o Estado pode gerar mais bem estar para os indivíduos - esquece-se que, quanto maior for a dívida governamental, mais empobrecida será a população - a não ser que haja capacidade de pagamento, o que não é o caso.
    Esse segmento de opositores associa os ajustes a interesse financistas atrelados a uma "visão neoliberal", mas não se dá conta de que é justamente o setor financeiro o que mais lucra com déficits governamentais recorrentes, enquanto o setor produtivo - que pode investir e empregar em larga escala, gerando mais postos de trabalho e aumento da renda -, o que mais perde.
    Um Estado que gasta em excesso, acima de sua capacidade, mas não é capaz de investir, não gera desenvolvimento sustentável, mas, ao contrário, promove, no longo prazo, a penúria, por melhores que possam ser as intenções - e nem sempre elas são as melhores. O caso extremo da Venezuela está aí para nos servir de alerta: vale ser sempre lembrado, já que muitos ainda não fizeram a lição e preferem comprar ilusões a enfrentar a realidade.
                Apesar de toda esta complexa situação fiscal, decorrente em parte, justiça seja feita, de um arcabouço legal desfavorável, mas também - e é preciso ser honesto quanto a isso - de uma política econômica irresponsável adotada em passado recente (a malfadada nova matriz macroeconômica), a economia brasileira dá sinais de que começa a se recuperar.
    O crescimento do PIB no segundo trimestre do ano foi de 0,4%, conforme anunciado na semana passada. Parece pouco, mas é o melhor resultado para o período em seis anos e o dobro do que havia sido previsto pela média das consultorias econômicas, indicando uma tendência mais promissora.
    Em 12 meses, a alta do PIB é de 1%. Um dado importante: houve crescimento, apesar do menor consumo governamental, com aumento do investimento privado (aumento de 3,2% na comparação dos trimestres e de 5,2%, na comparação com igual período do ano passado), o que traduz maior confiança dos investidores. 
    Os números relativos ao mercado de trabalho também foram favoráveis: depois de 20 semestres seguidos com queda, o número de trabalhadores com carteira assinada voltou a crescer com a criação de 294 mil vagas no segundo trimestre. Este movimento de retomada será retro-alimentado nos próximos meses por outras medidas e adventos, como os leilões da área de petróleo e gás, a aceleração das privatizações e os programas de concessões em diferentes setores.
    Como economia tem muita a ver com expectativas, não há como negar que contribui, para este início de recuperação, entre outros fatores, como juros baixos e inflação controlada, a percepção, por parte dos agentes econômicos -investidores, empreendedores e consumidores - de que o atual governo manterá o seu compromisso com a busca do equilíbrio fiscal, o que implica, por óbvio, não apenas racionalizar e ponderar gastos, mas empreender esforços para que as reformas em curso sejam concluídas e outras, como a administrativa, sejam efetivamente encaminhadas.  
                A imagem de um caminhão que, empurrado, começa a sair da inércia e a se deslocar lentamente pode ser usada para representar a economia brasileira neste momento. O veículo, que havia sido encostado na oficina, após reparos urgentes, já está em movimento. Porém, com bateria arriada, pegou no tranco, e, pesado, ainda deve demorar a ganhar velocidade. O mais importante é que saiu da inércia, e os problemas que causaram a pane foram corretamente identificados e estão sendo passo a passo corrigidos.
    Para que a confiança seja mantida, o governo não pode cair na tentação dos "atalhos fiscais". Qualquer movimento neste sentido, como, por exemplo, a remoção da regra que atrela o aumento dos gastos à inflação do ano anterior, pode frustrar essas expectativas e travar novamente a retomada do crescimento. A mecânica do caminhão já não aguenta mais gambiarra.

* Por Nilson Mello
(Jornalista e advogado, é pós-graduado em Economia e em Direito Financeiro e Tributário)

segunda-feira, 22 de julho de 2019

Artigo



Os patinetes e os juros bancários


    A taxa Selic* caiu mais de 54% de 2016 para cá, mas os juros para os correntistas nos bancos continuam na estratosfera. As instituições financeiras argumentam que não houve transferência dos benefícios da redução para o público devido à alta tributação a que o setor está submetido e aos “custos administrativos”, porém, seus lucros também têm crescido, conforme demonstram seus balanços.
    Onde está o gargalo?
    O gargalo está na concentração do setor: a relação de poucos fornecedores (meia dúzia de bancos, conforme já apontou o ministro Paulo Guedes) para um grande número de demandantes (correntistas) enseja um mercado imperfeito. Mercados imperfeitos, com predominância de oligopólios ou carteis, são, por definição, perversos (Equilíbrio de Nash) -e o prejuízo é sempre do consumidor, do público final.
    Nessas condições de desequilíbrio, quem faz o preço do serviço/produto (no caso dos bancos, o preço do dinheiro, ou seja, o juro) é o fornecedor, e não raro, de forma abusiva, como vemos, porque não há efetiva competição. E por que o setor financeiro é tão concentrado? 
    Uma das principais razões é porque foi excessivamente regulamentado ao longo dos tempos, sob a justificativa de que era preciso “proteger o correntista e o sistema”, o que resultou no desestímulo - ou mesmo no impedimento expresso, devido ao excesso de exigências - ao ingresso de outras instituições no mercado, na contramão do que se pretendia. Sempre que há excesso de regulamentação ou de regulação, quem perde é o consumidor e a sociedade, justamente o objeto da pretensa proteção estabelecida.
    Basta vermos o exemplo das novas regras - ou projetos de leis - que tentam neste momento disciplinar o uso de patinetes no Rio e em São Paulo. Como as novas regras parecem excessivas (ao menos, até aqui), não apenas inviabilizarão um negócio lucrativo, como já está acontecendo na capital paulista - e, para se desenvolver, um país precisa de empreendimentos que gerem lucro** e com ele empregos e renda - como tendem a frustrar a demanda do consumidor por um meio de transporte barato, simples e “limpo”.
    O ativismo estatal e o seu excesso de intervenção no mercado - seja qual for - é contrário ao interesse do cidadão e da sociedade. É oportuno lembrar que o intervencionismo econômico e o dirigismo estatal representam, em seus variados graus, uma linha de ação governamental adotada por partidos e grupos políticos que hoje seguem uma orientação de "esquerda", da social democracia ao socialismo propriamente dito, embora, no passado, aqui mesmo no Brasil, governos e regimes de direita foram fortemente intervencionistas***.
    A tendência das "esquerdas" ao ativismo estatal explica, no grau maior, a hecatombe venezuelana e o colapso do Bloco Soviético e, no grau menor (de intervenção e dirigismo), o “andar de lado” da economia brasileira, com taxas de crescimento medíocres nas últimas décadas e sem grandes avanços  na área social, a despeito do grande déficit governamental.
    Tudo considerado, não é exagero dizer que o Brasil precisa de um choque de capitalismo para gerar desenvolvimento social. Mas de um capitalismo legítimo, de mercado, não o de Estado.

Por Nilson Mello

*A Selic é a taxa básica de juros, definida pelo Copom, o Comitê de Política Monetária do Banco Central. Em linhas gerais, quanto mais baixos são os juros, maior  é o estímulo ao consumo e à economia. Contudo, a redução dos juros depende de um ambiente de estabilidade monetária, sob o risco de descontrole inflacionário.  Se houver forte expansão fiscal (gastos governamentais) e/ou problemas de oferta de mercadorias e serviços, a redução dos juros pode propiciar o aumento da inflação (governo Dilma), fazendo com que a volta do controle da inflação exija, em momentos seguintes, um rigor ainda maior na política monetária, sem que haja garantia de sua eficácia no curto prazo.
** O lucro é a mola propulsora do desenvolvimento econômico, sem o qual não se gera desenvolvimento social. É uma saudável decorrência de um ambiente de maior liberdade econômica. Nos países em que prevalece a maior liberdade econômica (Europa Ocidental, incluindo países escandinavos, Canadá, Japão, Austrália, Nova Zelândia),  os indicadores de desenvolvimento econômico são mais elevados.
*** O governo Geisel, na década de 1970, durante o período militar, foi nitidamente intervencionista e dirigista, embora, evidentemente, não fosse de esquerda. Também durante o período militar prevaleceu o "Conselho Interministerial de Preços", para definir, na contramão das leis de mercado (oferta e demanda), preços de determinados serviços e produtos considerados essenciais para a população.

quinta-feira, 27 de junho de 2019

Artigo


O voo interceptado da FAB
 

     O ato de associar um traficante fardado, travestido de militar - e que a partir de agora será processado, julgado, condenado e expulso da FAB - ao governo Bolsonaro ou, mais que isso, a um esquema de tráfico de entorpecentes gerido pelo círculo presidencial, decorre certamente de uma dessas duas características abaixo (quando não das duas ao mesmo tempo):

     1. Uma total imaturidade política, da qual se desdobra um desconhecimento completo do que seja o funcionamento da máquina pública; 2. Uma leviandade pueril. Ou seja, uma canalhice, mas uma canalhice primária.

    Quando os críticos se atêm a fatos como este, sem qualquer relevância (repito: sem qualquer relevância para o país e o seu futuro), podemos concluir que não estão capacitados para discutir o Brasil de forma séria e madura. E isso é lamentável porque este governo e este país precisam de crítica qualificada.

    Pensar de forma diferente do diagnóstico acima equivaleria a assumir que o governo Bolsonaro não tem falhas nem grandes desafios a superar - o que não é de forma alguma o caso -, e que por essa razão podemos perder tempo com questões secundárias, sem importância.

    Esses aspectos considerados, não devemos descartar ainda uma terceira hipótese, a de que eles - os críticos oportunistas do episódio - dominam, na verdade, as peculiaridades da vida política e entendem perfeitamente o funcionamento da máquina pública, mas, por questões indeclináveis, são adeptos da teoria do "quanto pior, melhor" - o que faz com que a canalhice indicada na opção "2" seja muito maior e nada tenha de infantil.

    Sobre o sargento traficante, é razoável supor que já fizesse isso há muito tempo, e por isso baixou a guarda, sendo flagrado no exagero. Não se deve eliminar a possibilidade de ter sido maliciosamente estimulado a relaxar nos cuidados, por quem tivesse interesse na interceptação.
    Interceptar é um verbo que entrou em moda nas últimas semanas. Sem abraçar uma teoria conspiratória, esta é uma hipótese que também não pode ser eliminada: estava acostumado a fazer sem que ninguém o importunasse no destino - e justamente agora foi flagrado.

    Por fim, deve-se reconhecer que é inadmissível que tripulantes de aviões que servem à Presidência da República - ou a outras autoridades - embarquem suas bagagens sem controle e revista, sobretudo, em voos internacionais. Ainda que os aviões sejam da FAB e os tripulantes, militares - ou justamente por essas duas razões. Uma falha de segurança surpreendente. Mas, como dito de início, esta é uma questão menor diante dos desafios que temos à frente.

Por Nilson Mello

     

   

quarta-feira, 19 de junho de 2019

Artigo


Bertrand Russell e o "Vaza Jato"
 
            As coisas são bem mais simples do que tentam fazer parecer. De um lado você tem o Poder Público brasileiro - Justiça, Ministério Público, autônomo, e Executivo, por meio da Polícia Federal - combatendo e punindo a corrupção, como "nunca antes visto neste país". A eficácia é incontestável, e os robustos valores (bilhões e bilhões de dólares desviados dos cofres públicos) devolvidos pelos malfeitores, agentes públicos e privados, são a maior prova do êxito da Lava Jato.
            De outro lado temos um grupo denominado Intercept que, se utilizando de meios ilegais, espúrios, tenta desacreditar esta vitoriosa estrutura pública de combate à corrupção, sem, contudo, apresentar qualquer prova de que tenha havido manipulação de provas ou outro tipo de irregularidade. Ministério Público, que é, antes de tudo, o Fiscal da Lei, e juízes conversam - e devem conversar - sobre questões processuais e procedimentais.
            o Intercept vale-se de meios ilegais para propagar a sua campanha, mas esse não é o único aspecto a desqualificá-lo. Pela assimetria de suas "revelações", exclusivamente contra àqueles que estão claramente do "outro lado" no espectro político-ideológico - jamais simétrico e imparcial, sempre direcionado, seletivo nas acusações -, o "grupo" não pode gozar de credibilidade, e nem pode ter a pretensão de pautar uma imprensa que se quer livre, democrática.
            Àqueles que, por desejo ideológico, por automatismo dogmático, quase um fundamentalismo religioso, gostariam de ver as acusações do site do Sr. Greenwald lograr êxito, convém repetir os ensinamentos de Bertrand Russel, um dos maiores filósofos e pensadores do nosso tempo:
            "Quando estiver estudando um assunto, pergunte a si mesmo, somente, quais são os fatos e o que os fatos revelam. Nunca se deixe levar por aquilo que você gostaria de acreditar e por aquilo que acha que traria benefícios às crenças sociais que você compartilha".
            O fato é que a Lava Jato é um marco no combate à corrupção no país, uma mudança de paradigma na trajetória republicana. Foram legalmente processados (e continuam a ser) e punidos políticos de diferentes partidos, além de empresários, banqueiros, advogados, funcionários públicos. A crença (dogmática, religiosa), que turva o fato e compromete o exame isento da realidade, é de que a Lava Jato serviu a um "golpe" para afastar do Poder um partido e colocar na cadeia o seu principal líder, o "semi-Deus".
            Contudo, este líder era corrupto, e o seu partido arquitetou e colocou em marcha um gigantesco esquema de desvio de dinheiro público, oportunamente desbaratado pelo Ministério Público e punido pela Justiça. Este é o fato que o Intercept não conseguirá mudar, ainda que, criminosamente, se utilize de meios espúrios para propagar ideologia travestida de notícia.

Por Nilson Mello