Índices de aprovação e de
reflexão
O Leviatã de Hobbes
A democracia como forma de
governo não se opõe necessariamente a um modelo totalitário. Para aqueles que
acham que uma ditadura daria cabo dos desarranjos da democracia brasileira,
sobretudo da estarrecedora corrupção, eis aí um falso alento que tem tomado vulto. (Como se as ditaduras
não pudessem também ser corruptas!).
Com efeito, há democracias
institucionalizadas em que sobra pouco espaço para a liberdade e as garantias
individuais. Nelas, o cerceamento ao cidadão se constrói de forma paulatina e
sutil, sem ofensas às
Leis.
Na verdade, essas “ditaduras
democráticas”, com
licença para a contradição em termos, se estruturam com o amparo da Lei, por meio
da sujeição do Legislativo às imposições do Executivo, pelo conluio entre ambos
e, claro, a partir da domesticação do Judiciário e demais instâncias de Poder.
O Equador é um exemplo bem
próximo e atual. A Venezuela é menos sutil, mas igualmente emblemática. Nessas “democracias”
heterodoxas, o Estado assume um papel orientador e tutelar crescente, suprimindo
a autonomia da vontade. Em grau menor, ainda muito menor, mas perceptível no nosso
cotidiano, o ativismo estatal brasileiro
embute esse viés.
A concepção liberal, que
ganhou forma no século XVII
e foi projetada pelo romantismo filosófico do século XIX,
vislumbrava um indivíduo bem formado e informado e, por essa razão, cônscio de
suas obrigações. Um
indivíduo que poderia
prescindir do Leviatã de Hobbes – ou reconhecê-lo, mas com funções reduzidas. Um indivíduo capaz de
cumprir seu papel livre
de tutela. Uma sociedade justa e próspera emergiria da soma da conduta
responsável de seus cidadãos.
A concepção liberal, ou
seja, a idéia de autonomia da vontade, que pressupõe responsabilidade, e que
afasta a mão autoritária, continua boa em tese, mas tem falhado muito nos seus pressupostos:
a educação no sentido estrito; a formação no sentido amplo. Daí o flerte de
muitos com o autoritarismo, dando razão a Hobbes. Daí também o progressivo
domínio da sociedade pelo Estado.
Educação e formação têm estado sempre aquém dos
desafios éticos e morais que as sociedades enfrentam. O “imperativo categórico”
tornou-se obra de ficção. Não se sabe mais onde está a ética e a moral. Não se
sabe mais o que é ética e moral.
O Brasil está sendo bem
conduzido? As pesquisas de opinião dizem que sim. Na verdade, as pesquisas de
opinião indicam que a maior parte da população acha que sim. Os índices de
aprovação do governo são impressionantes.
Nada garante, contudo, que a
opinião expressa pela maioria é construída com base no adequado senso crítico e
na efetiva capacidade de reflexão. Não, não se trata de ser contra a maioria, ou
contra pesquisas de opinião. Nem de particularizar a questão, de procurar
desmontar eventuais êxitos deste ou daquele governo, de minimizar possíveis
méritos. O que importa é salientar que essa opinião consolidada para uso
estatístico não decorre de elevado grau de educação e formação.
Altos índices de aprovação,
quando aferidos junto a um público de precária formação, de baixa escolaridade,
tendem a mascarar a realidade - e a estimular um ciclo vicioso. Legitimam o que
seria ilegítimo e abrem espaço para o autoritarismo. Perpetuam uma situação em
que o Estado hiperativo orienta, conduz e tutela os indivíduos, ao invés de ser
uma genuína expressão da sociedade, e seu instrumento de ação, dentro dos
melhores ideais liberais.
Nota: Culturas evoluídas também sucumbiram ao
totalitarismo, com resultados tenebrosos. Assunto para outro
artigo.
Por Nilson
Mello