sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Artigo

Um novo ministério
 
Interesses partidários moldam a máquina pública
 
     Bom seria se não precisássemos nos ocupar tanto do governo. Que tivéssemos outros assuntos. Mas o protagonismo errático de nossos dirigentes joga o intuito por terra. Novo ministro da Ciência e Tecnologia, já nomeado pela presidente Dilma Rousseff, Aldo Rebelo, que deixou a pasta dos Esportes, acha que “inovação não pode significar perda de postos de trabalho”. Já nomeado para a Educação, o ex-governador do Ceará Cid Gomes acredita que professor deve “trabalhar por amor”, ou seja, não precisa ganhar bem e nem deve se preocupar com salário.
Não se tem notícia ainda de declarações emblemáticas de Eduardo Braga, ex-governador do Amazonas, nomeado para o Ministério das Minas e Energia, ou de Eliseu Padilha, escolhido para assumir a Secretaria Especial de Aviação Civil, sobre as suas respectivas pastas, mas é certo que nenhum dos dois é especialista na área que comandará. Entre os outros nove nomeados esta semana para o Ministério do segundo mandato, alguns até são técnicos, mas de pouca expressão porque igualmente definidos nos quinhões político-partidários.
Sejamos realistas, ministros até não precisam ser técnicos – às vezes é bom que não o sejam, para não perder a dimensão estratégica de seu Ministério. Mas é recomendável, ao menos, que tenham uma biografia, uma trajetória profissional que os credencie para a missão. Que sejam de expressão, qualificados, comprometidos com objetivos mais elevados e não com os interesses de seus partidos.
Hoje o loteamento é levado às últimas consequências em nome de uma “governabilidade” canhestra, executada à custa do desenvolvimento do país. Dá-se à prática, eufemisticamente, o nome de “presidencialismo de coalizão”. A cada novo governo, mandato ou reforma ministerial assiste-se a  nova rodada de esquartejamento da máquina pública federal. O padrão se repete nas esferas estadual e municipal. O “resultado” é a descontinuidade das políticas de Estado, ou a adoção de programas equivocados, com a eternização de nosso atraso, em especial na área social.
     O efeito inexorável da inovação tecnológica é a progressiva e programada (a partir do estabelecimento de prazos que permitam o treinamento e a alocação de mão de obra em outros setores) perda de postos de trabalho em determinado segmento econômico. A vantagem da inovação, contudo, é extraordinária porque ela propaga a eficiência para toda a economia, melhorando o seu patamar de atividade, multiplicando investimentos e oportunidades, diversificando negócios e relações comerciais e, assim, criando uma nova gama de funções e postos de trabalho de forma sustentável, com benefício para toda a sociedade.
Inovação agrega valor à economia, o que é determinante para o aumento da renda. Não se trata, portanto, de uma questão de escolha. Ou segue-se este caminho ou fica-se condenado ao atraso, eternamente dependente do desenvolvimento tecnológico de outras nações, sujeitando-se, por consequência, aos seus interesses.
Algum assessor deveria tentar explicar ao ministro Aldo Rebelo que não se faz inovação pela metade. Mas o voluntário deve estar ciente de que o novo titular da Ciência e Tecnologia talvez prefira não entender. Se no passado era a religião a maior barreira ao conhecimento, hoje é a ideologia que faz este papel, encobrindo a verdade ou distorcendo a realidade. Aliás, que combinação diabólica domina o Brasil hoje: o retrocesso ideológico associado ao mais vil patrimonialismo manejado pelos agrupamentos partidários.
Rebelo ao menos tem a sua “bengala”. A sua desculpa é a ideologia. E o que dizer do ministro Cid Gomes? Como justificar a defesa que fez dos baixos salários dos professores? Estupidez pura e simples?

Por Nilson Mello
    




sexta-feira, 19 de dezembro de 2014


Cuba, os EUA e os portos brasileiros
Porto de Mariel, em Cuba: dinheiro brasileiro
 

     Apesar do novo marco regulatório do setor - a Lei 12.815, sancionada em junho de 2013 -, os terminais portuários brasileiros seguem congestionados, elevando os custos para a combalida cadeia produtiva nacional e comprometendo a já baixa produtividade da economia brasileira. As raras exceções são os empreendimentos privados mais recentes, mas mesmo esses têm sua eficiência em parte eliminada pelas precárias interconexões rodoviárias e ferroviárias ou devido à falta de dragagens nos canais marítimos.

Navio parado na “fila” à espera de atracação, como ocorre no Brasil, é sinal de ineficiência – e prejuízo certo. Enquanto nos principais portos do Mundo um navio leva menos de duas horas para embarcar e desembarcar, no Brasil um navio chega a ficar dias à espera da atracação, gerando atrasos em cascata, que subvertem o planejamento logístico e jogam os custos para a estratosfera.

A nova Lei dos Portos, como é conhecida, até eliminou obstáculos que travavam os investimentos (condição para a expansão do setor), como a absurda obrigação imposta aos terminais privativos de movimentar carga própria de forma preponderante – o que, evidentemente, afastava grande parte dos investidores. Ora, se minha razão de ser é a logística portuária, movimentando cargas de terceiros, não posso ter carga própria de forma preponderante, a não ser que deixe de ser o que sou.

A “armadilha”, criada, evidentemente, para resguardar mal disfarçadas reservas de mercado (em especial, a dos terminais públicos arrendados, que teriam que enfrentar novos competidores com uma concorrência ampla e aberta, algo bom para o país, mas ruim para eles), impediu durante longo tempo que uma nova leva de aportes fosse feita em terminais privativos nacionais.

Desfeito este nó, cujos resultados ainda demorarão alguns anos para aparecer, outras barreiras, contudo, sobreviveram ao novo marco regulatório – ou, o que é muito pior, vieram junto com ele. Entre elas estão as elevadas e descabidas exigências de licenciamento para a expansão de terminais já existentes ou as restrições para a ampliação de empreendimentos dentro do Porto Organizado (Porto Público).

É como se o governo acertasse (?) pela metade, anulando eventuais benefícios de suas próprias iniciativas. Não se trata apenas de “determinismo ideológico” – algo que por si só afasta dos gabinetes de Brasília qualquer vestígio de racionalidade econômica -, mas de incompetência pura e simples.

Além de afastar os entraves burocráticos remanescentes, permitindo o aumento significativo dos investimentos privados no setor portuário (algo que está no espírito da Lei 12.815/2013), o governo deveria se ocupar de, paralelamente, investir na melhoria dos acessos terrestres aos terminais. As “filas” de navios e, consequentemente, a ineficiência dos portos são também reflexo do sucateamento da infraestrutura em seu entorno.

Onde Cuba e Estados Unidos entram nesta história? Bem, o Brasil financiou, via BNDES, a construção do porto cubano de Mariel. A obra custou cerca de US$ 1 bilhão – com aproximadamente de R$ 90 milhões dados pelo Brasil a fundo perdido (sem nada em troca). Não se tem notícia de nenhum terminal brasileiro, público ou privado, que tenha recebido aporte tão generoso. Um bilhão de dólares resolveria todos os entraves estruturais – melhoria dos acessos rodoviário e ferroviário e integração intermodal - no Porto de Santos, o maior da América Latina e por onde passa um quarto da balança comercial brasileira.
    Agora que Cuba e Estados Unidos reatam relações, o governo mobiliza a sua propaganda para justificar o investimento em Mariel como uma bem urdida estratégia para se beneficiar do provável fim do embargo comercial à Ilha dos irmãos Castro. Potencialmente, e em tese, o fim do embargo, quando acontecer (pois ainda depende de uma decisão do Congresso americano), pode beneficiar o intercâmbio comercial de todas as nações do planeta com Cuba. E, ainda assim, apenas potencialmente, porque por mais que a demanda na ilha caribenha esteja reprimida, o aumento das transações comerciais depende de uma série de variáveis de mercado.

Navios das rotas internacionais não farão escala em Cuba apenas porque lá tem um novíssimo porto. Não é esta a lógica econômica que determina os negócios. Mas, ainda que tudo dê certo no curto prazo para os cubanos, como esperamos, o Brasil terá sido o único país a pagar US$ 1 bilhão por aquilo que todas as nações terão sem desembolsar um centavo: o direito de livre comércio com a ilha caribenha. Vai entender!

Por Nilson Mello

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Em tempo

Comentário de Leitor - "Seu artigo sobre a meia-verdade é excelente. Tanto mais que você está corajosamente abordando um enfoque que está na moda ser considerado "politicamente incorreto".  
Pena que as novas gerações estejam totalmente desinformadas sobre o que realmente aconteceu" - Henrique Flanzer, engenheiro.

Verdade - A entrevista do criminalista José Paulo Cavalcanti Filho, publicada no Estado de S. Paulo desta segunda-feira (15), confirma o artigo de sexta-feira passada (A Verdade) do Blog Meta Mensagem: a Comissão Nacional da Verdade apresentou apenas um lado da história em seu Relatório final entregue à Presidente da República. Membro da Comissão, Cavalcanti afirma que sempre defendeu que as vítimas dos grupos da esquerda armada também fossem relacionadas, mas sua posição não prevaleceu. A entrevista está no link que segue abaixo:


 


sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Artigo

A verdade

O relatório final da Comissão Nacional da Verdade listando 377 agentes públicos acusados de crimes contra a humanidade – a grande maioria deles ocorrida durante a ditadura militar, anos 1964-1985 – e atestando que a tortura foi, naquele período, uma “política de Estado” nos impõe algumas reflexões em torno de quatro eixos.
O primeiro deles diz respeito à equiparação genérica dos personagens listados, levando em determinados casos a acusações superficiais e não individualizadas, o que, em parte, compromete a isenção e, portanto, a credibilidade do próprio relatório.
Apenas para ficar num exemplo: o ex-presidente Ernesto Geisel e o ex-ministro Golbery do Couto e Silva, artífice e executor, respectivamente, do processo de redemocratização não poderiam estar no mesmo patamar do carcereiro que, protegido pelo Estado de Exceção, deu vazão à sua natureza perversa na clandestinidade dos porões do regime.
Geisel e Golbery lideraram, no embate contra os radicais, a contenção dos excessos, como atestam autores independentes (entre os quais se destaca Elio Gaspari). Se contribuíram para estruturar o “regime”, foram decisivos no seu desmonte. Como colocar tudo num mesmo saco? Onde está o rigor indispensável a um documento que se pretende de valor histórico?
O segundo eixo de reflexão deve considerar o paralelo com os dias de hoje. A despeito da redemocratização e de Leis supervenientes que garantiram aos cidadãos amplas garantias em face do poder coercitivo do Estado, os abusos - tais como torturas de presos, prisões ilegais, condições carcerárias desumanas - seguem acontecendo.
Por conta dessas mazelas que o Estado Democrático de Direito pós-Constituição de 1988 ainda não foi capaz de estancar seria correto listar os presidentes e ministros do período que se seguiu à redemocratização por violação dos direitos humanos e colocá-los no mesmo hall do policial envolvido em umas das inúmeras chacinas que são rotina em nosso noticiário? Parece claro que não.
O terceiro eixo de reflexão reforça o segundo e o primeiro. Regimes autoritários como o que se instituiu num crescente a partir de 1964 são deploráveis e devem ser evitados – e o melhor caminho para tanto é a defesa incondicional das instituições democráticas. Porém, se o principal objetivo da Comissão Nacional da Verdade é o resgate da, digamos, verdade histórica, com a reconstrução dos acontecimentos, faltou a correta contextualização do período 1964-1985.
Aqueles que empunharam armas contra os governos militares que se estabeleceram a partir de 1964 lutaram não por uma democracia como a que temos hoje, mas para instituir um regime igualmente autoritário, apenas de orientação marxista, como também atestam autores isentos, como Jacob Gorender (“Combate nas Trevas”). Se o regime era ditatorial, os seus oponentes também o eram, com a diferença de seguir doutrina diversa. Neste aspecto, seria preciso analisar o período militar como efeito, e não apenas como causa.
Uma comissão da Verdade teria por obrigação considerar esse contexto, revelando a violência cometida pela “esquerda armada”. É claro que hoje, décadas após o fim da Guerra Fria e o colapso dos regimes comunistas, tudo isso parece ficção. Contudo, foi uma história bem real, e caberia à Comissão Nacional da Verdade resgatá-la com todas as suas contradições, se o objetivo era, de fato, a reconstrução da história.
A omissão pode ser explicada pelo quarto eixo da reflexão, que está relacionado aos nomes que compuseram a Comissão, não totalmente isentos porque de alguma forma associados ao lado que foi combatido pelo regime. Uma comissão formada por historiadores, cientistas políticos e juristas independentes teria, certamente, produzido resultado final mais rico e contextualizado.
A maior parte do relatório final da Comissão é, de fato, verdade. Mas é apenas parte da verdade. E, do ponto de vista histórico, a meia verdade pode ser quase tão nociva quanto a mentira.

Por Nilson Mello

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Anote


Irresponsabiilidade fiscal - Não existe dinheiro público. O que existe é dinheiro do contribuinte, que deve ser administrado com responsabilidade pelos agentes públicos e governantes. O Estado não produz riquezas. Quem produz riquezas são os indivíduos, as famílias e as empresas, nas suas atividades regulares. O Poder Público deve satisfação à sociedade pelo que faz com os tributos que arrecada. O Estado não tem o direito de ser perdulário. Ele deve servir à sociedade, e não se servir dela. Para quem acha que no Brasil o contribuinte ainda é tratado como súdito (o que é uma verdade insofismável) vale a pena assistir ao filmete no link abaixo.

 
 
 

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Artigo


A mudança de rumo
Levy tem como missão melhorar a gestão dos gastos públicos

Os 54,4 milhões de brasileiros (51,64% dos votos válidos) que votaram na presidente Dilma Rousseff no segundo turno da eleição presidencial deste ano têm o direito de se sentir traídos com a escolha da nova equipe econômica, sobretudo a de Joaquim Levy para comandar a Fazenda. Podem até cobrar explicações pelo engano a que foram induzidos (é o tal negócio, por que não se informaram melhor sobre a situação do país, não é mesmo?). De qualquer forma, não devem ficar pessimistas. Ao contrário.

Quando a candidata e o seu partido afirmavam – não apenas na campanha, mas ao longo dos quatro anos do governo iniciado em 2010 - que ia tudo bem na economia estavam, na verdade, mentindo. Do contrário, não seria preciso uma guinada de 180º agora. Deveriam pedir desculpas aos brasileiros.

Os que votaram em Aécio Neves - cerca de 51 milhões de eleitores - podem se sentir aliviados. E comemorar. Se a economia caminhava para um colapso de difícil reversão, ou reversão lenta e a um altíssimo custo, por conta da inflação elevada, do baixo crescimento e da degradação das contas públicas (variáveis que, claro, têm íntima relação de causa-e-efeito entre si), as perspectivas começam a melhorar. Eis aí um promissor estelionato eleitoral.

Não é o primeiro. Luiz Inácio Lula da Silva também não fez o que prometia na economia quando foi eleito em 2002. Manteve distância do que o PT sempre preconizou para a área econômica. Ao assumir, em 2003, deu sequência ao programa do PSDB e com ele, ou graças a ele, chegou ao segundo mandato. Jamais reconheceu a (bem-vinda) incoerência ou renegou o plano anterior, talvez cinte de que a maioria do eleitorado não se daria conta do “truque” ou não se importaria com ele.

Convenhamos, se o PT continuar a fazer na economia tudo diferente do que pregam seus economistas e ideólogos, estaremos a salvo.

Com Levy oficialmente anunciado e prometendo metas factíveis de superávit em 2015, diante do estrago apresentado em 2014, o mercado financeiro já deu sinais de otimismo esta semana. Racionalidade econômica conduz ao equilíbrio fiscal e garante ambiente mais seguro para os investidores. São pressupostos para a estabilidade e o crescimento sustentável, algo agora assumido pela presidente reeleita, a despeito de ter feito tudo contrariamente a esses princípios durante quatro anos.

Doutor pela Escola de Chicago e, portanto, identificado com o pensamento liberal e a ortodoxia no trato das contas públicas, Levy é a personificação da mudança de rumo – o “Mãos-de-Tesoura” que as circunstâncias exigem. O eixo da política econômica voltará a ser a responsabilidade fiscal, com melhor gestão dos gastos, visando à reconquista da credibilidade. Então, os eleitores de Dilma podem até se revoltar, mas que se revoltem contra a governante, o governo e o partido que os ludibriou durante quatro anos e que encurralou a economia do país.

Por Nilson Mello

Em tempo:

A questão agora é saber se Joaquim Levy e a nova política econômica resistirão às pressões do PT e ao próprio protagonismo da presidente da República. A hipótese de o novo ministro ser afastado às vésperas de 2018, dando lugar novamente ao neopopulismo, após sanear as contas públicas, também não é de toda remota.

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Artigo

O Legado

Neste período de transição para o segundo mandato, começa a haver consenso nas áreas técnicas do próprio governo de que não se cresce com inflação e que o seu efetivo controle pressupõe uma política fiscal mais responsável, com redução significativa de despesas.

Teria sido esse, aliás, o principal ajuste aludido pela candidata Dilma Rousseff durante a campanha, quando a sua vitória ainda era incerta.

Se confirmado o diagnóstico otimista do primeiro parágrafo, os mais refratários, quando o assunto é austeridade, precisarão reconhecer que a tarefa de conter o aumento dos preços não pode ser uma batalha solitária da política monetária – a política de juro, a cargo do Banco Central.

Até porque, quanto mais isolado estiver o BC, como ocorreu nos últimos tempos, maior será o custo desse esforço, representado por novas rodadas de aumento da Selic (a taxa básica) e/ou sua manutenção em patamares elevados. Já foi dito aqui que juro alto é sintoma e “remédio” ao mesmo tempo.

É sinal de que há uma disfunção na economia, ou seja, demanda por bens e serviços maior do que a capacidade de oferta, pressionando os preços. E é também um instrumento (a medicação) para reverter esse descompasso. Está claro que juro muito alto é tão nocivo quanto a inflação, em determinados casos até mais prejudicial. Mal necessário.

Aqueles que diziam – e foram muitos dentro do governo a fazer isso – que a inflação no Brasil tinha causas externas estavam simplesmente mentindo. O Brasil é uma das economias mais fechadas do mundo e, portanto, a variação de seus preços tem essencialmente causas internas.

Não faz sentido manter os impulsos fiscais de um lado, como vem fazendo o governo – na crença de que eles ativam o consumo e aceleram o crescimento –, enquanto que, na outra frente, a monetária, o BC “enxuga gelo”, puxando os juros para cima. A esquizofrenia na política econômica chegou ao limite, sem qualquer resultado.

Havendo consenso de que é preciso ajustar a política fiscal, o problema passa a ser definir o que cortar, uma vez que a maior parte do orçamento da União está comprometida com as receitas vinculadas, constitucional e legalmente determinadas.

A propósito, qualquer reforma de fundo no Brasil deve procurar desatar essa camisa-de-força, uma vez que ela compromete a capacidade discricionária do gestor público e as próprias políticas de Estado. Mas esse é um debate de longo prazo, dada a sua magnitude e os obstáculos políticos inerentes. As medidas emergenciais não podem esperar reformas estruturantes.

Então, o que é possível cortar de um ano para o outro? Os investimentos não podem ser cortados, ao menos não significativamente. Eles são imprescindíveis para a retomada do desenvolvimento (sobretudo se considerarmos que o setor público já investe muito pouco, apenas 3% do PIB), bem como para o aumento da produção e da produtividade, algo que, paralelamente, também contribui para o combate à inflação na medida em que reduz o descompasso entre demanda e oferta.

Restam, portanto, as despesas de custeio, o que incluem as destinadas à manutenção dos serviços criados anteriormente à Lei Orçamentária do ano em questão e que correspondem às de pessoal, de material de consumo, de serviços terceirizados e de gastos com obras de conservação e adaptação de bens imóveis, entre outros.

Não é tão difícil assim fazer cortes de custeio, mas a tarefa exige critério técnico e, claro, vontade política. Terá o novo governo Dilma Rousseff esses dois predicados? Muitos cargos comissionados (pessoal carreado, em levas, para o governo central sem concurso e por isso sem estabilidade) teriam que ser eliminados. No curto prazo, trata-se de uma providência prioritária para a aguardada retomada da credibilidade.

Mas esses cortes por si só talvez não sejam suficientes. O reequilíbrio implicaria, então, um aumento da tributação. Não é por outra razão que a volta da Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) sobre os combustíveis e da CPMF já é dada por muitos especialistas em contas públicas como certa.
O segundo mandato começaria então com juro elevado e, apesar dele, inflacão alta; e, ainda, rombo nas contas externas, dólar em subida aspiral (em parte por conta da perda de confinaça), desequilíbrio fiscal e, por força da necessedidade de arrumar a casa, mais tributos.

Que legado, hein presidente eleita! Até o número de miseráveis no país voltou a aumentar, conforme dados da semana passada, e a despeito da disseminação do Bolsa Família.  Não há desenvolvimento social perene sem crescimento econômico sustentável, o que pressupõe equilíbrio fiscal.

Por Nilson Mello


Sobre o ajuste indispensável, vale a leitura dos artigos “A qualidade do ajuste fiscal”, de Bernard Appy (ex-integrante do governo), e “A presidente em seu labirinto”, de L.C. Mendonça de Barros, que podem ser acessados pelos dois links abaixo.
Links para os Artigos indicados:



sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Artigo


Por partes, como Jack, o estripador
 
     A senadora Marta Suplicy deixou o Ministério da Cultura esta semana atirando contra o governo e criticando aquilo que considera uma má gestão dos assuntos econômicos. Adotando tom irônico em sua carta de renúncia, fez votos para que a presidente reeleita reconduza - no mandato que se iniciará em janeiro - o país a um ambiente de “crescimento sustentável”, algo que, definitivamente, não ocorreu na atual gestão.
Marta Suplicy foi a ministra que, em 2007, à época titular da pasta do Turismo, recomendou àqueles que enfrentavam as intermináveis filas nos aeroportos nacionais que “relaxassem e gozassem”. As filas com certeza não melhoraram de lá para cá e a própria autora do conselho, a julgar pelas suas palavras de despedida de Brasília, percebeu que é impossível chegar ao, digamos, “clímax” quando tudo no entorno se deteriora, a começar pelos indicadores econômicos e sociais.
A mudança da postura debochada de então para a assertiva contundente de hoje não deixa de ser algo a ser comemorado por todos, mesmo por aqueles que jamais votaram na senadora.  As urnas mostraram que ao menos metade dos eleitores e cidadãos está farta da retórica e quer resultados.
 O fato de um ministro só apresentar a sua carta de demissão e vir a público reconhecer o fracasso do governo do qual fez parte quando já sabe que não participará da nova equipe não deixa de ser curioso. Oportunismo? Dizem que Marta Suplicy deixará o PT e irá para o PMDB como candidata à Prefeitura de São Paulo. Alguma diferença, entre os dois partidos hoje?
Outro que também se rebelou, porém, de forma mais reservada, contra o governo do partido que lhe garantiu a projeção que o mérito até então não fora capaz de proporcionar foi o ministro do Supremo Dias Toffoli. Informa a coluna Radar On Line desta sexta-feira que, em jantar com senadores na casa do presidente do Senado, Renan Calheiros, Toffoli fez duras críticas às manobras promovidas pelo governo para escapar ao cumprimento das metas fiscais. Outra evolução a ser reconhecida.
Em relação à Lei de Responsabilidade Fiscal podemos dizer, agora, sem incorrer em qualquer injustiça ou ser leviano, que a presidente Dilma Rousseff e a sua equipe econômica, em especial o ministro Guido Mantega, mentiram ao ter repetido ao longo do ano e, de forma mais categórica, durante a campanha eleitoral, que a meta de 2014 seria cumprida.
Cinco dias apenas após as urnas serem abertas, o governo admitiu que a meta fiscal do ano não seria alcançada e o superávit primário – economia para pagar juros da divida pública –,  abandonado. A mensagem com a alteração da Lei Orçamentária já foi encaminhada ao Congresso, o que deve rendar uma rodada extra de negociações dentro do modelo do “toma-lá-dá-cá”. Ora, seria muita ingenuidade achar que o Congresso não tentará tirar o maior proveito da situação de fragilidade do governo nesta questão.
O pior cenário é o que Dias Toffoli esboçou na reunião com os senadores. Se nem o governo central cumpre as metas que estabelece, por que estados e municípios o fariam? Como bem lembrou o ministro, o descumprimento da meta de 2014 pode significar, na prática, o inicio do fim da Lei de Responsabilidade Fiscal, um dos pilares da era do real. O governo que já havia conseguido a proeza de combinar inflação – hoje superando o teto do regime e beirando os 7% - com baixo crescimento do PIB (provavelmente 0% no ano) alcança agora mais este “feito”.
Um dado que comprova o grau de estagnação a que economia chegou foi divulgado hoje: as montadoras de automóveis, “xodó” do governo nas irresponsáveis desonerações fiscais e nos impulsos ao crédito, já demitiram mais de 12,6 mil trabalhadores este ano. Se um setor que conta com as benesses do “capitalismo de estado” do PT dá sinais nítidos de degradação, o que dizer dos segmentos que precisam sobreviver exclusivamente de sua competitividade e eficiência em meio a um ambiente econômico instável e incerto.
Em seu discurso de vitória, a presidente Dilma Rousseff afirmou que a economia estava, de fato, precisando de ajustes, sobretudo na área fiscal, e que o rigor no combate à inflação não seria abandonado. Mais uma curiosidade: até as eleições, a propaganda nos fazia crer que tudo ia bem, e que os eventuais percalços tinham causas externas.
Muito bem, reconhecidos os problemas, o que se esperava, a partir de agora, era o esboço de uma reforma ministerial profunda, de preferência com redução do número de pastas. E feita a partir de nomes de reconhecida competência, capazes de devolver a credibilidade que o governo perdeu e da qual tanto precisará para combater a inflação e fazer o país voltar a crescer – como candidamente pediu Marta Suplicy em sua carta.
Mas, contrariando o discurso inicial – numa incongruência que se tornou sua marca nesses quatro anos - eis que ontem a presidente voltou a dar sinais de indecisão e, parodiando Jack, o estripador, disse que fará “uma reforma por partes”, como se os problemas do Brasil não tivessem mais tanta urgência.
Por Nilson Mello

sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Artigo

Currais eleitorais?



     A vitória do governo no Nordeste no segundo turno da eleição presidencial por larga margem de diferença (mais de 70% dos votos válidos) nos obriga a reconhecer o impacto dos programas de inclusão social, em especial o Bolsa Família. O diagnóstico vale também para o Norte e para estados de regiões mais ricas onde a candidata da situação também saiu vencedora.
A significativa distância que separa os mais pobres dos mais ricos no Norte de Minas e nos vastos bolsões de baixa renda do Rio de Janeiro, principalmente nas comunidades carentes da Região Metropolitana, foi, como sabemos, igualmente um fator determinante. Claro que onde há baixa renda, há menos escolaridade e, consequentemente, mais possibilidade de manipulação. Mas isso nem é o que importa na presente reflexão.
Ainda que o PT tenha transformado tais ações sociais em instrumento de um assistencialismo reprovável, dado o viés demagógico e o pragmatismo político a elas associados, o fato é que, num país tão desigual como o Brasil, programas de inclusão não são apenas importantes, mas indispensáveis pelo seu caráter humanitário. Como fomos capazes de deixar um contingente tão grande de brasileiros sobrevivendo em condições indignas por tanto tempo?
O PT e este governo que agora se prepara para um difícil segundo mandato não devem ser criticados pelo Bolsa Família ou por seus congêneres. Programas de inclusão social são uma obrigação moral de governos no Brasil. A propósito, não se tem notícia de que o PSDB de Aécio Neves, criador do Bolsa Escola,  seja contrário a essas iniciativas.
A crítica que o PT e o atual governo devem merecer é pelo fato de não terem feito muito além disso. E também por terem desarmado o que vinha funcionando. Programas sociais são um paliativo e como tal devem ser transitórios. Quando se tornam ação política a ser expandida por longo prazo e a perder de vista, algo há de errado – de muito errado.
Governos realmente comprometidos com a sociedade devem dar aos programas sociais um prazo de validade, uma vez que a sua expansão e longevidade são atestados do próprio fracasso do Estado. Ou seja, se tudo está correndo bem os programas de inclusão social são paulatinamente reduzidos. Se, ao contrário, são massivamente ampliados, é sinal de disfuncionalidade.
Em 12 anos de “gestão” – dois mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva e um de Dilma Rousseff – os governos do PT falharam em duas frentes fundamentais: na economia, onde não garantiram a permanência de parâmetros que vinham dando certo, coma a responsabilidade fiscal (desarmaram o modelo); na educação, onde não promoveram a revolução da qual o Brasil precisa. (Deixemos de lado por ora o problema da corrupção, haja vista o seu DNA nacional e multipartidário).
O Japão do século XIX e a Coreia do Sul do século XX eram países com grandes contingentes de analfabetos que viriam a se tornar gigantes tecnológicos e industriais num prazo de duas décadas (o que propiciou um extraordinário aumento da renda de seus cidadãos) graças aos investimentos em educação. Por que não tê-los como paradigmas é uma questão que permanece sem resposta.
É uma falácia dizer que as ações sociais e as medidas “anticíclicas” (estímulos fiscais e de crédito para atenuar efeitos de uma crise internacional que, a rigor, há muito já se foi) justificaram ou justificam os excessivos gastos públicos. A irresponsabilidade na “gestão” das contas governamentais estimulou a inflação, agora mais difícil de debelar.
Teria sido possível dar sequência aos programas sociais com mais eficiência, não fosse a notória irresponsabilidade fiscal. Sem uma economia forte e crescimento sustentável, até o Bolsa Família estará um dia comprometido. Se isso ocorrer, o governo – seja lá qual for – terá perdido então o instrumento com o qual, na base do assistencialismo, fomenta “currais eleitorais”. Mas, se chegarmos a este ponto, o retrocesso será de tal ordem que nem a oposição terá motivos para comemorar.

Por Nilson Mello
    

terça-feira, 28 de outubro de 2014

Comentários do dia

Discurso de vitória - Em seu discurso de vitória na noite de domingo e ontem em entrevista ao Jornal Nacional, da TV Globo, a presidente reeleita Dilma Rousseff garantiu que, no seu segundo mandato, a partir de janeiro, será intransigente no combate à inflação e não deixará "pedra sobre pedra" nos esquemas de corrupção envolvendo o governo, em especial o que tomou de assalto a Petrobras. Será, portanto, um governo bem diferente do primeiro.

Dilma Rousseff prometeu ainda diálogo franco e aberto com o Congresso e todos os setores da sociedade, afirmando - acertadamente - que deve procurar fazer um governo de união, para todos os brasileiros. 
Este Blog torce para que a presidente reeleita cumpra todas as promessas e faça uma ótima gestão, a despeito das grandes dificuldades que encontrará na economia, haja vista a herança (esta, sim!) "maldita" que produziu como legado para si própria. 
Obs: 1 Sobre os problemas na economia, a leitura do artigo de José Roberto Mendonça de Barros  ("15 fracassos do governo Dilma na área econômica") volta a ser sugerido. O texto stá no link que se segue ao fim desses comentários de hoje. 
Obs  2: Talvez por um ato falho, Dilma Rousseff tenha se referido a si, corretamente, como "presidente", e não como "presidenta". Sinal auspicioso de mudanças?
Obs 3: Reforma política por meio de Plebiscito é uma excrescência jurídica, além de uma afronta política a um Congresso legitimamente eleito. Plebiscitos são cabíveis em questões duais, em que caiba apenas o Sim ou o Não. Exemplo: a favor ou contra o divórcio, a favor ou contra o aborto, a favor ou contra a pena de morte, a favor ou contra o "casamento" gay etc... Em temas complexos, envolvendo uma infinidade de alternativas, como é a Reforma política,  um plebiscito mais confunde do que esclarece, e tende a gerar um Frankenstein institucional. A proposta voltou a ser defendida pela presidente reeleita. Se era para desagradar parlamentares com quem ela promete dialogar, pode ter dado certo. Enfim, o discurso contraditório sobrevive às urnas.

Link para o artigo de Mendonça de Barros:  http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,15-fracassos-do-governo-dilma-na-area-economica-imp-,1582925

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Artigo



Democracia e legitimidade


     A reeleição da presidente Dilma Rousseff neste domingo, com 51,6% dos 105,5 milhões de votos válidos, entre 143 milhões de eleitores que estavam aptos a ir às urnas, foi legítima e incontestável não importando a pequena margem de diferença para o seu adversário ou o fato de sua vitória ter sido decorrência de uma votação mais expressiva nas regiões menos desenvolvidas do país.
     Nas verdadeiras democracias – e o Brasil é uma delas, sem dúvida, após a sétima eleição geral consecutiva livre e direta - os votos têm exatamente o mesmo peso, independentemente da qualidade do votante. Não há, portanto, voto diferenciado.
Da mesma forma, a legitimidade do vencedor em pleitos majoritários não é conferida em dosagem, ou seja, não oscila em decorrência da maior ou menor diferença de votos entre o primeiro e o segundo colocados. Do ponto de vista prático, a maioria mais um tem o mesmo efeito de uma maioria ampla.
Contudo, o desenho da votação em cada região do país associado ao perfil dos eleitores nos permite algumas análises.
A presidente Dilma Rousseff construiu a sua vitória graças às Regiões Norte e Nordeste, onde obteve 56% e 72% dos votos válidos, respectivamente. O opositor Aécio Neves venceu no Sul, Centroeste e Sudeste, onde alcançou, respectivamente, 60%, 58% e 57% dos votos válidos. Na Região Sudeste, uma ressalva: embora tenha vencido no geral, ganhando em São Paulo com boa margem, e no Espírito Santo, o candidato da oposição perdeu em Minas Gerais, seu reduto eleitoral, e no Rio de Janeiro.
A que conclusão chegamos? Se a pergunta fosse direcionada a um militante, simpatizante ou eleitor de Dilma, ele certamente responderia que o Norte e o Nordeste, mais pobres, somados aos extratos menos favorecidos das regiões mais prósperas (Sudeste, em especial), elegeram a candidata do PT porque acreditam que ela fez mais pela sua melhoria de vida – e ainda poderá fazer mais.
De um jornalista militante do PT, ainda antes da votação de ontem, durante o balanço do primeiro turno e no bojo das pesquisas de intenção de voto para a rodada final, ouvi textualmente o seguinte sobre a vantagem da petista nos estados nordestinos: “São Paulo regride, enquanto o Nordeste progride”.
Na contramão da crença ideológica, que turva a lente com que se enxerga o mundo, distorcendo a realidade, encontramos outra explicação mais plausível. A candidata à reeleição conseguiu uma vitória mais expressiva nos estados menos desenvolvidos e nos grotões mais pobres justamente porque, nessas regiões, o nível de escolaridade é mais baixo e, por consequência, menor é a capacidade do eleitor para avaliar erros e acertos.
Se levarmos em conta os enormes problemas que o país enfrenta na economia – um conjunto de indicadores amplamente desfavoráveis, a começar pela inflação e pela ausência de crescimento - e ainda os inúmeros casos de corrupção envolvendo integrantes de governos do PT, com deletérias ramificações nas estatais, a relação entre desinformação e voto em Dilma salta aos olhos – para aqueles que querem ver, evidentemente.
 Acrescente-se a isso o fato de as camadas menos favorecidas da população – e, portanto, menos informadas - estarem mais sujeitas à manipulação e a práticas espúrias como o assistencialismo. Uma menor parcela – como o jornalista citado acima – vota em Dilma por orientação ideológica, e a despeito de todas as incongruências programáticas. Mas esses, claro, são uma minoria. 
Mais uma vez, seria preciso ser completamente desinformado para acreditar – ou ter má-fé para repetir - que os 51,03 milhões de brasileiros (48,4% dos votos válidos) que apostaram em Aécio Neves neste segundo turno são privilegiados e insensíveis que não se preocupam com o bem-estar dos mais humildes, ou com o destino do país. Vale dizer que metade dos eleitores do tucano ganha até três salários mínimos apenas, o que desmonta (mais uma vez, para quem quiser ver apenas) o marketing falacioso.
A propaganda do governo martelou que o voto contra Dilma seria o voto contra os pobres. Numa democracia ainda tão desigual como a brasileira, é a pobreza a mola propulsora do círculo vicioso da política – é dela que se alimentam os maus dirigentes.
Haverá esperança real de mudança quando os nossos governantes passarem a garantir para a educação uma prioridade estratégica, com parâmetros rigorosos de ensino (não foi o que fez o PT em 12 anos). O esclarecimento é o antídoto que depura a democracia, livrando-a de suas impurezas, entre elas o populismo e a demagogia. Não podemos discriminar o voto, atribuindo critérios de legitimidade em função dele. Não seria justo.
Mas podemos qualificar o votante. O processo é demorado, exigirá esforço e paciência, sobretudo dos mais esclarecidos. Enquanto isso, só nos resta reconhecer a legitimidade dos eleitos, preservando as regras do jogo.

 Por Nilson Mello
 
Em tempo:
1. Para um país que quer mudanças, 21,09% é um índice alto de abstenções, sobretudo se somados a votos brancos (3,84%) e nulos (1,71%).
2.A oposição venceu nas regiões mais desenvolvidas. Nos estertores do regime militar, meados dos anos 1970, o governo federal só vencia as eleições nos rincões distantes dos grandes centros urbanos. O discurso oficial de então era parecido com o do PT de hoje: no interior, o povo dá valor às ações do governo.
2.1 Com a costumeira lucidez, Demetrio Magnoli lembra que, em países marcados por grandes desigualdades, os mais pobres, no interior, quase sempre votam no governo.
3. O PT muito se queixa da grande imprensa. A grande imprensa – Veja, TV Globo, Estado de S. Paulo, O Globo etc – de fato crítica os governos do PT - este agora reeleito em particular - e denuncia as práticas políticas que o partido adotou no Poder. E com razão.
4. A propósito, para se defender das denúncias de corrupção, o governo primeiro disse que as acusações eram invenção da imprensa (elitista e reacionária), depois, durante a campanha, mudou o discurso, afirmando que há muitas denúncias porque o governo Dilma manda investigar os desvios. Ou é uma coisa ou outra. O curioso é que a maioria dos desvios que o governo “manda” investigar é praticada por integrantes do próprio... PT ou de pessoas com interconexões com o parido.
5. De outro militante petista, ouvi o seguinte: “A presidente Dilma é ótima oradora”.
6. O PSDB do Rio de Janeiro, sem candidato próprio ao governo, elegeu apenas um deputado federal. O esvaziamento contribuiu para a derrota de Aécio Neves no Estado.
7. O economista José Roberto Mendonça de Barros, didaticamente, elenca os 15 fracassos do governo Dilma, em artigo publicado ontem no jornal O Estado de S. Paulo (ver link abaixo).  http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,15-fracassos-do-governo-dilma-na-area-economica-imp-,1582925

Comentário do leitor:

"Essas eleições deixaram bem claro que o país está dividido, não entre PT e PSDB, mas entre pessoas com instrução formal e pessoas sem ela. Num país assim dividido, a democracia estará sempre a reboque dos demagogos. Essa observação não desqualifica a vitória de Dilma. A realidade social do Brasil é essa e temos de aceitá-la. Se desqualificarmos a vitória de Dilma com base nos votos que recebeu dos sem instrução, estaríamos condenando esses eleitores a cidadãos de segunda classe.
No desenvolvimento da democracia na Europa, houve tempo em que o sufrágio era concedido apenas aos proprietários, e, mesmo proprietária, mulher não votava. Na Grã Bretanha, até a Primeira Guerra Mundial, a grande massa estava excluída das listas eleitorais. A maioria dos soldados que morreu nas trincheiras da França não tinha o voto. Mas morreram “for King and Country”. Acima do voto, havia algo maior que justificava o sacrifício. No Brasil, temos de nos ater a ideia democrática de que todo voto, quer venha dos instruídos, quer não, tem o mesmo valor. Nesse sentido, pode-se dizer que nossa democracia hoje é mais avançada do que a inglesa em 1914. De lá para cá a democracia inglesa evoluiu muito. A nossa terá de evoluir também. O caminho dessa evolução está traçado e as eleições presidenciais realçaram mais do que nunca o fato de que a educação tem de ser alçada à prioridade absoluta nos próximos 20 anos. Como fez o Japão em 1860. A sociedade japonesa, na época feudal, percebeu que não resistiria à investida do Ocidente, iniciada pelo Comandante Perry, se não se modernizasse. Modernização significava dominar as ciências. Em 10 anos, o Japão passou de um país com 90% de analfabetos para um de 90% de alfabetizado. Em 1905, derrotou a moderna frota russa com uma esquadra que incorporava o melhor da tecnologia ocidental. A história não carece de bons exemplos de desenvolvimento democrático via educação. Quando digo que temos de aceitar a imensa desigualdade social brasileira, não significa que devo me conformar com sua existência. Minha inconformidade com essa situação vem do fato de que quem a criou foram nossos dirigentes, ou melhor, nossas classes dirigentes, essas que apoiam o Aécio. Tendo sido obra do homem, pode ser desfeita por ele. Lanço um olhar para além das próximas eleições, que serão, como essas últimas, disputadas entre os instruídos e os sem instruções. Para além de limitar a ação dos demagogos, de eliminá-los, se possível, e assim abrir o caminho para eleições em que projetos para o pais são debatidos por uma população que recebeu boa educação formal, a redução drástica da desigualdade tornará o país mais eficiente, haverá menos desperdício e nossas cidades serão menos violentas, esteticamente mais aprazíveis e nosso conceito no mundo mais respeitado. (...) Falei em eleições futuras em que os eleitores se empolgarão na discussão de projetos para a nação, em vez da continuação ou não do “Bolsa Família”. Isso só pode acontecer com a desigualdade social reduzida a um mínimo. Enquanto essa era não se materializar, os debates permanecerão chulos e os programas dos candidatos paroquiais. O país continuará `a deriva, sem projeto nacional e o brasileiro continuará perplexo no que diz respeito a sua situação no mundo. O que somos nós? E para onde vamos? São ainda duas perguntas filosóficas - ou melhor, teóricas." - Mario Santos, diplomata.