O papel da imprensa
Em
um de seus mais recentes rompantes, expresso, como de costume, ao sabor da
têmpora, e da forma categórica que lhe é mais peculiar, a presidente Dilma
Rousseff afirmou que o trabalho da imprensa não é o de investigar, mas o de
informar. Os meios de comunicação,
segundo ela, não podem ser comparados ao Judiciário, ao Ministério Público e à
Polícia Federal.
O
intuito foi o de expressar o seu descontentamento com o fato de a imprensa trazer
à tona detalhes das investigações em torno dos desvios praticados na estatal
Petrobras, em particular, as informações contidas nos depoimentos do ex-diretor
da empresa Paulo Roberto Costa, agora delator dos descaminhos que ajudou a
promover.
Na
opinião da presidente, claramente irritada com o episódio, não está certo a
imprensa noticiar fatos, relacionados a investigações em curso, antes mesmo que
o seu gabinete seja informado dos pormenores do caso.
Ora,
as notícias constrangedoras devem antes passar pelo crivo da autoridade
pública? De que diabos estamos aqui falando, de censura prévia do Executivo a
informações que lhe possam ser negativas ou potencialmente nocivas? A regra valeria também para as demais
instâncias e esferas do Poder Público?
A
presidente não consegue entender que o pressuposto da informação jornalística é
a investigação – ou a apuração dos fatos, para usarmos o jargão profissional. Leviano
seria noticiar sem levantar fatos e ouvir versões, não importando as fontes. E
isso não significa que o trabalho seja sempre bem executado, que a
investigação, por vezes, não contenha imperfeições.
Jornalistas
e meios de comunicação, que fique bem claro, também erram, e por diferentes
razões. Muitas vezes erram por falta de qualificação de seus profissionais para
abordar temática mais técnica no calor dos acontecimentos. Erram ainda pela imperativa
busca da síntese, que elimina nuances. Erram também pelo fato de o jornalismo
ser uma atividade intelectual inserida num processo industrial de alta intensidade,
com premência de prazos, o que propicia falhas de toda ordem. E, claro, erram até
por má-fé. Mas erra-se em todas as profissões, por que com o jornalismo haveria
de ser diferente?
O
possível erro não pode justificar a censura genérica, que seria
inconstitucional. Nunca é demais lembrar que o Brasil é signatário do Tratado
de Chapultepec, segundo o qual a imprensa livre é condição fundamental para que
as sociedades promovam o bem estar de seus povos.
Sempre
que cometem erros e abusos, jornalistas e meios de comunicação estão sujeitos à
Lei, e não poderia ser diferente. Respondem, civil e penalmente, por danos
causados à imagem e mesmo ao patrimônio dos ofendidos. Cabe lembrar que a
liberdade de expressão, direito fundamental (previsto em nossa Constituição e
nas constituições de mais de 90 nações democráticas) do qual deriva a liberdade
de imprensa, não autoriza a injúria, a calúnia e a difamação. E isso por si só
é um poderoso mecanismo de prevenção ao erro, de contenção dos excessos.
Quando
divulga as falcatruas na Petrobras, a imprensa está exercendo livremente o seu
papel, ainda que possa, em paralelo, estar cometendo erros. Então, que
permaneça livre. Se a presidente da República queria ter acesso prévio ao
depoimento do delator, paciência. O que a sociedade quer é transparência, pouco
importando o seu melindre. A propósito, o que temer?
Convém
dizer que, num país que preza a sua democracia (o que não é inequívoco entre
nós), a preocupação não deve ser apenas quanto a possíveis tentativas de
cerceamento feitas pelo Executivo. Deve-se também zelar para que não haja uma escalada
da “judicialização” da censura. Se hoje
não estamos sujeitos à censura formal que caracterizou períodos de exceção
política, assistimos a um preocupante aumento dos vetos judiciais por
antecipação (censura prévia decorrente de processos), com 28 novos casos apenas
no período de agosto de 2011 a agosto deste ano, de acordo com a ANJ –
Associação Nacional dos Jornais (para mais detalhes sobre o cerceamento do
trabalho da imprensa, ver quadro em anexo e texto da ANJ no link abaixo deste
artigo).
Voltemos
ao Executivo. Da maneira como expressou seu, digamos, raciocínio, a presidente
Dilma Rousseff deu a entender que o trabalho da imprensa deve se restringir ao “repeteco”
de versões oficiais. A imprensa deveria, por essa ótica canhestra, se
restringir ao press release produzido
pelas assessorias de imprensa dos Ministérios e diferentes órgãos governamentais.
Mas o jornalista não pode – e não deve – ser um mero repetidor de versões
oficiais, um compilador de declarações entre aspas.
A
impressão que fica da declaração, portanto, é que, no entendimento deste
governo, jornalismo é divulgação, ou seja, é um trabalho atrelado à propaganda,
ao marketing e às relações públicas. Nada contra essas atividades – muito ao
contrário – mas jornalismo, definitivamente, não é isso. A propósito, alguém já
disse, com certo exagero, que jornalismo é tudo que contraria os governantes –
o resto é propaganda.
Karl
Marx dizia que a imprensa era o “olhar onipresente do povo sobre seus líderes e
governantes”. A sentença permanece verdadeira, mas, nos países marxistas, valeu
apenas enquanto a “burguesia” não era desalojada do Poder. Depois, prevaleceu a
regulação da liberdade de expressão e outros eufemismos que querem nos impingir.
Em Cuba, um único jornal de abrangência nacional, o Granma, órgão oficial do
Comitê Central do Partido Comunista, incumbe-se da “propaganda”. Mas, convenhamos,
Cuba não pode ser um modelo para o Brasil.
Antes
de Marx, Thomas Coolley, constitucionalista americano, dizia que a importância
capital da imprensa era “trazer perante o tribunal da opinião pública qualquer
autoridade, corporação ou repartição”. Sim, porque, se verdadeiramente livre, a
imprensa garante transparência aos atos do Poder Público, exercendo um papel
preponderante sobre as estruturas institucionais e políticas, sendo a sua
importância funcional comparável aos Poderes constituídos, como bem lembrou
Norberto Bobbio, ao cunhar o termo “Quarto Poder”. Goste ou não a presidente Dilma Rousseff!
Por Nilson Mello
Link para texto da ANJ sobre cerceamento do
trabalho da imprensa:
Críticas e comentários
Ø “Excelente!” – Luís Otávio Façanha,
economista, professor universitário.
Ø “Muito bom” – Sergio Barreto Motta,
jornalista.
Ø “Acrescentaria particularidade
importante do tempo histórico em que vivemos. A imprensa é tudo aquilo que Marx
disse, e algo mais. No Brasil de hoje, ela tem relevância especial, pois o
Congresso, que deveria fiscalizar politicamente o executivo, esta comprometido
com ele, inclusive pela corrupção, e a oposição simplesmente não se faz presente.
Quem, então, garantiria a transparência dos atos governamentais? Só a imprensa.
Mas a imprensa tem de ser livre, independente e, sobretudo, cônscia de seu
papel de fiscalização. Temos uma imprensa com essas características?
Não adianta falar de liberdade de imprensa, como se ela estivesse sendo
ameaçada pelos poderes, inclusive pelo poder do executivo, e sair em defesa
dessa liberdade. Temos de olhar também a imprensa para ver se ela esta
cumprindo plenamente seu papel de fiscalização, e não apenas quando lhe
interessa. Nada é perfeito, mas entre a perfeição e o estagio em que nos
encontramos, ha um caminho longo que deve ser percorrido” – Mario Augusto
Santos, diplomata.