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quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Artigo


O papel da imprensa

Em um de seus mais recentes rompantes, expresso, como de costume, ao sabor da têmpora, e da forma categórica que lhe é mais peculiar, a presidente Dilma Rousseff afirmou que o trabalho da imprensa não é o de investigar, mas o de informar.  Os meios de comunicação, segundo ela, não podem ser comparados ao Judiciário, ao Ministério Público e à Polícia Federal.

O intuito foi o de expressar o seu descontentamento com o fato de a imprensa trazer à tona detalhes das investigações em torno dos desvios praticados na estatal Petrobras, em particular, as informações contidas nos depoimentos do ex-diretor da empresa Paulo Roberto Costa, agora delator dos descaminhos que ajudou a promover.

Na opinião da presidente, claramente irritada com o episódio, não está certo a imprensa noticiar fatos, relacionados a investigações em curso, antes mesmo que o seu gabinete seja informado dos pormenores do caso.

Ora, as notícias constrangedoras devem antes passar pelo crivo da autoridade pública? De que diabos estamos aqui falando, de censura prévia do Executivo a informações que lhe possam ser negativas ou potencialmente nocivas?  A regra valeria também para as demais instâncias e esferas do Poder Público?

A presidente não consegue entender que o pressuposto da informação jornalística é a investigação – ou a apuração dos fatos, para usarmos o jargão profissional. Leviano seria noticiar sem levantar fatos e ouvir versões, não importando as fontes. E isso não significa que o trabalho seja sempre bem executado, que a investigação, por vezes, não contenha imperfeições. 

Jornalistas e meios de comunicação, que fique bem claro, também erram, e por diferentes razões. Muitas vezes erram por falta de qualificação de seus profissionais para abordar temática mais técnica no calor dos acontecimentos. Erram ainda pela imperativa busca da síntese, que elimina nuances. Erram também pelo fato de o jornalismo ser uma atividade intelectual inserida num processo industrial de alta intensidade, com premência de prazos, o que propicia falhas de toda ordem. E, claro, erram até por má-fé. Mas erra-se em todas as profissões, por que com o jornalismo haveria de ser diferente?

O possível erro não pode justificar a censura genérica, que seria inconstitucional. Nunca é demais lembrar que o Brasil é signatário do Tratado de Chapultepec, segundo o qual a imprensa livre é condição fundamental para que as sociedades promovam o bem estar de seus povos. 

Sempre que cometem erros e abusos, jornalistas e meios de comunicação estão sujeitos à Lei, e não poderia ser diferente. Respondem, civil e penalmente, por danos causados à imagem e mesmo ao patrimônio dos ofendidos. Cabe lembrar que a liberdade de expressão, direito fundamental (previsto em nossa Constituição e nas constituições de mais de 90 nações democráticas) do qual deriva a liberdade de imprensa, não autoriza a injúria, a calúnia e a difamação. E isso por si só é um poderoso mecanismo de prevenção ao erro, de contenção dos excessos.

Quando divulga as falcatruas na Petrobras, a imprensa está exercendo livremente o seu papel, ainda que possa, em paralelo, estar cometendo erros. Então, que permaneça livre. Se a presidente da República queria ter acesso prévio ao depoimento do delator, paciência. O que a sociedade quer é transparência, pouco importando o seu melindre. A propósito, o que temer?

Convém dizer que, num país que preza a sua democracia (o que não é inequívoco entre nós), a preocupação não deve ser apenas quanto a possíveis tentativas de cerceamento feitas pelo Executivo. Deve-se também zelar para que não haja uma escalada da “judicialização” da censura.  Se hoje não estamos sujeitos à censura formal que caracterizou períodos de exceção política, assistimos a um preocupante aumento dos vetos judiciais por antecipação (censura prévia decorrente de processos), com 28 novos casos apenas no período de agosto de 2011 a agosto deste ano, de acordo com a ANJ – Associação Nacional dos Jornais (para mais detalhes sobre o cerceamento do trabalho da imprensa, ver quadro em anexo e texto da ANJ no link abaixo deste artigo). 

Voltemos ao Executivo. Da maneira como expressou seu, digamos, raciocínio, a presidente Dilma Rousseff deu a entender que o trabalho da imprensa deve se restringir ao “repeteco” de versões oficiais. A imprensa deveria, por essa ótica canhestra, se restringir ao press release produzido pelas assessorias de imprensa dos Ministérios e diferentes órgãos governamentais. Mas o jornalista não pode – e não deve – ser um mero repetidor de versões oficiais, um compilador de declarações entre aspas.  

A impressão que fica da declaração, portanto, é que, no entendimento deste governo, jornalismo é divulgação, ou seja, é um trabalho atrelado à propaganda, ao marketing e às relações públicas. Nada contra essas atividades – muito ao contrário – mas jornalismo, definitivamente, não é isso. A propósito, alguém já disse, com certo exagero, que jornalismo é tudo que contraria os governantes – o resto é propaganda.

Karl Marx dizia que a imprensa era o “olhar onipresente do povo sobre seus líderes e governantes”. A sentença permanece verdadeira, mas, nos países marxistas, valeu apenas enquanto a “burguesia” não era desalojada do Poder. Depois, prevaleceu a regulação da liberdade de expressão e outros eufemismos que querem nos impingir. Em Cuba, um único jornal de abrangência nacional, o Granma, órgão oficial do Comitê Central do Partido Comunista, incumbe-se da “propaganda”. Mas, convenhamos, Cuba não pode ser um modelo para o Brasil.

Antes de Marx, Thomas Coolley, constitucionalista americano, dizia que a importância capital da imprensa era “trazer perante o tribunal da opinião pública qualquer autoridade, corporação ou repartição”. Sim, porque, se verdadeiramente livre, a imprensa garante transparência aos atos do Poder Público, exercendo um papel preponderante sobre as estruturas institucionais e políticas, sendo a sua importância funcional comparável aos Poderes constituídos, como bem lembrou Norberto Bobbio, ao cunhar o termo “Quarto Poder”.  Goste ou não a presidente Dilma Rousseff!

Por Nilson Mello

Link para texto da ANJ sobre cerceamento do trabalho da imprensa:     

Críticas e comentários 

 Ø  “Excelente!” – Luís Otávio Façanha, economista, professor universitário.

 Ø  “Muito bom” – Sergio Barreto Motta, jornalista.

 Ø “Acrescentaria particularidade importante do tempo histórico em que vivemos. A imprensa é tudo aquilo que Marx disse, e algo mais. No Brasil de hoje, ela tem relevância especial, pois o Congresso, que deveria fiscalizar politicamente o executivo, esta comprometido com ele, inclusive pela corrupção, e a oposição simplesmente não se faz presente. Quem, então, garantiria a transparência dos atos governamentais? Só a imprensa. Mas a imprensa tem de ser livre, independente e, sobretudo, cônscia de seu papel de fiscalização. Temos uma imprensa com essas características?  Não adianta falar de liberdade de imprensa, como se ela estivesse sendo ameaçada pelos poderes, inclusive pelo poder do executivo, e sair em defesa dessa liberdade. Temos de olhar também a imprensa para ver se ela esta cumprindo plenamente seu papel de fiscalização, e não apenas quando lhe interessa.  Nada é perfeito, mas entre a perfeição e o estagio em que nos encontramos, ha um caminho longo que deve ser percorrido” – Mario Augusto Santos,  diplomata.  

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Tragédias no país do improviso

Nilson Mello*

    Na tomada do Complexo do Alemão, em dezembro passado, a mudança de paradigma teria sido o apoio da população local - e da sociedade como um todo - à polícia e às forças de segurança.
É possível especular que os dois longas “Tropa de Elite” tenham dado uma significativa contribuição para o combate à criminalidade, ao não idealizar os bandidos.
Ainda que subliminarmente, encorajaram governantes e classe política a enfrentar o problema sem dissimulação, reformulando a retórica. Do ponto de vista pragmático, o respaldo popular confirmou o acerto da mudança de postura.
A ação firme contra as quadrilhas de traficantes pode render tantos ou mais votos do que o velho discurso esquerdista segundo o qual o criminoso seria, no final das contas, uma vítima social.
Levada ao extremo nos dois governos de Leonel Brizola, que proibia sua PM de subir os morros, a retórica populista foi vencida pela realidade dos fatos.
Se nossos governantes se distanciam do discurso demagógico e se rendem a um novo pragmatismo apenas para conquistar um eleitor mais desconfiado e cansado da “guerra urbana”, já é um avanço.
Contudo, para que a sociedade saia vitoriosa na luta contra o crime organizado, é preciso, além de uma nova retórica, planejamento e ações coordenadas, o que pressupõe um Plano Nacional de Segurança, ainda inexistente.
Do contrário, continuaremos a ter muito discurso (embora sob nova roupagem) e pouco resultado. Na tomada da Vila Cruzeiro (Complexo da Penha) pelas forças de segurança em dezembro, não restou dúvida quanto à vontade política de pôr fim ao domínio do tráfico. A eficácia da operação, no entanto, ficou comprometida pela falta de planejamento. Os equívocos saltaram aos olhos do mais alienado dos observadores.
A desconcertante imagem de dezenas, talvez centenas, de traficantes fugindo pelo alto do morro – e escapando à prisão e à punição – enquanto a PM os cercava por baixo, expôs de forma contundente o improviso que rege as ações do Poder Público não apenas no Rio de Janeiro como no restante do país. Até crianças que brincam de bandido-e-mocinho sabem que não se invade uma casa sem cercar os fundos.
O mesmo improviso pode ser observado neste momento em face do que certamente é o maior desastre natural do país, com pelo menos 600 mortos e mais de 20 mil pessoas desabrigadas ou desalojadas.
Temporais deixam uma marca de tragédia a cada ano no Estado do Rio e nas Regiões Sul e Sudeste. Não é novidade. No entanto, nada de concreto é feito. Não há um plano de prevenção a enchentes e desmoronamentos, e muito menos uma política de ocupação do solo mais racional.
Da mesma forma, apesar das catástrofes de anos anteriores, não se tem notícia de programas de obras públicas destinados a reduzir os riscos de enchentes e desmoronamentos. E se essas obras foram em algum momento executadas, desperdiçou-se dinheiro – e muitas vidas.
Assistimos neste momento a ações reativas, sem a necessária coordenação, o que significa o mau emprego dos meios materiais e humanos colocados à disposição das operações. O que falta não são recursos financeiros, mas ações preventivas e coordenação nos momentos de crise.
Para completar, percebemos que o discurso demagógico foi substituído pela hipocrisia. É o que chama a atenção quando o governador Sergio Cabral usa câmeras e microfones para criticar quem ergue casa em áreas de risco. Afinal, qual foi a política habitacional adotada pelos últimos governos, inclusive o de Cabral, para que a população pudesse morar em regiões seguras e dotadas de transporte eficiente bem como de outros serviços urbanos?

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