Por Nilson Mello
Uma “ética” muito peculiar orienta a conduta de nossos parlamentares e políticos em geral. Sempre que se sentem acuados por denúncias de tráfico de influência, corrupção passiva, apropriação indébita, evasão de divisas, peculato...(a lista é quase tão extensa quanto o Código Penal), ameaçam agir no “interesse público” e contra-atacar, tornando público, também, os desvios cometidos por seus acusadores.
O deputado Eduardo Cunha (PMDB/RJ) ameaça, neste momento, remexer o lixo do escândalo dos “aloprados”, cujos protagonistas foram integrantes do PT - seus aliados, portanto, na base do governo – e passar à imprensa informações sobre outros desvios petistas. Alega agir no “interesse público” e adverte: “É impressionante o instinto suicida desses caras”.
Eduardo Cunha foi acometido por um forte espírito cívico - e saiu em defesa do interesse dos brasileiros – quando seus interesses particulares foram expostos e prejudicados.
Em reportagem de capa esta semana no jornal O Globo, o repórter Chico Otávio revela que “Furnas pagou R$ 73 milhões a mais por ações vendidas a empresários ligados ao deputado (...)”.
Cunha atribui a desafetos no PT a fonte das denúncias. E revida. Se o tivessem deixado quieto, no pleno gozo de seus interesses particulares, usufruindo suas sinecuras, o “interesse público” certamente não teria a menor importância. Mas colocaram em risco seu esquema e agora saberão do que ele é capaz.
Em nome do verdadeiro interesse público, o melhor seria que seus adversários não recuassem diante da ameaça. De uma só vez poderíamos ter acesso a todas as irregularidades cometidas por Eduardo Cunha e ainda desvendar os desvios de seus inimigos no PT.
Duvido, no entanto, que isso ocorra. A prática tem mostrado que, no embate entre o interesse público e o interesse privado, o segundo leva a melhor. Uma composição deverá serenar os ânimos e acomodar as conveniências fisiológicas, como já vimos em outras ocasiões.
A notória ineficiência de nossa máquina pública é conseqüência direta desses arranjos. Não admira a educação não ir bem, a saúde ser de má qualidade, não haver coordenação em momentos de catástrofes naturais, como a ocorrida na Região Serrana fluminense...
Importa lembrar que o conflito momentâneo veio à baila em plena temporada de escolha dos integrantes dos segundo e terceiros escalões do governo federal, e em meio às disputas pelas indicações dos quadros de direção nas Estatais, entre elas Furnas. PT e seus pseudo-aliados da base governista (PMBD com mais sofreguidão do que os demais) têm se engalfinhado pelo botim. É uma luta surda com espasmos na mídia, como a oportuna matéria de Chico Octavio.
Infelizmente, defender privatizações virou heresia no Brasil. A oposição - que levou quase a metade dos votos válidos na última eleição – poderia assumir o papel crítico, mas faz cerimônia. O conluio entre uma administração pública corrompida e setores privados contemplados com privilégios decorrentes da própria corrupção desencoraja até eventuais opositores.
Empresa estatal é a maior fonte de corrupção do país, é a mola propulsora de nosso patrimonialismo. Lembremos os escândalos envolvendo os Correios e a Infraero, entre muitos outros. No genuíno interesse público (não o escamoteado), poderíamos voltar a falar em privatizações e na redução dos gastos públicos, que geram mais ineficiência e têm impacto na inflação.
Mas quem vai empunhar essa bandeira? Nossos nobres parlamentares?