quarta-feira, 29 de abril de 2020


Da beira do cais, notícias boas, apesar da crise

(Este artigo foi publicado originariamente no portal PortoGente, na data de hoje, 
em https://portogente.com.br/noticias/opiniao/111875-da-beira-do-cais-noticias-boas-apesar-da-crise)

Investimentos em infraestrutura portuária são pré-condição do desenvolvimento sustentável, mas podem se transformar em incógnita durante crises, em que o setor público esbarra em seus limites orçamentários e o privado, compreensivelmente, se torna mais avesso ao risco. Foi essa circunstância que colocou em xeque o plano “Pró Brasil”.
Apresentado pela Casa Civil na semana passada, o plano tinha previsão de investimentos públicos da ordem de R$ 50 bilhões, incluindo logística, porém, foi colocado em segundo plano pela equipe econômica, devido ao seu impacto no Tesouro. Não haveria espaço no orçamento para esses gastos, além das medidas já adotadas para atenuar os efeitos da pandemia – entre elas, auxílio a autônomos e informais, liberação de FGTS, postergação de recolhimento de tributos, linhas de financiamento a pequenas empresas etc.
Uma ironia que o novo coranavírus nos traz é o fato de a dívida pública brasileira poder ter aumento recorde este ano, a despeito da bandeira de austeridade fiscal do atual governo. Consultorias financeiras projetam um déficit primário (resultado sem o pagamento de juros) de 6,20% do PIB este ano, o pior desde 2016 (2,48%), na era Dilma Rousseff, e o maior da série histórica iniciada em 2001 - e tudo por conta dos esforços orçamentários para atenuar a crise decorrente da Covid-19.
As mesmas consultorias acreditam que o resultado nominal, isso é, o rombo já com o pagamento dos juros, será de 11,10% do PIB, o que seria o pior resultado desde 2002. Forçoso é reconhecer que estaríamos em muito pior situação, não fosse a Reforma da Previdência e o empenho feito nos últimos dois anos para conter as despesas discricionárias, o que nos obriga a concordar com o ministro da Economia, Paulo Guedes, quando diz que, passados os “gastos emergenciais”, anticíclicos, voltaremos a trilhar o caminho da austeridade fiscal e das reformas estruturantes.
Surpreendentemente, e apesar dos cenários desafiadores, as notícias que chegam da beira do cais nos últimos dias não são das piores - e algumas até promissoras. Em primeiro lugar porque as quedas de movimentação de carga nos terminais portuários, até o momento, ainda não são drásticas. Isso pode ser explicado pelo fato de a maior parte dos dados ser relativa a março, quando ainda estavam sendo movimentadas cargas de contratos fechados em janeiro e fevereiro. Contudo, e mais importante, já há quem acredite que o fato de o Brasil exportar produtos essenciais, como proteína animal, pode significar um diferencial, quase uma blindagem, impedindo uma retração ainda maior de nossas exportações.
Por esse raciocínio, o impacto na queda de movimentação nos terminais não será homogêneo, devendo afetar menos as exportações de commodities agrícolas. Trata-se, na verdade, de uma tese que ainda merecerá confirmação, o que só será possível a partir dos dados a serem coletados de maio em diante. O que se sabe por enquanto é que, segundo seguradoras, os contratos de seguro de transporte de carga (em diferentes modais) caíram 28% de março para abril, bem como o registro de cargas diminuiu 11% de um mês para o outro. Em relação ao mesmo período do ano passado, a queda nos contratos de seguro foi de 19%.
A despeito desse dado, alguns terminais continuam fazendo movimentações robustas e até batendo recordes, como é o caso de Imbituba (SC), que realizou, na semana passada, o maior embarque de minério de ferro (117 mil toneladas, no navio KSL Seoul) de um porto da Região Sul. Investimentos privados, a despeito da compreensível aversão ao risco citada de início, estão sendo confirmados. O terminal Santos Brasil, o maior da América Latina no segmento de contêineres, deu início às obras de reforço de seu cais, com investimentos de R$ 100 milhões e prazo de conclusão de 15 meses, mantendo assim o cronograma de ampliação e modernização de suas instalações, que envolve outra série de obras.
Entre as notícias promissoras também pode ser incluído o anúncio dos leilões de terminais de celulose, em Santos, agendados para o segundo semestre. Será um termômetro do ânimo dos investidores. A melhor notícia, contudo, veio da agência reguladora. A Antaq negou pedido de suspensão de cobrança de taxa por Serviço de Segregação e Entrega (SSE), feita por usuários de dois terminais de Santa Catarina, atuando de forma coerente com as suas normas regulatórias.
 A cobrança de SSE representa uma legítima remuneração pelos serviços de movimentação de cargas prestados pelos terminais, dentro de um ambiente de livre concorrência. A pandemia, por mais grave que seja, será passageira, ao contrário das normas regulatórias, que devem ser perenes, em prol da segurança jurídica e dos investimentos.

Por Nilson Mello

quarta-feira, 22 de abril de 2020

Artigo

A pandemia e o comércio marítimo


No cenário nebuloso que o Brasil enfrenta em função da pandemia de Covid-19, algumas certezas vão se consolidando, todas com direta relação com a atividade portuária e o transporte marítimo. A primeira delas é que a crise econômica resultante será maior do que a de 2008, conforme já apontam organismos internacionais e autoridades monetárias mundo afora. A segunda é que países emergentes, como o Brasil, grande exportador de commodities, serão mais fortemente afetados, em decorrência da queda de demanda por matérias-primas, principalmente da China, onde a atividade econômica já sofreu redução de 6,8% do PIB no primeiro trimestre.
 A terceira certeza que se firma é a de que o governo agiu corretamente ao deixar o equilíbrio fiscal momentaneamente em segundo plano para adotar um “orçamento de guerra”, com gastos da ordem de R$ R$ 212 bilhões (2,9% do PIB). Com a decretação do estado de calamidade, o déficit fiscal deste ano pôde ser legalmente elevado, de R$ 124,1 bilhões para R$ 419,2 bilhões.
Com muitas medidas ainda sujeitas à aprovação no Congresso, o pacote abrange programas de transferência de renda e alívio fiscal temporário para empresas, em especial micros e pequenas - que são as que mais empregam -, além de injeção direta de R$ 8 bilhões para gastos em saúde, auxílio para trabalhadores informais e autônomos, liberação antecipada do FGTS, linhas especiais de crédito, desoneração temporária do IOF, redução de uma série de contribuições, refinanciamento de dívidas de estados e municípios, e aumento da liquidez do setor financeiro, a partir da redução de depósitos compulsórios, entre outras.
Ainda assim, a nossa atividade econômica, que seguia uma tênue recuperação, deverá ter um recuo de 5% este ano, senão maior, enquanto a queda no PIB global, segundo o FMI, deverá ser de 3%, confirmando as previsões mais pessimistas feitas em início de fevereiro. Isso faz com que, nessas variáveis que se consolidam em relação ao cenário, citadas acima, acrescentemos um quarto ponto que merece ser assimilado como meta a ser retomada no médio prazo, sob o risco de termos, logo à frente, uma conjuntura mais complexa e desafiadora, com dificuldades ainda maiores de recuperação.
Trata-se justamente das medidas visando à reconstrução do equilíbrio fiscal e à melhor gestão orçamentária, o que passa pelo encaminhamento da Reforma Administrativa, indispensável à reestruturação da máquina pública. Esse é o caminho que permitirá que no futuro mais recursos sejam destinados a áreas essenciais, como saúde, educação, segurança e infraestrutura. Na sequência, uma Reforma Tributária passa igualmente a ser urgente, a fim de dar mais racionalidade ao sistema, abrindo espaço para a progressiva redução da carga, o que depende, em grande medida, da própria reestruturação da máquina pública.
Para se ter noção da importância desse reequilíbrio fiscal, vale dizer que, com as  medidas de socorro econômico adotadas pelo pacote do governo este ano – ressalte-se, indispensáveis -, a dívida pública bruta brasileira alcançará 98,2% do PIB, em contraste com uma a previsão inicial de 93% e contra 89,5%, em 2019. Representando praticamente a totalidade do PIB, a despeito da Reforma da Previdência, já realizada, e de uma série de medidas adotadas nos últimos anos para conter as despesas discricionárias correntes, esse patamar é perigosamente elevado. Cabe dizer que, embora esteja abaixo do de alguns países desenvolvidos - que têm maior capacidade de financiamento de seus déficits -, está bem acima dos países da América Latina (em média, 78% do PIB) e dos emergentes (62%), incluindo a China.
Hoje todos nós sabemos que quanto maior a dívida, maiores as incertezas. No nosso caso, o histórico de crescimento da dívida pública embute outro problema, relacionado à má qualidade dos gastos ao longo de décadas, com ênfase no custeio de uma máquina muito dispendiosa - e invariavelmente pouco eficiente -, em detrimento de mais investimentos em áreas essenciais, como a infraestrutura, o que só reforça a necessidade de reversão dessa lógica por meio de uma Reforma Administrativa. É não apenas uma questão de ordem prática, mas moral. Tivéssemos investido pesadamente em hospitais e saúde, por exemplo, certamente estaríamos mais equipados neste momento para enfrentar a pandemia.
A infraestrutura não poderá ser negligenciada na retomada do crescimento. Na verdade, ela faz parte do arsenal com o qual o país conta para promover essa recuperação e deve estar entre as prioridades contemplares às medidas econômicas emergenciais. Os sinais de que o comércio exterior brasileiro já foi significativamente afetado pelos efeitos da pandemia, com repercussão negativa na atividade portuária e no transporte marítimo, são nítidos. Com a redução das importações, mormente provenientes da China, devido à queda de produção e de demanda interna, em abril houve diminuição significativa de movimentação de cargas nos Portos de Santos, Navegantes, Itajaí e Suape, entre outros, em contraste com o bom desempenho no início do primeiro trimestre. 
A alta do dólar, fator que também prejudica as importações, permitiu ao mesmo tempo uma relativa melhora das exportações no último mês, sobretudo grãos, mas o cenário ideal seria o de crescimento das duas vias. Isso porque o comércio exterior precisa trabalhar de forma orgânica, para que seu crescimento seja sustentável e consistente. Válido é sempre lembrar que a diminuição das importações pode, por sua vez, acarretar problemas pontuais relacionados à falta de contêineres vazios para os embarques destinados ao exterior. Prevenindo um gargalo que pudesse prejudicar exportadores, armadores de peso internacional já começaram a remanejar contêineres para o Brasil. Num momento de crise, essa logística torna-se mais complexa, sobretudo em decorrência dos cancelamentos de escalas que ocorrem em todo mundo, e por isso mesmo reveste-se de ainda maior importância.
 Nesse jogo de perdas globais, questões momentâneas que afetam outras nações podem igualmente favorecer o Brasil, como é o caso da quarentena de 14 dias decretada pela China a tripulações de navios de 153 bandeiras (num total de 500 embarcações e 7 mil tripulantes). Como não estamos incluídos na restrição, isso pode representar redirecionamento de demanda para nossos portos. Mas não é com vantagens aleatórias que o país deve contar. Até porque, os problemas com os quais nos deparamos são sistêmicos e de amplo espectro.  A cadeia produtiva é um termômetro confiável. Pesquisa da Confederação Nacional dos Transportes (CNT) realizada este mês, por exemplo, indica que 67% dos empresários relatam queda na demanda por serviços de transporte de forma geral.
Algumas medidas devem estar no nosso horizonte. No curto prazo, dentro do pacote de providências do governo para enfrentamento da pandemia, seria razoável estudar benefícios temporários para terminais portuários e empresas de navegação, a exemplo do que está sendo feito para os setores aéreo e de turismo. Paralelamente, é preciso rever os bloqueios rodoviários, que dificultam a circulação de cargas até os portos. No médio prazo, é indispensável seguir apostando nas referidas reformas, pois são elas que tornarão nossa maquina pública mais eficiente, desonerando a economia. Vale dizer que a pandemia de Covid-19 serviu para mostrar a importância do Estado no enfrentamento de crises. Quanto mais eficiente for esse Estado, melhores serão os resultados em prol da sociedade.
Por fim, no longo prazo, a exemplo do que todo o mundo já esboça fazer, é imperativo repensar a nossa dependência do produto Made in China. O Brasil precisa ter uma estratégia para a revitalização de seu setor industrial, e ela deve estar alinhada a uma política de maior inserção global. Não faz sentido que a oitava economia do mundo se contente em ter participação ínfima (de 1,1%) no comércio global e siga sendo mero exportador de matéria-prima extrativa, como no tempo colonial. Longe de preconizarmos um dirigismo industrial, que sempre anda na contramão da eficiência e da competitividade, é mais do que hora de repensarmos uma política de revitalização de nossa indústria, centrada nas novas tecnologias, sob pena de nos tornamos, na prática, uma província ultramarina chinesa.
                Por Nilson Mello

Obs: Este artigo foi publicado originariamente no Portal da PortoGente, em https://portogente.com.br/noticias/opiniao/111803-a-pandemia-e-o-comercio-maritimo?fbclid=IwAR0NEwlCjl9iv1urlQM_PBkmoPVDvEqsZQTpR8TYiCtVCkOlmAyFH_iOYnM

segunda-feira, 20 de abril de 2020

Artigo


A defesa incondicional da Democracia e do Estado de Direito


O bom senso diz que Presidente da República não tem que participar de atos públicos, carreatas ou qualquer outro tipo de manifestação. É algo que vai além da simples preservação da liturgia do cargo. Porque, se tais atos e manifestações são ao seu favor e de seu governo, sua presença se torna desnecessária, além de soar ridícula, por representar um culto à própria personalidade.
Por outro lado, se são contra outros Poderes constituídos, podem, na melhor das hipóteses, dar margem de uma mensagem dúbia no que diz respeito à defesa da Democracia (assim mesmo, com caixa alta) e, na pior, uma afronta direta à Constituição Federal, abrindo espaço, mais uma vez, para discussões acerca de um eventual processo de impeachment e para mais desgaste político - tudo o que seus adversários desejam e tudo o que o Brasil não precisa neste momento.
A participação em manifestações públicas torna-se ainda mais desaconselhável tendo em vista o momento crítico que o país enfrenta, bem como as próprias medidas de distanciamento social em face da Covid-19.
Por essa razão causa perplexidade o fato de não ter havido, no círculo dos auxiliares mais próximos do Planalto, alguém que dissesse “presidente, não vá!"; sendo, é válido ressaltar, perfeitamente plausível que um ou mais desses assessores tenha efetivamente dito "não vá!", sem, contudo, vencer a teimosia presidencial.
Menos mal que o próprio presidente da República na manhã desta segunda-feira (20/04), percebendo o equívoco da conduta deste domingo, ratificou o seu compromisso com a ordem democrática, bem como o respeito aos demais poderes da República, com a seguinte declaração:
“Sem essa conversa de fechar. Aqui não tem que fechar nada, dá licença aí. Aqui é democracia, aqui é respeito à Constituição brasileira. E aqui é minha casa, é a tua casa. Então, peço, por favor, que não se fale isso aqui. Supremo aberto, transparente. Congresso aberto, transparente”, afirmou Bolsonaro (Estado de S. Paulo, em 20/04).
Teria sido tão mais fácil evitar o desgaste e o comportamento dúbio. A credibilidade de um presidente depende não apenas de suas falas, mas de seus atos. Não é supérfluo acrescentar que uma das maiores garantias que temos hoje de manutenção da Democracia está justamente nas Forças Armadas. Intervenção militar e volta do AI-5 são ideias de aloprados. 
Por Nilson Mello