Da beira do cais, notícias boas,
apesar da crise
(Este artigo foi publicado originariamente no portal PortoGente, na data de hoje,
em https://portogente.com.br/noticias/opiniao/111875-da-beira-do-cais-noticias-boas-apesar-da-crise)
em https://portogente.com.br/noticias/opiniao/111875-da-beira-do-cais-noticias-boas-apesar-da-crise)
Investimentos em infraestrutura portuária
são pré-condição do desenvolvimento sustentável, mas podem se transformar em
incógnita durante crises, em que o setor público esbarra em seus limites
orçamentários e o privado, compreensivelmente, se torna mais avesso ao risco. Foi
essa circunstância que colocou em xeque o plano “Pró Brasil”.
Apresentado pela Casa Civil na semana
passada, o plano tinha previsão de investimentos públicos da ordem de R$ 50
bilhões, incluindo logística, porém, foi colocado em segundo plano pela equipe
econômica, devido ao seu impacto no Tesouro. Não haveria espaço no orçamento
para esses gastos, além das medidas já adotadas para atenuar os efeitos da
pandemia – entre elas, auxílio a autônomos e informais, liberação de FGTS, postergação
de recolhimento de tributos, linhas de financiamento a pequenas empresas etc.
Uma ironia que o novo coranavírus nos
traz é o fato de a dívida pública brasileira poder ter aumento recorde este ano,
a despeito da bandeira de austeridade fiscal do atual governo. Consultorias
financeiras projetam um déficit primário (resultado sem o pagamento de juros)
de 6,20% do PIB este ano, o pior desde 2016 (2,48%), na era Dilma Rousseff, e o
maior da série histórica iniciada em 2001 - e tudo por conta dos esforços
orçamentários para atenuar a crise decorrente da Covid-19.
As mesmas consultorias acreditam que
o resultado nominal, isso é, o rombo já com o pagamento dos juros, será de
11,10% do PIB, o que seria o pior resultado desde 2002. Forçoso é reconhecer
que estaríamos em muito pior situação, não fosse a Reforma da Previdência e o empenho
feito nos últimos dois anos para conter as despesas discricionárias, o que nos
obriga a concordar com o ministro da Economia, Paulo Guedes, quando diz que,
passados os “gastos emergenciais”, anticíclicos, voltaremos a trilhar o caminho
da austeridade fiscal e das reformas estruturantes.
Surpreendentemente, e apesar dos
cenários desafiadores, as notícias que chegam da beira do cais nos últimos dias
não são das piores - e algumas até promissoras. Em primeiro lugar porque as
quedas de movimentação de carga nos terminais portuários, até o momento, ainda
não são drásticas. Isso pode ser explicado pelo fato de a maior parte dos dados
ser relativa a março, quando ainda estavam sendo movimentadas cargas de
contratos fechados em janeiro e fevereiro. Contudo, e mais importante, já há
quem acredite que o fato de o Brasil exportar produtos essenciais, como
proteína animal, pode significar um diferencial, quase uma blindagem, impedindo
uma retração ainda maior de nossas exportações.
Por esse raciocínio, o impacto na
queda de movimentação nos terminais não será homogêneo, devendo afetar menos as
exportações de commodities agrícolas. Trata-se, na verdade, de uma tese que
ainda merecerá confirmação, o que só será possível a partir dos dados a serem
coletados de maio em diante. O que se sabe por enquanto é que, segundo
seguradoras, os contratos de seguro de transporte de carga (em diferentes
modais) caíram 28% de março para abril, bem como o registro de cargas diminuiu 11%
de um mês para o outro. Em relação ao mesmo período do ano passado, a queda nos
contratos de seguro foi de 19%.
A despeito desse dado, alguns
terminais continuam fazendo movimentações robustas e até batendo recordes, como
é o caso de Imbituba (SC), que realizou, na semana passada, o maior embarque de
minério de ferro (117 mil toneladas, no navio KSL Seoul) de um porto da Região
Sul. Investimentos privados, a despeito da compreensível aversão ao risco
citada de início, estão sendo confirmados. O terminal Santos Brasil, o maior da
América Latina no segmento de contêineres, deu início às obras de reforço de
seu cais, com investimentos de R$ 100 milhões e prazo de conclusão de 15 meses,
mantendo assim o cronograma de ampliação e modernização de suas instalações,
que envolve outra série de obras.
Entre as notícias promissoras também
pode ser incluído o anúncio dos leilões de terminais de celulose, em Santos,
agendados para o segundo semestre. Será um termômetro do ânimo dos
investidores. A melhor notícia, contudo, veio da agência reguladora. A Antaq
negou pedido de suspensão de cobrança de taxa por Serviço de Segregação e
Entrega (SSE), feita por usuários de dois terminais de Santa Catarina, atuando
de forma coerente com as suas normas regulatórias.
A cobrança de SSE representa uma legítima
remuneração pelos serviços de movimentação de cargas prestados pelos terminais,
dentro de um ambiente de livre concorrência. A pandemia, por mais grave que
seja, será passageira, ao contrário das normas regulatórias, que devem ser
perenes, em prol da segurança jurídica e dos investimentos.
Por Nilson Mello
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