quinta-feira, 29 de junho de 2017

Artigo

O pós Dilma-Temer



    Pergunta recorrente nas últimas semanas é se foi um avanço ter afastado Dilma para agora assistir ao afastamento de Temer? Sim, foi um avanço. Pela legalidade, comprovada no processo de impeachment, afastou-se a titular. Era o que deveria ser feito. E, também pela legalidade, afasta-se o seu substituto, se os fatos e a Lei assim o autorizarem. Trata-se de um processo de depuração inerente ao fortalecimento da democracia.
    Há ainda um efeito adicional nada desprezível: o fato de o impedimento de Dilma ter exposto Temer e a ala podre do PMDB contribui para o progresso institucional. Não justificaria o afastamento da titular, evidentemente, mas conta para o saldo positivo.
    O contexto é de inflexão da trajetória política brasileira. A sociedade decidiu dar um basta à corrupção. A classe política está sob vigilância. Aliás, o eleitor acompanhará atentamente a conduta da Câmara e de seu presidente em relação ao pedido de abertura de processo contra o atual presidente da República.
    Retomando a questão do impeachment, tivesse Dilma feito um grande governo, ao invés de ter perpetrado a mais profunda e longeva recessão que o país já enfrentou, teríamos todos lamentado a sua saída prematura, porém, ainda assim, o seu impeachment seria um imperativo da legalidade. Se um governante age contrariamente à Lei, deve ser afastado.
    Mas é claro que esse suposto conflito é mera especulação hipotética, uma elucubração teórica, pois seria impossível fazer um grande governo solapando a responsabilidade fiscal, desmontando os alicerces da economia, "reinventando a roda" com a malfadada "nova política macroeconômica". Irresponsabilidade fiscal e boa gestão da máquina pública - agora, às duras penas, o Brasil deve ter aprendido - são caminhos incompatíveis e excludentes.
    O desastre econômico, herança maldita da administração Dilma Rousseff, talvez explique a maior intolerância da sociedade em relação a ela e ao seu governo, comparativamente ao de seu substituto. A população que foi massivamente às ruas pedir o afastamento da presidente prefere, neste momento, assistir da poltrona ao calvário de Temer - uma postura que pode perfeitamente mudar, se houver risco de retrocesso.
    Aqui não há juízo de valor, apenas abordagem descritiva de um fato incontestável, sem qualquer tipo de prescrição dogmática. Que o brasileiro rejeita Temer, não há dúvida - e as pesquisas comprovam isso. Mas, reconheça-se, era de Dilma e do PT que ele tinha pressa em se ver livre. É o que os fatos demonstram. Mas por que razão?
    Não é o caso de se culpar a mídia. Jornais, rádio e TV têm bombardeado diariamente o atual governo, com ampla e privilegiada cobertura - como não poderia deixar de ser - das acusações que lhe são imputadas. Tanto quanto fizeram com Dilma. A alegação de imprensa golpista não cabe mais. A resposta até poderia ser dada pelo próprio PT, numa honesta autoavaliação sobre o seu período no poder, com especial atenção aos episódios do Mensalão e da Lava Jato, bem como à crise econômica.
    Mas aqui, novamente, estamos diante de mera conjectura, de hipótese improvável. Pois, se um mea culpa não é capaz de mudar a opinião da grande parcela do eleitorado que rejeita a legenda, e se o discurso de vítima ainda pode render frutos, sobretudo, porque, no palanque, deverá estar um hábil sedutor de massas, não há razões práticas e políticas para uma mudança.
    Portanto, o que importa saber agora é quem apresentará, em contra-ponto, o discurso racional. E a quem o eleitor vai, majoritariamente, aderir: à ilusão ou à racionalidade econômica?

Por Nilson Mello


(Obs: Este artigo foi publicado originalmente no jornal Monitor Mercantil, em 29 de junho de 2017. https://monitordigital.com.br/o-p-s-dilma-e-temer)




sexta-feira, 23 de junho de 2017

Crises


Conflito no Supremo
 
    Sem considerar as diferenças de caráter técnico, que são muitas, e de capacidade intelectual, que são gritantes, há uma clara divisão no STF entre os ministros que vêem o direito como um instrumento da política e os que entendem que é a política que deve estar a serviço do Direito, neste caso, com "D" maiúsculo, porque no sentido de Justiça - da busca daquilo que é moralmente certo.
    Porque, ao colocarmos o direito como mero instrumento da política, tudo se justifica e se viabiliza - os piores governos, os mais totalitários dos regimes.
    Daí a importância de se verificar não apenas quem governa ou quem pretende governar, mas também como se governa ou como dever-se-á governar.

Crivella


    Se os meios de comunicação do Rio de Janeiro tivessem tido com Cabral e Eduardo Paes o mesmo olhar atento, crítico e vigilante que agora lançam sobre a atual administração municipal (ao invés de terem se comportado como imprensa amiga e domesticada), talvez a cidade e, principalmente, o Estado não estivessem hoje no fundo do poço.
    À parte a omissão indesculpável da mídia, não podemos também de deixar de reconhecer que Rio de Janeiro tem um problema cultural inscrito em seu DNA, ou seja, aqui se valoriza a esperteza e a malandragem, sem se perceber que aí está a fonte da degradação social, econômica e moral da cidade e do Estado.
Marx - Por falar em mídia, aproveito-me do barbudo: "A imprensa é o olhar onipresente do povo sobre os seus governantes". Ideia, claro, não aplicada na extinta URSS, na China comunista ou em Cuba e na Venezuela de hoje. Mas aqui precisa continuar valendo.

quinta-feira, 8 de junho de 2017

Comentário do Dia

A arquitetura tortuosa

    Para aprovar uma Emenda Constitucional que antecipe as eleições presidenciais agora, aqueles que defendem a mudança querem que este Congresso, segundo eles, sem legitimidade, se invista provisoriamente deste atributo do mandato representativo, e, logo em seguida, retome, automaticamente, o estágio atual, de ilegitimidade.
    Sendo que esses deputados e senadores considerados ilegítimos justificariam a mudança oportunista com a sua própria falta de legitimidade para a escolha indireta do presidente, como dispõe a Constituição para o caso que se avizinha (qual seja, o afastamento do vice-presidente que ocupou a Presidência, decorridos mais de dois anos de eleição da chapa).
    Seria, portanto, pela proposta tortuosa, uma súbita conquista de legitimidade, auto-atribuída pelos próprios sujeitos do atributo, que ato-contínuo se extinguiria, cumprido o objetivo pretendido. Deu para entender? Faz sentido?

    

terça-feira, 6 de junho de 2017

Comentário do dia

Legitimidade:
Como o atual Congresso pode ser considerado ilegítimo para escolher indiretamente o presidente da República para o fim do mandato iniciado em 2014, como prevê o art.81 da Constituição, e ser aceito como legítimo para parir em tempo recorde uma Emenda Constitucional que altere a regra e promova o pleito agora, no bojo do iminente afastamento de Temer. Como pode ser legítimo para uma tarefa e não para outra?

segunda-feira, 5 de junho de 2017

História

Resumo da Trajetória Republicana
    Se examinarmos este Resumão abaixo, perceberemos que a trajetória Republicana sempre foi conturbada e que o grande desafio hoje é manter as regras. Na verdade, procuro ver o atual momento de forma positiva, como uma inflexão desta trajetória para um patamar de maior estabilidade institucional e de total intolerância à corrupção.
    Vale lembrar que estamos denunciando , processando e prendendo políticos como nunca antes foi feito, mas tudo obedecendo ao devido processo legal. Afastou-se uma presidente, por crime de responsabilidade (e que também deverá responder por corrupção) observando-se as regras constitucionais, num processo regido pela Corte Constitucional e com autorização do Legislativo.
    O seu substituto também deverá ser afastado e processado, dentro das regras constitucionais. O País está fazendo uma profunda depuração de seu sistema político sem "virada de mesas" ou "quarteladas", ou seja, por meio da Lei. Esta é a prova do fortalecimento das instituições. E a depuração deverá ter sequência na renovação da classe política a por meio do voto em 2018.
Estamos vivendo o mais longo período de normalidade institucional.

Segue o resumo:

6 CONSTITUIÇÕES FEDERAIS
1891
1934
1937
1946
1967
1988
9 MOEDAS
Réis: até 1941
Cruzeiro: 1942
Cruzeiro Novo: 1967
Cruzeiro: 1970
Cruzado: 1986
Cruzado Novo: 1989
Cruzeiro: 1990
Cruzeiro Real: 1993
Real: 1994
6 VEZES CONGRESSO FECHADO
1891
1930 ~ 34
1937 ~ 46
1966
1968 ~ 69
1977
6 GOLPES DE ESTADO
1889 ~ 2016
1930 ~ 34
1937 ~ 45
1945
1955
1964 ~ 1985
13 PRESIDENTES QUE NÃO CONCLUÍRAM O MANDATO
Deodoro: 1891
Afonso Penha: 1909
Rodrigues Alves: 1918
Washington Luís: 1930
Júlio Prestes: 1930
Vargas: 1945 e 1954
Carlos Luz: 1955
Jânio Quadros: 1961
João Goulart: 1964
Costa e Silva: 1969
Tancredo Neves: 1985
Collor: 1992
Dilma: 2016
31 PRESIDENTES NÃO ELEITOS DIRETAMENTE (também considerando posse de interinos)
Deodoro: 1889*
Floriano Peixoto: 1891*
Prudente: 1894*
Campos Sales: 1898*
Rodrigues Alves: 1902*
Afonso Penha: 1906*
Nilo Peçanha: 1909*
Fonseca: 1910*
Venceslau: 1914*
Rodrigues Alves: 1918*
Delfim Moreira: 1918*
Epitácio: 1919*
Arthur: 1922*
Washington Luis: 1926*
Júlio Prestes: 1930*
Vargas: 1930
José Linhares: 1945
Café Filho: 1954
Carlos Luz: 1955
Nereu Ramos: 1955
Ranieri Mazilli: 1961
João Goulart: 1961
Castelo Branco: 1964
Costa e Silva: 1967
Médici: 1969
Geisel: 1974
Figueiredo: 1979
Tancredo Neves: 1985
José Sarney: 1985
Itamar Franco: 1992
Michel Temer: 2016
*Presidentes do Período da República Velha marcado pelas fraudes eleitorais e o coronelismo.
31 REVOLTAS E GUERRILHAS
Golpe Republicano: 1889
Primeira Revolta de Boa Vista: 1892-1894
Revolta da Armada: 1892-1894
Revolução Federalista: 1893-1895
Revolta de Canudos: 1893-1897
República de Curani: 1895-1900
Revolução Acreana: 1898-1903
Revolta da Vacina: 1904
Segunda Revolta de Boa Vista: 1907-1909
Revolta da Chibata: 1910
Guerra do Contestado: 1912-1916
Sedição de Juazeiro: 1914
Greves Operárias: 1917-1919
Levante Sertanejo: 1919-1930
Revolta dos Dezoito do Forte: 1922
Revolução Libertadora: 1923
Coluna Prestes: 1923-1925
Revolta Paulista: 1924
Revolta de Princesa: 1930
Revolução de 1930: 1930
Revolução Constitucionalista: 1932
Revolta Mineira: 1935-1936
Intentona Comunista: 1935
Caldeirão de Santa Cruz do Deserto: 1937
Revolta das Barcas: 1959
Golpe Militar: 1964
Luta Armada: 1965-1972
Guerrilha de Três Passos: 1965
Guerrilha do Caparaó: 1967
Guerrilha do Araguaia: 1967-1974

Normalidade democrática: de 1988 aos nossos dias!


sexta-feira, 2 de junho de 2017

Artigo

As eleições diretas


(OBS: este artigo foi publicado originalmente em O Globo, 
no  dia 02 de Junho de 2017)

Nilson Mello

    O Brasil já tem eleição direta, instituto, como todos sabemos, previsto na Constituição Federal em vigor e regulamentado pela Legislação infraconstitucional.   O calendário eleitoral prevê eleições diretas para Presidente da República a cada quatro anos, a próxima devendo ocorrer em setembro de 2018.
    O  que significa dizer que a situação de hoje é completamente diferente da de 1984, momento das "Diretas Já", em que o País saía de um período de exceção para o reencontro com o Estado de Direito.     Vale lembrar que este Estado Democrático de Direito foi consagrado pela Assembleia Constituinte que, democraticamente, redigiu, votou e aprovou a Carta de 1988, esta mesmo que prevê as eleições diretas para presidente e demais esferas do Executivo.
    Portanto, o fato de os eleitores da chapa Dilma-Temer (ou uma parte deles, ao menos) terem ido às ruas pedir "Diretas Já" só pode ser entendido como um casuísmo oportunista. Que intuito, não devidamente explicitado, motivaria o movimento?
    A pergunta é pertinente, pois está claro que, para o presidente Michel Temer ser afastado - é o que todos os cidadãos de bem esperam, sobretudo aqueles que pediram o impeachment de Dilma, também por crime de responsabilidade - não é necessário que se emende a Constituição.
    Então, reitera-se a indagação, de caráter, reconheça-se, eminentemente retórico: é para que um candidato de sua preferência (da preferência desses que elegeram Dilma-Temer há dois anos e meio) seja eleito de imediato?
    Muito bem, e se o eleito for outro, de campo programático e ideológico oposto, na verdade, diametralmente oposto, como nos autorizam as pesquisas a especular, pedirão esses novamente a mudança da Constituição, a revisão das regras, para que a Presidência seja ocupada por aquele que é de seu feitio?
        A melhor maneira de ser preservar uma democracia é respeitando as regras já previstas. É desta forma que se fortalecem as instituições. Daí porque soam igualmente ingênuas ou muito mal intencionadas as vozes que, neste momento, clamam por uma nova Constituinte.
    Ora, nada garante que parlamentares eleitos agora especialmente para redigir uma nova Constituição (por que seriam esses mais capacitados técnica e moralmente do que os atuais?) conseguiriam produzir algo melhor do que já temos. Não que a atual Carta seja perfeita, mas simplesmente porque não há Ordenamento perfeito.
    Acrescente-se ao problema o evidente risco de, num momento de forte polarização como o que vivemos hoje, produzir-se uma "jabuticaba", anulando conquistas trazidas em 1988, após intensos debates e muita luta.
    O Brasil não precisa de novas regras. Temos uma profusão sem fim delas. O Brasil precisa é aprender a respeitar as normas que já existem. Isso vale para o Presidente da República e também para o simples cidadão que avança o sinal com o seu carro ou joga o seu lixo na sarjeta.

Por Nilson Mello



quinta-feira, 1 de junho de 2017

Artigo

Juros e Política Fiscal



    Alguém lançou a questão dias desses numa rede social na Internet: "o candidato a salvador da pátria Ciro Gomes diz na TV que 48% do que o governo arrecada vai para pagar juros e metade do que resta é previdência". Assim, deveríamos combater os  juros.
    O que Ciro Gomes diz é verdade. Mas é apenas parte da verdade! O restante da história, ele curiosamente, não explica. Qual seja: os juros são altos, e os serviços para pagá-los, estratosféricos, por que o Estado gasta muito mais do que arrecada.
    Assim, os juros altos, altíssimos, são, na verdade, a consequência. A causa, que ele não aponta, é o desequilíbrio fiscal, ou seja, governos gastando muito acima da receita - e gastando mal, haja vista a situação de penúria da saúde e da educação. E aí está a importância da responsabilidade fiscal.
    A ex-presidente Dilma Rousseff tentou baixar a Selic (taxa básica dejuros) à força, sem que houvesse condições fiscais para tanto, uma vez que a política a monetária (gastos públicos) era fortemente expansionista, colocando em risco o controle da inflação. Isso não é ideologia, mas teoria econômica.
    Economia é como as regras da física: você pode até ignorar a Lei da gravidade, mas se pular de um prédio de dez andares vai se estatelar no chão. Dilma e seus ministros evidentemente não dominavam a teoria econômica, ou achavam que poderiam disciplinar suas leis por decreto. Foi uma irresponsabilidade pueril.
    Na verdade, ela  sofreu o impeachment pelo desastre que engendrou com sua política econômica mirabolante. Não que também não tenha cometido crime de responsabilidade. Claro que cometeu. Mas isso foi somente a justificativa moral e jurídica para o seu afastamento.

Polarização

    A forte polarização monotemática que vivemos hoje - e que toma  de assalto as redes sociais - só deverá perder força a partir das eleições de 2018. Ou melhor, depois dessas. E ainda assim, se os personagens objeto das paixões que polarizam os debates não se saírem vitoriosos no pleito. O que está longe de ser uma certeza.
    No momento, ainda estamos no meio de um dolorido processo de depuração democrática. Minha visão otimista diz que isso é parte do amadurecimento político, e que estaremos em outro patamar de 2018 em diante. Posso lhes oferecer uma perspectiva pessimista, mas prefiro esta otimista. Processo de depuração.