Os acusados que dão pena
A Queda da Bastilha, em 1789: não temos um Estado totalitário
O mais sensato comentário sobre os acusados pelo homicídio do cinegrafista
Santiago Andrade veio justamente de quem, pelo drama pessoal, estaria
autorizada a assumir um discurso veemente, intolerante e até mesmo revanchista.
Viúva da vítima, Arlita Andrade disse, com serenidade, ter pena do
auxiliar de limpeza Caio Silva de Souza e de seu cúmplice, o tatuador Fabio
Raposo, colocando em evidência um aspecto desse crime estúpido que só agora
começa a ganhar a devida relevância.
Os dois rapazes são coautores de um assassinato (é o que os indícios e
suas próprias declarações mostram sem deixar muitas dúvidas) ao mesmo tempo em
que vítimas de um processo de manipulação que, a exemplo do homicídio cometido,
requer total reprovação da sociedade e exemplar punição da Justiça.
Os protestos que desde junho do ano passado tomaram autêntica e
espontaneamente as ruas das cidades brasileiras foram gradualmente degenerando
para uma escalada de violência que, à luz do bom senso, só pode ser atribuída a
uma ação criminosa ardilosamente coordenada.
Aliás, tanto quanto a morte de Santiago Andrade, por si só
dramática e simbólica, surpreende o fato de não ter havido outras
tantas em meio ao quebra-quebra insuflado e irresponsável que tomou o lugar dos
legítimos protestos.
Uma coisa é uma população cansada dos maus políticos e governantes, dos
péssimos serviços públicos e dos excessos de tributos, entre outras mazelas, ir
às ruas em paz manifestar o seu descontentamento. Outra bem diferente é
transformar justas e pacíficas reivindicações populares numa campanha regular
de ataque à autoridade pública (por mais desqualificada que esta seja) e de
depredação dos patrimônios público e privado.
Manifestantes que andam encapuzados, buscando covardemente um
anonimato que está na contramão da liberdade de expressão que o Estado, por
mais imperfeito que seja, procura lhes garantir, perdem a legitimidade e estão,
portanto, sujeitos a enérgica reprovação.
Nunca é demais lembrar que a violência revolucionária pode até ter sido
legítima contra estados totalitários. Contra o absolutismo de L’Ancien Régime,
em 1789, por exemplo, talvez fosse imprescindível. Mas, em pleno século XXI, e
num país que mantém uma Constituição com plena garantia aos direitos
individuais e demais princípios democráticos, a prática é intolerável. O Brasil
não é a Síria ou o Egito, e não estamos e nem precisamos estar em revolução para
aperfeiçoar nossas instituições.
Quanto aos dois jovens, devem agora estar se dando conta que arruinaram as suas
vidas e de suas famílias por aderir a uma baderna sem pé nem cabeça e, talvez também,
por acreditar em líderes que sequer assumem claramente sua ideologia e seus
objetivos. E isso é mesmo triste e de dar muita pena.
Em tempo:
Os meios de comunicação devem tomar cuidado ao crucificar Caio Silva de Souza e
Fábio Raposo. Por mais deplorável que tenha sido o seu ato, eles não tinham por
alvo premeditado um profissional da imprensa. Ainda que a tese de dolo
eventual, presente no inquérito policial, prevaleça na fase processual (embora
bastante questionável, dada a conduta aleatória na ação), o intuito dos rapazes
não era perpetrar um atentado contra os meios de
comunicação. O exagero compromete a credibilidade da informação e joga para
escanteio a crítica de boa qualidade, indispensável em episódios como este.
Por Nilson Mello