sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Artigo

Currais eleitorais?



     A vitória do governo no Nordeste no segundo turno da eleição presidencial por larga margem de diferença (mais de 70% dos votos válidos) nos obriga a reconhecer o impacto dos programas de inclusão social, em especial o Bolsa Família. O diagnóstico vale também para o Norte e para estados de regiões mais ricas onde a candidata da situação também saiu vencedora.
A significativa distância que separa os mais pobres dos mais ricos no Norte de Minas e nos vastos bolsões de baixa renda do Rio de Janeiro, principalmente nas comunidades carentes da Região Metropolitana, foi, como sabemos, igualmente um fator determinante. Claro que onde há baixa renda, há menos escolaridade e, consequentemente, mais possibilidade de manipulação. Mas isso nem é o que importa na presente reflexão.
Ainda que o PT tenha transformado tais ações sociais em instrumento de um assistencialismo reprovável, dado o viés demagógico e o pragmatismo político a elas associados, o fato é que, num país tão desigual como o Brasil, programas de inclusão não são apenas importantes, mas indispensáveis pelo seu caráter humanitário. Como fomos capazes de deixar um contingente tão grande de brasileiros sobrevivendo em condições indignas por tanto tempo?
O PT e este governo que agora se prepara para um difícil segundo mandato não devem ser criticados pelo Bolsa Família ou por seus congêneres. Programas de inclusão social são uma obrigação moral de governos no Brasil. A propósito, não se tem notícia de que o PSDB de Aécio Neves, criador do Bolsa Escola,  seja contrário a essas iniciativas.
A crítica que o PT e o atual governo devem merecer é pelo fato de não terem feito muito além disso. E também por terem desarmado o que vinha funcionando. Programas sociais são um paliativo e como tal devem ser transitórios. Quando se tornam ação política a ser expandida por longo prazo e a perder de vista, algo há de errado – de muito errado.
Governos realmente comprometidos com a sociedade devem dar aos programas sociais um prazo de validade, uma vez que a sua expansão e longevidade são atestados do próprio fracasso do Estado. Ou seja, se tudo está correndo bem os programas de inclusão social são paulatinamente reduzidos. Se, ao contrário, são massivamente ampliados, é sinal de disfuncionalidade.
Em 12 anos de “gestão” – dois mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva e um de Dilma Rousseff – os governos do PT falharam em duas frentes fundamentais: na economia, onde não garantiram a permanência de parâmetros que vinham dando certo, coma a responsabilidade fiscal (desarmaram o modelo); na educação, onde não promoveram a revolução da qual o Brasil precisa. (Deixemos de lado por ora o problema da corrupção, haja vista o seu DNA nacional e multipartidário).
O Japão do século XIX e a Coreia do Sul do século XX eram países com grandes contingentes de analfabetos que viriam a se tornar gigantes tecnológicos e industriais num prazo de duas décadas (o que propiciou um extraordinário aumento da renda de seus cidadãos) graças aos investimentos em educação. Por que não tê-los como paradigmas é uma questão que permanece sem resposta.
É uma falácia dizer que as ações sociais e as medidas “anticíclicas” (estímulos fiscais e de crédito para atenuar efeitos de uma crise internacional que, a rigor, há muito já se foi) justificaram ou justificam os excessivos gastos públicos. A irresponsabilidade na “gestão” das contas governamentais estimulou a inflação, agora mais difícil de debelar.
Teria sido possível dar sequência aos programas sociais com mais eficiência, não fosse a notória irresponsabilidade fiscal. Sem uma economia forte e crescimento sustentável, até o Bolsa Família estará um dia comprometido. Se isso ocorrer, o governo – seja lá qual for – terá perdido então o instrumento com o qual, na base do assistencialismo, fomenta “currais eleitorais”. Mas, se chegarmos a este ponto, o retrocesso será de tal ordem que nem a oposição terá motivos para comemorar.

Por Nilson Mello
    

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