sexta-feira, 27 de abril de 2012

Índices de aprovação e de reflexão
           



                    O Leviatã de Hobbes


A democracia como forma de governo não se opõe necessariamente a um modelo totalitário. Para aqueles que acham que uma ditadura daria cabo dos desarranjos da democracia brasileira, sobretudo da estarrecedora corrupção, eis aí um falso alento que tem tomado vulto. (Como se as ditaduras não pudessem também ser corruptas!).
Com efeito, há democracias institucionalizadas em que sobra pouco espaço para a liberdade e as garantias individuais. Nelas, o cerceamento ao cidadão se constrói de forma paulatina e sutil, sem ofensas às Leis.
Na verdade, essas “ditaduras democráticas”, com licença para a contradição em termos, se estruturam com o amparo da Lei, por meio da sujeição do Legislativo às imposições do Executivo, pelo conluio entre ambos e, claro, a partir da domesticação do Judiciário e demais instâncias de Poder.
O Equador é um exemplo bem próximo e atual. A Venezuela é menos sutil, mas igualmente emblemática. Nessas “democracias” heterodoxas, o Estado assume um papel orientador e tutelar crescente, suprimindo a autonomia da vontade. Em grau menor, ainda muito menor, mas perceptível no nosso cotidiano, o ativismo estatal brasileiro embute esse viés.
A concepção liberal, que ganhou forma no século XVII e foi projetada pelo romantismo filosófico do século XIX, vislumbrava um indivíduo bem formado e informado e, por essa razão, cônscio de suas obrigações. Um indivíduo que poderia prescindir do Leviatã de Hobbes – ou reconhecê-lo, mas com funções reduzidas. Um indivíduo capaz de cumprir seu papel livre de tutela. Uma sociedade justa e próspera emergiria da soma da conduta responsável de seus cidadãos.
A concepção liberal, ou seja, a idéia de autonomia da vontade, que pressupõe responsabilidade, e que afasta a mão autoritária, continua boa em tese, mas tem falhado muito nos seus pressupostos: a educação no sentido estrito; a formação no sentido amplo. Daí o flerte de muitos com o autoritarismo, dando razão a Hobbes. Daí também o progressivo domínio da sociedade pelo Estado.
Educação e formação têm estado sempre aquém dos desafios éticos e morais que as sociedades enfrentam. O “imperativo categórico” tornou-se obra de ficção. Não se sabe mais onde está a ética e a moral. Não se sabe mais o que é ética e moral.
O Brasil está sendo bem conduzido? As pesquisas de opinião dizem que sim. Na verdade, as pesquisas de opinião indicam que a maior parte da população acha que sim. Os índices de aprovação do governo são impressionantes. 
Nada garante, contudo, que a opinião expressa pela maioria é construída com base no adequado senso crítico e na efetiva capacidade de reflexão. Não, não se trata de ser contra a maioria, ou contra pesquisas de opinião. Nem de particularizar a questão, de procurar desmontar eventuais êxitos deste ou daquele governo, de minimizar possíveis méritos. O que importa é salientar que essa opinião consolidada para uso estatístico não decorre de elevado grau de educação e formação.
Altos índices de aprovação, quando aferidos junto a um público de precária formação, de baixa escolaridade, tendem a mascarar a realidade - e a estimular um ciclo vicioso. Legitimam o que seria ilegítimo e abrem espaço para o autoritarismo. Perpetuam uma situação em que o Estado hiperativo orienta, conduz e tutela os indivíduos, ao invés de ser uma genuína expressão da sociedade, e seu instrumento de ação, dentro dos melhores ideais liberais.
     Nota: Culturas evoluídas também sucumbiram ao totalitarismo, com resultados tenebrosos. Assunto para outro artigo.

     Por Nilson Mello



4 comentários:

  1. Nilson, este texto pela qualidade e oportunidade, foi um dos melhores que li ultimamente. Valeu !
    Gilberto Ramos

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  2. Muito bom!
    Não vou entrar no mérito das pesquisas de opinião, visto que as mesmas avaliam de forma superficial a condução do país, ou seja, não exploram a razão da satisfação detectada.
    Dessa forma componentes como comparativo com o passado, carência de informação e benefícios particulares influenciam os resultados, os quais reitero, são válidos e refletem o sentimento da população.
    Inadmissível, no entanto, é que o fator "benefício particular" influencie a opinião das pessoas.
    Revolta ver a passividade da população com as revelações das conexões entre empresários, políticos e governantes todas em prol de seus interesses individuais.
    E o mais grave, os envolvidos passarão por pequenos momentos de turbulência, mas em breve surgirá outro escândalo que ocultará do noticiário a Delta, o Cachoeira e seus beneficiários.
    Nesse momento poderão viajar para o exterior e se divertirão às custas das "remunerações" recebidas, enquanto os otários se revoltarão e constatarão que a máxima de que o "crime não compensa" é mentirosa, compensa sim, para os desprovidos de caráter, ética e moral.
    Abraço
    IH

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