O caminhão
é pesado, mas saiu da inércia
Os déficits orçamentários anuais que o país
enfrenta desde 2014 e a consequente possibilidade de um apagão da máquina
pública federal em 2020, por falta de dinheiro em caixa para o custeio -
segundo previsões do próprio governo -, reforçam a importância do esforço
fiscal e das reformas estruturantes em curso no Congresso.
Os controles pontuais adicionais que o atual
governo se impõe (redução de 1% de seu consumo no segundo trimestre, por
exemplo) impedem que a situação hoje seja ainda mais dramática. As reformas,
por sua vez, permitem ao país vislumbrar um horizonte mais promissor.
Dessas reformas deverá advir uma estrutura
orçamentária mais saudável, com menos receitas vinculadas e maior
disponibilidade de recursos para os investimentos (hoje no menor patamar
histórico desde 2009) em áreas essenciais, como educação, saúde, infraestrutura
e segurança.
No modelo orçamentário presente, em que mais
de 90% das receitas estão comprometidos com despesas obrigatórias (com forte
ênfase em Previdência e salários do servidor público), o orçamento é uma camisa
de força que deixa pouca margem de manobra ao gestor.
Os gastos são pesados, mas não
necessariamente de qualidade - algo de que o contribuinte está sempre se lembrando
no seu dia a dia em que se depara com precários serviços públicos.
O déficit primário (despesas acima das
receitas) acumulado do governo central alcançará os R$ 535 bilhões este ano. Nunca
é demais lembrar que déficits altos significam que o Tesouro tem que buscar
financiamento no sistema (ou seja, precisa pegar uma montanha de dinheiro
emprestado no mercado) para poder pagar as suas contas, o que o obriga, também,
a arcar com uma altíssima despesa com juros - algo em torno de 6% do PIB). Trata-se
de um círculo vicioso que, é claro, contribui para aumentar o próprio montante
da dívida.
De 2016 até
o final deste ano, as despesas obrigatórias do governo (folha de pagamentos e
receitas vinculadas) terão crescido R$ 200 bilhões, segundo projeções oficiais.
Não por acaso, as despesas discricionárias, ou seja, aqueles recursos que o
governo pode aplicar onde entende que há mais carência ou seja mais relevante,
deverão ser reduzidas em R$ 44 bilhões.
Nos últimos
três anos, período de forte retração econômica, com queda acentuada de receitas
tributárias, as despesas previdenciárias aumentaram R$ 122 bilhões e o
pagamento de pessoal, R$ 66,7 bilhões. O rombo da Previdência deve alcançar R$
30 bilhões em 2020, já contando com a aprovação da Reforma ora em trâmite e os
seus eventuais resultados. Isso tudo a despeito de uma carga tributária da
ordem de 33% do PIB, seguramente a mais alta entre os países emergentes e uma
das mais altas do mundo. Não há mais como extrair receitas do setor produtivo.
O razoável, num momento de forte crise como
o que vivíamos e ainda vivemos, seria que o governo pudesse segurar despesas
com Previdência e salários, para não agravar a situação fiscal, mas o que se
viu foi justamente o oposto por força de imposições legais que só as referidas
reformas poderão alterar. Nesse processo de aumentos de despesas
previdenciárias e com salários, categorias do setor público são privilegiadas
em detrimento do interesse da maioria.
O aumento do déficit não resultou de
recursos aplicados em investimentos (política anticíclica), como forma de reverter
ou atenuar a recessão. E nem mais este papel de "Estado indutor da
crescimento econômico", tão caro aos sociais democratas, o governo pode
assumir, tal é a situação das contas públicas.
Em geral, quem se posiciona contra os ajustes
fiscais e as reformas estruturantes - partidos com orientação social e seus
seguidores, que acreditam que gastando mais o Estado pode gerar mais bem estar
para os indivíduos - esquece-se que, quanto maior for a dívida governamental,
mais empobrecida será a população - a não ser que haja capacidade de pagamento,
o que não é o caso.
Esse segmento de opositores associa os
ajustes a interesse financistas atrelados a uma "visão neoliberal",
mas não se dá conta de que é justamente o setor financeiro o que mais lucra com
déficits governamentais recorrentes, enquanto o setor produtivo - que pode
investir e empregar em larga escala, gerando mais postos de trabalho e aumento
da renda -, o que mais perde.
Um Estado que gasta em excesso, acima de sua
capacidade, mas não é capaz de investir, não gera desenvolvimento sustentável,
mas, ao contrário, promove, no longo prazo, a penúria, por melhores que possam
ser as intenções - e nem sempre elas são as melhores. O caso extremo da
Venezuela está aí para nos servir de alerta: vale ser sempre lembrado, já que
muitos ainda não fizeram a lição e preferem comprar ilusões a enfrentar a
realidade.
Apesar de toda esta complexa situação
fiscal, decorrente em parte, justiça seja feita, de um arcabouço legal desfavorável,
mas também - e é preciso ser honesto quanto a isso - de uma política econômica
irresponsável adotada em passado recente (a malfadada nova matriz
macroeconômica), a economia brasileira dá sinais de que começa a se recuperar.
O crescimento do PIB no segundo trimestre do
ano foi de 0,4%, conforme anunciado
na semana passada. Parece pouco, mas é o melhor resultado para o período em
seis anos e o dobro do que havia sido previsto pela média das consultorias
econômicas, indicando uma tendência mais promissora.
Em 12 meses, a alta do PIB é de 1%. Um dado
importante: houve crescimento, apesar do menor consumo governamental, com
aumento do investimento privado (aumento de 3,2% na comparação dos trimestres e
de 5,2%, na comparação com igual período do ano passado), o que traduz maior
confiança dos investidores.
Os números relativos ao mercado de trabalho
também foram favoráveis: depois de 20 semestres seguidos com queda, o número de
trabalhadores com carteira assinada voltou a crescer com a criação de 294 mil
vagas no segundo trimestre. Este movimento de retomada será retro-alimentado nos próximos meses por outras medidas e adventos, como os leilões da área de petróleo e gás, a aceleração das privatizações e os programas de concessões em diferentes setores.
Como economia tem muita a ver com
expectativas, não há como negar que contribui, para este início de recuperação,
entre outros fatores, como juros baixos e inflação controlada, a percepção, por
parte dos agentes econômicos -investidores, empreendedores e consumidores - de
que o atual governo manterá o seu compromisso com a busca do equilíbrio fiscal,
o que implica, por óbvio, não apenas racionalizar e ponderar gastos, mas empreender
esforços para que as reformas em curso sejam concluídas e outras, como a
administrativa, sejam efetivamente encaminhadas.
A imagem de um caminhão que,
empurrado, começa a sair da inércia e a se deslocar lentamente pode ser usada
para representar a economia brasileira neste momento. O veículo, que havia sido
encostado na oficina, após reparos urgentes, já está em movimento. Porém, com bateria
arriada, pegou no tranco, e, pesado, ainda deve demorar a ganhar velocidade. O
mais importante é que saiu da inércia, e os problemas que causaram a pane foram
corretamente identificados e estão sendo passo a passo corrigidos.
Para que a confiança seja mantida, o governo
não pode cair na tentação dos "atalhos fiscais". Qualquer movimento
neste sentido, como, por exemplo, a remoção da regra que atrela o aumento dos
gastos à inflação do ano anterior, pode frustrar essas expectativas e travar novamente
a retomada do crescimento. A mecânica do caminhão já não aguenta mais gambiarra.
*
Por Nilson Mello
(Jornalista
e advogado, é pós-graduado em Economia e em Direito Financeiro e Tributário)
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