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quarta-feira, 24 de março de 2021

Portos e Transporte Marítimo

 

Entre vacinas e resoluções normativas


(Obs: artigo publicado simultaneamente com a revista Portos & Navios)

Em tempos de incertezas, convém repassar os indicadores positivos e ter foco no trabalho a ser feito.  A prévia do Produto Interno Bruto (PIB) de janeiro aponta para um crescimento de 1,04%, um patamar que equivale ao período pré-Covid. É o nono mês consecutivo de alta, após a forte retração entre março e abril do ano passado. De dezembro para janeiro, o índice de atividade calculado pelo Banco Central passou de 138,86 para 140,30 pontos, dentro da série dessazonalizada. Foi o melhor desempenho registrado desde maio de 2015 (141,05 pontos). Há um ano, em fevereiro de 2020, antes do início da pandemia, o indicador estava em 140,02 pontos.

Os dados divulgados na última semana, evidentemente, ainda não levam em conta os possíveis impactos (negativos) com o recrudescimento da pandemia no Brasil no último mês. Contudo, neste momento, não deixam de ser um alento, sobretudo se apostarmos que a ampliação da campanha de imunização, a partir da segunda quinzena de março, com a produção em massa de vacinas no país (como anunciado pela Fiocruz e outras instituições), contribuirá decisivamente para a retirada paulatina das medidas restritivas e, consequentemente, para o progressivo aumento da atividade econômica.

A cadeia logística vê um impacto menor com a nova onda de coronavírus, conforme revelou recente reportagem do jornal Valor Econômico. E isso se deve ao aprendizado feito ao longo do ano passado, com as empresas, em particular armadores, se planejando para enfrentar o problema de forma cíclica. O segmento de cabotagem divulgou (Portos & Navios) que foi pouco afetado pelo ano de pandemia.

Cabe lembrar que o volume de cargas nos portos brasileiros avançou 4,2% em 2020, de acordo com a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), com movimentação de 1,151 bilhões de toneladas, o que comprova o quanto os setores portuário e de transporte marítimo são essenciais e estratégicos para a economia, mantendo intensa atividade mesmo em meio a uma crise global.

            Diante do que ainda é imponderável, ou seja, a imunização massiva, porque ainda demandará certo tempo, o foco de todos deve estar em medidas que possam trazer mais transparência e segurança jurídica aos setores de infraestrutura logística. No que tange aos terminais portuários, merece atenção os debates em curso sobre a defesa da liberdade de preços dentro de um ambiente de aberta competição como é hoje.

Em ambiente de livre concorrência, pressuposto do próprio desenvolvimento do setor, com evidentes vantagens para os usuários, o ente regulador não deve impor preços, sob o risco de inviabilizar economicamente atividades que, como vimos acima, são imprescindíveis. Seu papel deve ser o de zelar para que haja transparência nos contratos, com ampla participação, o que significa que as regras (resoluções) devem ser claras e amparadas em critérios eminentemente técnicos, livres de dogmas. Infelizmente, nem sempre é o que acontece.

No caso específico do transporte marítimo, reveste-se de grande importância o processo de Avaliação de Impacto Regulatório (AIR) a que está sendo submetida a Resolução Normativa (RN) nº 18/2017 da Antaq. A norma mereceria um artigo dedicado a ela. Neste curto espaço, o que se pode dizer é que, genérica e vaga, fruto de uma visão ideologizada do setor e, portanto, distante da realidade, a RN 18 trouxe enorme insegurança jurídica com crescente judicialização de questões que eram de entendimento simples e pacífico, se fossem considerados os contratos firmados livremente entre as partes. A revisão de seus pontos controversos, portanto, seria o desejável ao término da AIR.

Em meio ao combate à pandemia, trabalhar firmemente em prol do desenvolvimento de um arcabouço regulatório de melhor qualidade, transparente e pautado em critérios técnicos, é a tarefa que nos cabe. 

Por Nilson Mello

terça-feira, 29 de dezembro de 2020

Estamentos

 

Manobra espúria


(Obs; este artigo foi publicado concomitantemente com o Correio da Manhã)

            Tudo o que é do Estado é aproveitado pelos detentores do Poder. O conceito de patrimonialismo, expresso na desconcertante sentença, foi desenvolvido pelo jurista e sociólogo alemão Max Weber no século XIX. O objeto do estudo, então, eram as nações absolutistas que já haviam vivido o seu apogeu e davam lugar, na Europa, por meio de reformas ou rupturas violentas, às monarquias constitucionais e às democracias liberais.

            Em “Os donos do Poder”, o brasileiro Raymundo Faro, outro jurista com pendor para a sociologia, destrincha as razões históricas do clientelismo no Brasil e, a partir daí, apresenta o diagnóstico do atraso do país. Desde os tempos de colônia, somos reféns de práticas patrimonialistas que obstam o nosso desenvolvimento social.

            A referência a Weber e a Faoro é oportuna porque nos deparamos por esses dias com clara tentativa de captura da esfera pública pelo interesse privado. Foi o que aconteceu quando o Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça e o Tribunal Superior do Trabalho fizeram gestões para obter de forma privilegiada – e indevida – para seus ministros, servidores e familiares desses a vacina contra a Covid-19.

            A manobra dos “detentores do Poder” foi rechaçada pela Fiocruz, que avisou: todas as doses do imunizante serão encaminhadas ao Ministério da Saúde, para distribuição à população de acordo com critérios médicos. É triste ver órgãos do Judiciário, a quem cabe a defesa do Estado de Direito, agir contrariamente à sociedade.

No vácuo de liderança deixado pelo Executivo, declaradamente contrário à prioridade da imunização (enquanto 40 países já estão em processo de vacinação), os “estamentos” resolveram salvar a própria pele. A imagem do Titanic indo a pique após colidir com o iceberg, com escaleres apenas para a primeira classe, serve como metáfora. 

Não fosse uma notinha em coluna de jornal o episódio sequer teria sido notado pela opinião pública – comprovando que, em países livres e democráticos, a imprensa é mesmo o “olhar onipresente do povo” sobre os seus governantes. Ainda assim, as manifestações de indignação foram rarefeitas, o que revela o quão habituados estamos às práticas espúrias que distorceram a razão de ser do Estado.

A Constituição de 1988, fruto da redemocratização, fracassou na sua maior tarefa, a de modernização do Estado brasileiro. Na contramão, engendrou uma máquina administrativa dispendiosa que tem exaurido o setor produtivo. De quebra, potencializou as desigualdades que prometia combater, uma vez que consolidou uma casta de servidores com privilégios inatingíveis para a grande maioria dos trabalhadores. É preciso reverter essa lógica perversa. O Estado existe para servir à sociedade, e não para servir-se dela.

A reforma administrativa reprogramada para o ano que se inicia pode não ser a condição suficiente (até porque o patrimonialismo é também cultural), mas é uma condição necessária para que o Brasil retome o rumo da modernização e do desenvolvimento econômico e social. Que não percamos mais esta oportunidade.

Por Nilson Mello

                       

quinta-feira, 22 de outubro de 2020

Pandemia

 

A politização da vacina



            Quando todos com um mínimo de acuidade política julgavam que o governo federal ganhara pontos junto à sociedade ao oficiar o Instituto Butantan a compra de 46 milhões de doses da vacina CoronaVac, desenvolvida em parceria com o laboratório chinês Sinovac – afinal, o importante é envidar esforços contra a pandemia –, eis que, em menos de 48 horas, o presidente Bolsonaro reverte as expectativas positivas, desautoriza o seu ministro da Saúde e manda suspender os entendimentos para aquisição.

Com o retrocesso, conseguiu fazer pior do que o seu desafeto e adversário político, o governador João Dória, que dias antes afirmara que a vacina teria caráter obrigatório em São Paulo. Não parece ser uma decisão razoável – nem política e juridicamente aceitável - obrigar a população a tomar uma vacina desenvolvida em tão pouco tempo, ainda que já tivesse sido aprovada – o que não é o caso.

O caráter compulsório, nas circunstâncias, tem um forte viés autoritário, antidemocrático. Não por outra razão, governos europeus adiantaram que as vacinas, quando aprovadas, de início não serão obrigatórias. Percebendo a gafe, o prefeito Bruno Covas, aliado de Dória e candidato à reeleição, se apressou a negar a obrigatoriedade na capital paulista.

Na marcha da insensatez da politização da pandemia, “nossos líderes” têm se superado nos arroubos. É claro que sempre haverá plateia para aplaudir insanidades. São muitos os delírios. Seguidores irredutíveis de Bolsonaro, a julgar pelo que postam nas redes sociais, consideram o seu veto ao processo de compra da CoronaVac uma atitude patriótica, visando a barrar a expansão do “comunismo chinês”.

Como se a China não tivesse há muito deixado de ser uma economia comunista, e como se não merecesse respeito por ser o nosso maior parceiro comercial, detentor de tecnologia de ponta, maior PIB do mundo, hoje, pelo critério de paridade do poder de compra. Tem sentido a postura hostil?

Embora não tenha a letalidade da Covid-19, a “cegueira ideológica” é uma patologia grave que distancia o seu portador da realidade. Acomete indivíduos de todo o espectro político, sendo que, quanto mais perto dos extremos (para um lado ou outro), mais suscetível estará à forma incurável. Aparentemente, após turvar a “visão”, a moléstia atinge também a capacidade cognitiva.

Ora, o que deve realmente importar neste momento é a qualidade das vacinas e a sua eficácia na imunização, não a origem dos laboratórios que as produzirão. Até o momento, nenhum dos laboratórios que desenvolvem vacinas no Brasil protocolou pedido de validação. Todas continuam em testes, incluindo a CoronoVac e a da Oxford/Fiocruz. O diretor-geral Anvisa, Antonio Torres, já avisou que o órgão se norteará por critérios científicos, longe da discussão política. Ufa!

O ofício do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, ao Butantan manifestava, na verdade, a intenção de compra, não a compra efetiva, que estaria condicionada à aprovação do imunizante pela agência. Tudo dentro da normalidade e da razoabilidade, não fosse o atropelo do presidente Bolsonaro.  Mas isso também já deixou de ser novidade.

Por Nilson Mello