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sábado, 12 de dezembro de 2020

Coronavírus

                                                       A vacina e os militares

            Todo o esforço no sentido de acelerar a distribuição no Brasil de uma das vacinas contra a Covid-19 é bem-vindo, desde que normas de saúde não sejam atropeladas, e a palavra final fique a cargo de quem tem competência para decidir a questão – a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Para que essa condição seja cumprida, e tendo em vista a responsabilidade envolvida, é imperativo que a agência comporte-se também dentro do estrito critério técnico, livre de qualquer interferência política.

A imagem de isenção e equidistância depende em grande medida da transparência e, por consequência, de uma comunicação eficiente, algo que definitivamente não tem acontecido. Quando o diretor-presidente da agência, Antônio Barra Torres, passa informações de forma seletiva a um apresentador de programa de TV, mas afirma que não vai dar entrevista, “para não polemizar”, como ocorreu nesta quinta-feira, tudo o que está fazendo é contribuir para as polêmicas e as suspeitas de politização da questão.

Eis aí um caso típico em que o uso dos meios de comunicação por organismos governamentais deve ser reiterado e o mais transparente e plural possível, visando a esclarecer à sociedade. É função de seus dirigentes assumirem o papel de porta-vozes, sempre que solicitados, falando para todos, e não de forma reservada. Não tem sido a regra. Até se pode compreender a reticência do diretor-presidente da Anvisa em explicar pessoalmente e de forma clara à população em que pé estão os processos de homologação das diferentes vacinas em desenvolvimento.

Afinal, estamos no terceiro ministro da Saúde em ano de grave pandemia justamente porque os antecessores do atual – que já disse que está lá para cumprir ordens – adotaram posições técnicas diferentes daquela determinada pelo presidente da República. Como se diz na caserna (já que Barra Torres é militar), explica-se, mas não se justifica. Com 180 mil mortes, maior média móvel do mundo em dois meses, e 6,7 milhões de contaminados pelo novo coronavírus, o interesse público deve falar mais alto.

Seria justamente dos militares – tendo em vista a sua disciplina, a formação rigorosa e o inequívoco compromisso com a nação – que se esperaria excelência na organização e planejamento no momento de crise. Nem é preciso lembrar que o dever é com o Estado, não com um governo. Daí surge a incontornável pergunta: onde está o plano federal de vacinação?

O ministro Eduardo Pazuello apresentou há cerca de um mês um “plano preliminar” que, de acordo com nota técnica do Observatório Covid-19 BR, entidade que congrega 80 cientistas das mais respeitadas instituições de pesquisa do país, é um documento rudimentar, na verdade, “um esboço com tantas lacunas que dificilmente poderá ser seguido”. Para uma das integrantes do grupo, falta um “documento consubstanciado, bem detalhado e construído com racionalidade”.

Está mais do que na hora de os militares espalhados pelos gabinetes de Brasília mostrar a que de fato vieram. Ou imprimem competência ao governo no enfrentamento da Covid-19, ou é melhor que peçam para sair. Se não conseguem influenciar positivamente o Planalto, que não se deixem contaminar pelas recorrentes trapalhadas. Governos passam, Forças Armadas ficam.

(Nota de eslcarecimento: este artigo foi finalizado antes da divulgação da entrega, na sexta-feira, pelo governo ao Supremo, do que seria o plano federal de vacinação definitivo. O documento, de 94 páginas, contudo, gera controvérsias, porque não indica possível data de início da imunização e é contestado por três dezenas de especialistas,  consultores do governo que figuram como signatários do texto, mas que não deram aval para a sua versão final)

Por Nilson Mello

quinta-feira, 22 de outubro de 2020

Pandemia

 

A politização da vacina



            Quando todos com um mínimo de acuidade política julgavam que o governo federal ganhara pontos junto à sociedade ao oficiar o Instituto Butantan a compra de 46 milhões de doses da vacina CoronaVac, desenvolvida em parceria com o laboratório chinês Sinovac – afinal, o importante é envidar esforços contra a pandemia –, eis que, em menos de 48 horas, o presidente Bolsonaro reverte as expectativas positivas, desautoriza o seu ministro da Saúde e manda suspender os entendimentos para aquisição.

Com o retrocesso, conseguiu fazer pior do que o seu desafeto e adversário político, o governador João Dória, que dias antes afirmara que a vacina teria caráter obrigatório em São Paulo. Não parece ser uma decisão razoável – nem política e juridicamente aceitável - obrigar a população a tomar uma vacina desenvolvida em tão pouco tempo, ainda que já tivesse sido aprovada – o que não é o caso.

O caráter compulsório, nas circunstâncias, tem um forte viés autoritário, antidemocrático. Não por outra razão, governos europeus adiantaram que as vacinas, quando aprovadas, de início não serão obrigatórias. Percebendo a gafe, o prefeito Bruno Covas, aliado de Dória e candidato à reeleição, se apressou a negar a obrigatoriedade na capital paulista.

Na marcha da insensatez da politização da pandemia, “nossos líderes” têm se superado nos arroubos. É claro que sempre haverá plateia para aplaudir insanidades. São muitos os delírios. Seguidores irredutíveis de Bolsonaro, a julgar pelo que postam nas redes sociais, consideram o seu veto ao processo de compra da CoronaVac uma atitude patriótica, visando a barrar a expansão do “comunismo chinês”.

Como se a China não tivesse há muito deixado de ser uma economia comunista, e como se não merecesse respeito por ser o nosso maior parceiro comercial, detentor de tecnologia de ponta, maior PIB do mundo, hoje, pelo critério de paridade do poder de compra. Tem sentido a postura hostil?

Embora não tenha a letalidade da Covid-19, a “cegueira ideológica” é uma patologia grave que distancia o seu portador da realidade. Acomete indivíduos de todo o espectro político, sendo que, quanto mais perto dos extremos (para um lado ou outro), mais suscetível estará à forma incurável. Aparentemente, após turvar a “visão”, a moléstia atinge também a capacidade cognitiva.

Ora, o que deve realmente importar neste momento é a qualidade das vacinas e a sua eficácia na imunização, não a origem dos laboratórios que as produzirão. Até o momento, nenhum dos laboratórios que desenvolvem vacinas no Brasil protocolou pedido de validação. Todas continuam em testes, incluindo a CoronoVac e a da Oxford/Fiocruz. O diretor-geral Anvisa, Antonio Torres, já avisou que o órgão se norteará por critérios científicos, longe da discussão política. Ufa!

O ofício do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, ao Butantan manifestava, na verdade, a intenção de compra, não a compra efetiva, que estaria condicionada à aprovação do imunizante pela agência. Tudo dentro da normalidade e da razoabilidade, não fosse o atropelo do presidente Bolsonaro.  Mas isso também já deixou de ser novidade.

Por Nilson Mello