Um novo pacto social
A crise fiscal que o país atravessa poderá
ser produtiva se levar a sociedade a enfrentar a questão sem mascaramentos. O
problema orçamentário brasileiro decorre do excesso de gastos, não da falta de
receitas. Por isso não é justo falar em aumento de impostos. Dados simples nos
permitem chegar a tal conclusão sem maiores esforços - a menos que nos
mantenhamos aninhados na mentira, alienados pela farsa política.
O Brasil é a sétima maior economia do
Mundo, com um Produto Interno Bruto (PIB) de R$ 8,5 trilhões em 2014 (algo em
torno de US$ 2,2 trilhões), o que o coloca entre as prósperas Grã-Bretanha e
Itália. Esta potência econômica - pois é o que somos, a despeito da recessão
conjuntural e dos graves problemas estruturais - arrecada uma barbaridade em
tributos: nada menos do que R$ 1,8 trilhão em 2014.
Desde 2010, para ficarmos num passado
recente, a arrecadação no Brasil vem crescendo 2,5% do PIB ao ano, contra 1,5%
na América Latina e 1,3% nos países desenvolvidos. Mas nem uma economia robusta,
nem uma arrecadação crescente, que elevou a carga tributária a 35,7% do PIB,
tem sido capaz de nos garantir contas públicas equilibradas - muito menos
serviços públicos dignos.
A apresentação pelo governo do orçamento para
2016 com um rombo de R$ 30,5 bilhões teve o mérito de mostrar a todos que o
"rei está nu" - ainda que tenha sido também um atestado de inaptidão
administrativa, um reconhecimento da falência gerencial. Somente a desonestidade
intelectual, fruto de um comprometimento ideológico injustificável, poderá
negar a realidade dos fatos: criamos, a partir de 1988, um modelo de amplos
direitos e benefícios para o qual não há orçamento que dê conta. Ainda que
sejamos potência econômica.
Cortar gastos de forma significativa numa
estrutura legalmente engessada é tarefa quase impossível. Por imposições
constitucionais, 80% da receita da União estão comprometidos com despesas
obrigatórias. As despesas com pessoal este ano alcançarão R$ 230 bilhões,
devendo ir a R$ 252,4 bilhões em 2016. O mais grave é que, num contexto já desfavorável,
os "donos do Poder" ainda conseguem parir novas indecências. É o caso
do reajuste de 45% para os servidores do Judiciário, conforme proposta
encaminhada ao Congresso, e do aumento de 5,5% nos subsídios dos ministros do
STF. Gastos adicionais que sequer são obrigatórios.
Com a economia em recessão e o governo
mergulhado na crise fiscal, tais impulsos só podem ser vistos como uma afronta ao
empreendedor e ao trabalhador do setor privado que dedicam seis meses do ano ao
pagamento de impostos. O país que em 1808 assistiu à chegada da família real e dos
8 mil integrantes da Corte - e precisou arrumar uma "boquinha" na
administração pública para toda aquela gente que recebia, mas efetivamente não
trabalhava - ainda não conseguiu se livrar da cultura perversa que pune quem
produz. O que pode justificar os servidores do Judiciário terem aumentos muito
acima da inflação em plena crise? Para que subsídio, se um ministro já ganha
bem?
A proposta de reequilíbrio orçamentário que
o governo orquestrou esta semana contempla mais aumento de tributos, entre eles
o retorno da CPMF, agora destinada a auxiliar nas contas da Previdência. E
ainda dizem que a atual política é "neoliberal"! É de se imaginar as
gargalhadas que Ludwig von Mises e Friedrich Hayek dariam ao examinar este improvável
liberalismo tupiniquim - ou "neoliberalismo", como preferem seus
críticos - que tributa a sociedade em 36% do PIB e ainda é capaz de produzir
uma peça orçamentária deficitária, e na sequência propor mais aumentos de
impostos.
Se para reequilibrar suas contas via mais
tributação e redirecionamento de receitas constitucionalmente previstas (como
as do Sistema S) o governo depende de difíceis votações no Congresso, incluindo
a aprovação de Emendas à Constituição, melhor seria dedicar-se de vez ao
trabalho que realmente importa: as reformas estruturantes que venham a reduzir
as despesas obrigatórias do Estado, garantindo mais eficiência à máquina administrativa.
Sabemos, contudo, que este é um desafio que exige credibilidade. Não é para
qualquer governo. Muito menos para este.
A sociedade, contudo, não deve deixar de buscar
um novo pacto social - no melhor estilo "rousseauniano" - pelo qual o
Estado cobre menos. E dê mais. Os acontecimentos do ano valem como aprendizado.
*Por Nilson Mello
Nenhum comentário:
Postar um comentário