sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Artigo

Um novo pacto social



     A crise fiscal que o país atravessa poderá ser produtiva se levar a sociedade a enfrentar a questão sem mascaramentos. O problema orçamentário brasileiro decorre do excesso de gastos, não da falta de receitas. Por isso não é justo falar em aumento de impostos. Dados simples nos permitem chegar a tal conclusão sem maiores esforços - a menos que nos mantenhamos aninhados na mentira, alienados pela farsa política.
     O Brasil é a sétima maior economia do Mundo, com um Produto Interno Bruto (PIB) de R$ 8,5 trilhões em 2014 (algo em torno de US$ 2,2 trilhões), o que o coloca entre as prósperas Grã-Bretanha e Itália. Esta potência econômica - pois é o que somos, a despeito da recessão conjuntural e dos graves problemas estruturais - arrecada uma barbaridade em tributos: nada menos do que R$ 1,8 trilhão em 2014.
     Desde 2010, para ficarmos num passado recente, a arrecadação no Brasil vem crescendo 2,5% do PIB ao ano, contra 1,5% na América Latina e 1,3% nos países desenvolvidos. Mas nem uma economia robusta, nem uma arrecadação crescente, que elevou a carga tributária a 35,7% do PIB, tem sido capaz de nos garantir contas públicas equilibradas - muito menos serviços públicos dignos.
     A apresentação pelo governo do orçamento para 2016 com um rombo de R$ 30,5 bilhões teve o mérito de mostrar a todos que o "rei está nu" - ainda que tenha sido também um atestado de inaptidão administrativa, um reconhecimento da falência gerencial. Somente a desonestidade intelectual, fruto de um comprometimento ideológico injustificável, poderá negar a realidade dos fatos: criamos, a partir de 1988, um modelo de amplos direitos e benefícios para o qual não há orçamento que dê conta. Ainda que sejamos potência econômica.
     Cortar gastos de forma significativa numa estrutura legalmente engessada é tarefa quase impossível. Por imposições constitucionais, 80% da receita da União estão comprometidos com despesas obrigatórias. As despesas com pessoal este ano alcançarão R$ 230 bilhões, devendo ir a R$ 252,4 bilhões em 2016. O mais grave é que, num contexto já desfavorável, os "donos do Poder" ainda conseguem parir novas indecências. É o caso do reajuste de 45% para os servidores do Judiciário, conforme proposta encaminhada ao Congresso, e do aumento de 5,5% nos subsídios dos ministros do STF. Gastos adicionais que sequer são obrigatórios.
     Com a economia em recessão e o governo mergulhado na crise fiscal, tais impulsos só podem ser vistos como uma afronta ao empreendedor e ao trabalhador do setor privado que dedicam seis meses do ano ao pagamento de impostos. O país que em 1808 assistiu à chegada da família real e dos 8 mil integrantes da Corte - e precisou arrumar uma "boquinha" na administração pública para toda aquela gente que recebia, mas efetivamente não trabalhava - ainda não conseguiu se livrar da cultura perversa que pune quem produz. O que pode justificar os servidores do Judiciário terem aumentos muito acima da inflação em plena crise? Para que subsídio, se um ministro já ganha bem?
     A proposta de reequilíbrio orçamentário que o governo orquestrou esta semana contempla mais aumento de tributos, entre eles o retorno da CPMF, agora destinada a auxiliar nas contas da Previdência. E ainda dizem que a atual política é "neoliberal"! É de se imaginar as gargalhadas que Ludwig von Mises e Friedrich Hayek dariam ao examinar este improvável liberalismo tupiniquim - ou "neoliberalismo", como preferem seus críticos - que tributa a sociedade em 36% do PIB e ainda é capaz de produzir uma peça orçamentária deficitária, e na sequência propor mais aumentos de impostos.
     Se para reequilibrar suas contas via mais tributação e redirecionamento de receitas constitucionalmente previstas (como as do Sistema S) o governo depende de difíceis votações no Congresso, incluindo a aprovação de Emendas à Constituição, melhor seria dedicar-se de vez ao trabalho que realmente importa: as reformas estruturantes que venham a reduzir as despesas obrigatórias do Estado, garantindo mais eficiência à máquina administrativa. Sabemos, contudo, que este é um desafio que exige credibilidade. Não é para qualquer governo. Muito menos para este.
     A sociedade, contudo, não deve deixar de buscar um novo pacto social - no melhor estilo "rousseauniano" - pelo qual o Estado cobre menos. E dê mais. Os acontecimentos do ano valem como aprendizado.

*Por Nilson Mello

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