O financiamento
de campanha
Quando
se fala em proibir doações de empresas em campanhas eleitorais, a ideia que vem
associada, como justificativa, é a de probidade. Trata-se de coibir uma lógica
que desvirtua o princípio democrático. Não estamos exagerando se dissermos que
a fonte do financiamento tentará, em algum momento e em alguma medida, o
retorno do investimento "eleitoral", a retribuição pelo apoio dado ao
candidato ou ao partido.
O
financiamento privado distorce o processo, tornando-o menos democrático - se é
que se pode graduar a democracia. É razoável dizer que o poder financeiro tem
peso significativo nos resultados, o que, em tese, é injusto para quem não
dispõe de recursos e não compartilha os mesmos interesses dos grupos
financiadores. Esses, por óbvio, nem sempre serão coincidentes com os da
maioria da população. Na verdade, raramente o serão, uma vez que os seus
objetivos são, por definição, direcionados e específicos, enquanto os da
coletividade tendem a ser difusos e genéricos, ou seja, melhores serviços de
saúde, educação, transportes, segurança etc.
Claro
que isso não significa ser contrário à iniciativa privada ou às garantias de um
ambiente regulatório e econômico propício ao seu desenvolvimento, reconhecendo
o lucro como um importante - certamente o maior - estímulo aos investimentos e
ao progresso. O ambiente legal-regulatório favorável será aquele com menos
burocracia e com tributação menor e mais racional; o econômico, o da estabilidade
de preços, da responsabilidade fiscal e, consequentemente, da credibilidade dos
agentes públicos. Longo e duro caminho à frente.
A
reconquista, para ser perene e sustentável, deverá, em algum momento, implicar uma
nova leva de reformas estruturantes - a tributária, incluindo a previdenciária
e a trabalhista, a da administração pública, com a adoção de parâmetros
voltados à eficiência e à produtividade etc. Por enquanto, não há capital
político para tanto.
Ser
contra as doações privadas tampouco significa dizer que os resultados
alcançados pelos grupos empresariais não terão repercussão no desenvolvimento
geral, ao contrário, pois quanto maior for o número de empresas de sucesso, investindo e progredindo
(e, para tanto, o reconhecimento do lucro é fundamental), maiores serão as
taxas de crescimento econômico, a arrecadação, as ofertas de emprego e, como
resultado desses fatores, a renda da população. Nunca é de mais repetir: quem
gera riqueza são os indivíduos e as empresas, com o seu trabalho e gênio
empreendedor, não o Estado.
Voltemos
às doações privadas. Em abril do ano passado, o ministro Gilmar Mendes, do
Supremo, pediu vistas à Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contra o
financiamento privado por empresas. A ação havia sido proposta em 2011 pelo
Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Com sete votos já
proferidos (6 a 1 contra o financiamento via empresas), não há mais como o
resultado que decreta a inconstitucionalidade da regra ser revertido. Mas, com
o seu pedido de vistas, Gilmar Mendes paralisou o julgamento, protelando a
vedação.
Recentemente,
afirmou que a medida seria inócua porque a corrupção e a compra de favores
entre grupos empresariais e candidatos continuarão a existir, ainda que em menor
grau. Sofisma jurídico. O fato de negócios escusos entre empresas e partidos
poderem continuar prosperando a despeito do fim das doações de empresas não
significa que, com a regra vigendo, as coisas não possam ser ainda mais nebulosas.
As empresas são as principais financiadoras das
campanhas eleitorais brasileiras. Em 2014, partidos e candidatos receberam mais
de R$ 5 bilhões de doações privadas, o que foi mais do que o dobro doado nas
eleições de 2006. Uma parcela ínfima das doações vem de pessoas físicas. Com
cifras desta magnitude, as eleições brasileiras já são umas das mais caras do
mundo - ao lado das norte-americanas - o que por si só é uma incoerência se
considerarmos os enormes desafios sociais do país (quantos hospitais e escolas
esses R$ 5 bilhões não construiriam e reformariam?)
Na verdade, estaríamos de certa forma proporcionando um significativo alívio aos
grupos empresariais nacionais ao proibi-los de financiar partidos e candidatos.
Porque, uma vez que a regra torna a contribuição quase compulsória para
organizações de maior porte, às empresas não há alternativa a não ser contribuir.
E exatamente por isso elas contribuem simultaneamente para a campanha de
partidos e candidatos que são adversários nas urnas. Um pé lá, outro cá - mais
um contra-senso do modelo. A prática tornou-se questão de sobrevivência no
capitalismo de Estado brasileiro (patrimonialista), muito
bem azeitado na última década.
Agora,
o outro lado da questão. Se as doações de empresas para partidos semeiam vícios
que devemos prevenir, a partir de sua proibição, isso não significa que a
instituição do financiamento público seja bem-vinda. É o que o PT e boa parte
dos partidos pretendem agora, na tentativa de dar uma satisfação à sociedade
pelos escândalos revelados na operação Lava Jato: substituir as doações
privadas pelo financiamento público com rubrica específica no Orçamento da
União. Mas, por que razão, se, na prática, o financiamento público já existe por
meio do fundo partidário?
Em
2014, os partidos receberam R$ 320
milhões via esta fonte. Agora, acaba de ser sancionada pelo governo, em pleno
período de ajuste fiscal, emenda ao Orçamento de 2015 que prevê aumento de 171%
no fundo, para R$ 867 milhões. Uma afronta ao contribuinte num momento de
arrocho. O valor é quase o montante (R$ 840 milhões) que os partidos
indiretamente receberam pelo espaço "gratuito" (graças à isenção
fiscal dada às emissoras) que ocuparam no rádio e na TV no ano passado.
Convenhamos,
para fazer propaganda, está de bom tamanho. Não precisam de mais uma fonte
obrigatória, às custas do contribuinte. Este, se achar por bem, que doe diretamente
de seu bolso - e, neste caso, que se estabeleça também um limite às
doações individuais, para que o jogo seja minimamente justo. Até porque, quem
quer realmente se manter informado sobre candidatos, partidos e governantes não
precisa de propaganda. Esta só pega alienado ou o irremediavelmente convertido
a uma ideologia.
Por
Nilson Mello
Em
tempo:
Permitir
o financiamento via empresas é dar ao poder financeiro um peso preponderante no
processo, algo que subverte o próprio caráter plural de uma eleição
democrática. Não faz sentido. O ministro
Gilmar Mendes, de forma surpreendente, preferiu ignorar esse aspecto (ou não
ignorou) ao protelar o seu voto, frustrando uma decisão profilática que acabará
se concretizando.
Mais
grave: o fato de adiar a sua decisão, ciente de que, cedo ou tarde, sairá
derrotado, é uma postura antidemocrática, incompatível, portanto,
com um ministro da Corte Constitucional. Na prática, ele simplesmente se recusa
a validar, com o seu voto contrário (e legítimo), a decisão da maioria de seus
pares. (NM)
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