sexta-feira, 24 de abril de 2015

Artigo

O financiamento de campanha



    Quando se fala em proibir doações de empresas em campanhas eleitorais, a ideia que vem associada, como justificativa, é a de probidade. Trata-se de coibir uma lógica que desvirtua o princípio democrático. Não estamos exagerando se dissermos que a fonte do financiamento tentará, em algum momento e em alguma medida, o retorno do investimento "eleitoral", a retribuição pelo apoio dado ao candidato ou ao partido.
    O financiamento privado distorce o processo, tornando-o menos democrático - se é que se pode graduar a democracia. É razoável dizer que o poder financeiro tem peso significativo nos resultados, o que, em tese, é injusto para quem não dispõe de recursos e não compartilha os mesmos interesses dos grupos financiadores. Esses, por óbvio, nem sempre serão coincidentes com os da maioria da população. Na verdade, raramente o serão, uma vez que os seus objetivos são, por definição, direcionados e específicos, enquanto os da coletividade tendem a ser difusos e genéricos, ou seja, melhores serviços de saúde, educação, transportes, segurança etc.
    Claro que isso não significa ser contrário à iniciativa privada ou às garantias de um ambiente regulatório e econômico propício ao seu desenvolvimento, reconhecendo o lucro como um importante - certamente o maior - estímulo aos investimentos e ao progresso. O ambiente legal-regulatório favorável será aquele com menos burocracia e com tributação menor e mais racional; o econômico, o da estabilidade de preços, da responsabilidade fiscal e, consequentemente, da credibilidade dos agentes públicos. Longo e duro caminho à frente.
    A reconquista, para ser perene e sustentável, deverá, em algum momento, implicar uma nova leva de reformas estruturantes - a tributária, incluindo a previdenciária e a trabalhista, a da administração pública, com a adoção de parâmetros voltados à eficiência e à produtividade etc. Por enquanto, não há capital político para tanto.
    Ser contra as doações privadas tampouco significa dizer que os resultados alcançados pelos grupos empresariais não terão repercussão no desenvolvimento geral, ao contrário, pois quanto maior for o número de empresas de sucesso, investindo e progredindo (e, para tanto, o reconhecimento do lucro é fundamental), maiores serão as taxas de crescimento econômico, a arrecadação, as ofertas de emprego e, como resultado desses fatores, a renda da população. Nunca é de mais repetir: quem gera riqueza são os indivíduos e as empresas, com o seu trabalho e gênio empreendedor, não o Estado.
    Voltemos às doações privadas. Em abril do ano passado, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo, pediu vistas à Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contra o financiamento privado por empresas. A ação havia sido proposta em 2011 pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Com sete votos já proferidos (6 a 1 contra o financiamento via empresas), não há mais como o resultado que decreta a inconstitucionalidade da regra ser revertido. Mas, com o seu pedido de vistas, Gilmar Mendes paralisou o julgamento, protelando a vedação.
    Recentemente, afirmou que a medida seria inócua porque a corrupção e a compra de favores entre grupos empresariais e candidatos continuarão a existir, ainda que em menor grau. Sofisma jurídico. O fato de negócios escusos entre empresas e partidos poderem continuar prosperando a despeito do fim das doações de empresas não significa que, com a regra vigendo, as coisas não possam ser ainda mais nebulosas.
    As empresas são as principais financiadoras das campanhas eleitorais brasileiras. Em 2014, partidos e candidatos receberam mais de R$ 5 bilhões de doações privadas, o que foi mais do que o dobro doado nas eleições de 2006. Uma parcela ínfima das doações vem de pessoas físicas. Com cifras desta magnitude, as eleições brasileiras já são umas das mais caras do mundo - ao lado das norte-americanas - o que por si só é uma incoerência se considerarmos os enormes desafios sociais do país (quantos hospitais e escolas esses R$ 5 bilhões não construiriam e reformariam?)
    Na verdade, estaríamos de certa forma proporcionando um significativo alívio aos grupos empresariais nacionais ao proibi-los de financiar partidos e candidatos. Porque, uma vez que a regra torna a contribuição quase compulsória para organizações de maior porte, às empresas não há alternativa a não ser contribuir. E exatamente por isso elas contribuem simultaneamente para a campanha de partidos e candidatos que são adversários nas urnas. Um pé lá, outro cá - mais um contra-senso do modelo. A prática tornou-se questão de sobrevivência no capitalismo de Estado brasileiro (patrimonialista), muito bem azeitado na última década.
    Agora, o outro lado da questão. Se as doações de empresas para partidos semeiam vícios que devemos prevenir, a partir de sua proibição, isso não significa que a instituição do financiamento público seja bem-vinda. É o que o PT e boa parte dos partidos pretendem agora, na tentativa de dar uma satisfação à sociedade pelos escândalos revelados na operação Lava Jato: substituir as doações privadas pelo financiamento público com rubrica específica no Orçamento da União. Mas, por que razão, se, na prática, o financiamento público já existe por meio do fundo partidário?
    Em 2014, os partidos receberam  R$ 320 milhões via esta fonte. Agora, acaba de ser sancionada pelo governo, em pleno período de ajuste fiscal, emenda ao Orçamento de 2015 que prevê aumento de 171% no fundo, para R$ 867 milhões. Uma afronta ao contribuinte num momento de arrocho. O valor é quase o montante (R$ 840 milhões) que os partidos indiretamente receberam pelo espaço "gratuito" (graças à isenção fiscal dada às emissoras) que ocuparam no rádio e na TV no ano passado.
    Convenhamos, para fazer propaganda, está de bom tamanho. Não precisam de mais uma fonte obrigatória, às custas do contribuinte. Este, se achar por bem, que doe diretamente de seu bolso - e, neste caso, que se estabeleça também um limite às doações individuais, para que o jogo seja minimamente justo. Até porque, quem quer realmente se manter informado sobre candidatos, partidos e governantes não precisa de propaganda. Esta só pega alienado ou o irremediavelmente convertido a uma ideologia.

Por Nilson Mello

Em tempo:
    Permitir o financiamento via empresas é dar ao poder financeiro um peso preponderante no processo, algo que subverte o próprio caráter plural de uma eleição democrática. Não faz sentido.  O ministro Gilmar Mendes, de forma surpreendente, preferiu ignorar esse aspecto (ou não ignorou) ao protelar o seu voto, frustrando uma decisão profilática que acabará se concretizando.
    Mais grave: o fato de adiar a sua decisão, ciente de que, cedo ou tarde, sairá derrotado, é uma postura antidemocrática, incompatível, portanto, com um ministro da Corte Constitucional. Na prática, ele simplesmente se recusa a validar, com o seu voto contrário (e legítimo), a decisão da maioria de seus pares. (NM)


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