sexta-feira, 17 de abril de 2015

Artigo

O que é melhor para o país?

Collor renunciou, mas foi processado pelo Senado

    As possibilidades de abertura de um processo de impeachment passam a ser maiores em função das novas revelações da Operação Lava Jato e também por conta do relatório do TCU divulgado esta semana apontando crime fiscal nas manobras realizadas pelo governo para esconder os rombos nas contas públicas. Mas não devemos estar felizes por isso, mesmo que contrários e críticos a este governo.
    A instabilidade institucional projeta cenários nebulosos, contraproducentes. Aumentam as incertezas políticas ao mesmo tempo em que diminuem, no sentido contrário, as chances de êxito dos ajustes que a equipe econômica começa a implementar na tentativa de corrigir os desarranjos promovidos no primeiro mandato.
    Como ter confiança no que está sendo decidido agora se não se sabe quem estará no comando amanhã?   Aliás, quem estará no comando amanhã, aquele ou aqueles que a Constituição, sucessivamente, determina como substituto ou substitutos, ou alguém que assumirá o Poder dentro de uma solução fora do "script"?
    Os 30 anos decorridos desde a redemocratização (reconheça-se, o mais longo período de estabilidade institucional da República) deveriam ser suficientes para nos tranquilizar quanto à manutenção das "regras do jogo". Contudo, devido ao nosso histórico nada recomendável (ver ensaio da último segunda-feira neste Blog), dúvidas, ainda que tênues, são justificáveis.
    Mas não é só isso: jamais podemos ter certeza se, na hipótese de afastamento, terá o substituo vontade política ou mesmo competência suficientes para dar continuidade à difícil tarefa já iniciada.
    Impeachments, renúncias e outras "intercorrências institucionais" são sintomas de imaturidade política. O impeachment, ainda que decidido no curso de um processo legal e legítimo, com previsão constitucional, revela um vício de origem que escancara a deficiência do modelo: a má qualidade do eleito, consequência direta da má qualidade do eleitor.
    Mas, para quem tem ido às ruas achando que o "recall" é saída simples, não deve ter entendido ainda que não há atalhos. E nem alternativa melhor à democracia. É preciso insistir permanentemente no aperfeiçoamento do modelo, sem sobressaltos ou retrocessos. O Impeachment é, digamos, um desses sobressaltos, ainda que com previsão legal. E o maior drama é que, neste momento, ele parece ser apenas questão de tempo. É prejudicial ao país quase tanto quanto seria a manutenção de um presidente comprovadamente responsável por ilegalidades. Eis a magnitude de nosso dilema!

A oposição
    Parcela significativa da oposição vive também um conflito não declarado em relação à questão, porém, mais por razões de sobrevivência do que de princípios. Sabe que os índices de reprovação do governo, do PT e, mais precisamente, da presidente da República - hoje em mais de 60%, segundo pesquisa do Datafolha - são garantia de apoio popular a um eventual pedido de abertura do processo - um pré-requisito talvez tão importante quanto os pressupostos legais e políticos.
    Sabe também que, se não estiver à frente da iniciativa, ignorando o ronco das ruas, que soou forte nas manifestações de 12 de abril e de 15 de março, corre o risco de perder credibilidade junto ao eleitor. Afinal, se a maior parte da população mostra-se insatisfeita com o desempenho do governo e o responsabiliza pela corrupção, o papel da oposição (qualquer que seja) é justamente canalizar o sentimento popular e transformá-lo em ação.   
    Para não cair no limbo, portanto, evitando o repúdio popular pela indiferença e omissão, legendas oposicionistas, PSDB à frente, decidiram esta semana encomendar um parecer jurídico sobre a questão. Quem coordenará o trabalho é Miguel Reale Júnior, renomado jurista, que, em recente artigo na grande imprensa, não escondeu a sua posição: considera haver provas incontestes de responsabilidade da presidente da República em atos ilegais praticados em seu governo, o que tornaria a abertura do processo de impeachment quase que uma obrigação moral do Congresso.
    Em seu texto, Reale Júnior ainda alude, como alternativa à presidente, a renúncia, a exemplo do que fez Collor para evitar o afastamento compulsório, como desfecho do julgamento de seu impeachment pelo Congresso.
    Mas a oposição está visivelmente encabulada. Compreende-se. Ao mesmo tempo em que não quer dar um tiro no pé - exigindo abertamente um processo que mais tarde poderia se frustrar sem a efetiva condenação -, está ciente de que, até por uma questão de sobrevivência, não pode ficar à margem do clamor público.

O contraponto

    Para que haja abertura de processo é preciso que a presidente da República tenha incorrido em crime de responsabilidade, conforme as hipóteses enumeradas no artigo 85 da Constituição Federal, entre elas atos contrários aos preceitos constitucionais, à probidade administrativa, à lei orçamentária e ao cumprimento das leis e das decisões judiciais. Ou que tenha cometido crime comum, cabendo, no caso, ao Procurador Geral da República entrar com pedido de abertura de processo junto ao Supremo.
    Que este é um governo mergulhado em escândalos de corrupção não restam dúvidas. Mas as provas concretas da participação direta da Presidente da República nos eventuais desvios e irregularidades, ou de sua responsabilidade como chefe de Estado e governo, ainda precisarão ser apresentadas. Compartilha esta opinião - em contraponto a Reale Júnior - Joaquim Falcão, outro jurista renomado.
    Uma vez apresentadas as provas, a acusação deverá ser admitida pela Câmara dos Deputadas, com pelo menos dois terços dos votos. Admitida, o julgamento será feito pelo Supremo, nos crimes comuns, e pelo Senado Federal, nos crimes de responsabilidade.
    Em suma, é um procedimento e um processo de caráter político. Portanto, o grau de sustentação do governo no Legislativo e junto à classe política é determinante para a abertura ou não do processo, assim como o nível de aprovação junto à população. O atual governo não tem nem uma coisa nem outra.

Por Nilson Mello
   


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