quinta-feira, 30 de maio de 2013


Nota: Atrás do prejuízo

                O Banco Central, por meio de seu Comitê de Política Monetária (Copom), começa a correr atrás do prejuízo. Como previsto no artigo desta quarta-feira 29, a taxa básica de juro (Selic) foi esticada em 0,50%, para 8% ao ano. O risco de um descontrole geral na inflação assusta muito mais do que um crescimento ridículo. Pois sem estabilidade de preços não há crescimento sustentável e nem avanços reais na renda da população.

Uma Política Econômica “criativa” desde a posse de Dilma Rousseff, conforme vários comentários e artigos deste Blog alertaram nos últimos dois anos (ver Pesquisa na barra à direita), colocou o país na encruzilhada. Em linha com o diagnóstico feito aqui, o economista Armando Castellar, da FGV e da UFRJ, acrescenta em declarações aos jornais desta quinta-feira:

     “A política econômica tinha de ter sido mudada há dois anos, quando analistas alertaram que o modelo de incentivo ao consumo não seria suficiente, que o certo seria focar nos investimentos...”. Não foi por falta de aviso.

NM

quarta-feira, 29 de maio de 2013



Credibilidade em jogo na política e na economia

                    Dilma Rousseff. Até oposição deve torcer para um gol da presidente na economia.


    Entre ser pró-ativo, preventivo ou reativo, o mandato de Dilma Rousseff tem sido recorrente com a terceira opção. Não deixa de ser curioso – embora não tenha a menor graça – que um governo cujo marketing da campanha eleitoral trazia a aura da gestão eficiente, hoje tenha a marca do improviso, sempre correndo para remediar (às vezes de forma atabalhoada) os efeitos daquilo que deveria ter sido evitado por um planejamento adequado.
    O desarranjo, digamos assim, gerencial fica patente, entre outros, nas idas e vindas das regras de concessão de rodovias, nos retrocessos na licitação dos aeroportos, nas obras inacabadas do tão propalado PAC, no recente e tumultuado encaminhamento da MP dos Portos, na confusão desta semana com a distribuição dos recursos do Programa Bolsa Família e, sobretudo, na “condução” (?) de uma política econômica que ressuscitou a cultura da inflação no país.
Se a oposição aposta nesse quadro para voltar ao Poder, é porque não fez o correto diagnóstico da gravidade do cenário; e por essa razão também não estaria pronta para governar. Até porque pode encontrar uma desarrumação de tal ordem na política econômica e na gestão do Estado que o seu mandato de retorno se tornaria politicamente inviável.
Não há alternativas. Apesar de todo o paradoxo que possa representar a torcida por um time que joga mal - devido à falta de coordenação tática e de capacitação técnica – por enquanto, para evitar o pior, é por este governo que devemos continuar a torcer.
Nesta quarta-feira (29 de maio), por sinal, tem partida decisiva. O Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central, se reúne para decidir se promove uma alta maior da taxa básica de juro (de 50 pontos-base, ao invés de 25 como da última vez, para uma taxa Selic de 8% ao ano), na tentativa de frear a pressão sobre os preços. Juro alto é ruim para a economia. Mas muito pior seria a volta de uma espiral inflacionária.
Por conta dos impulsos experimentais do governo, a tarefa do Copom hoje é muito mais difícil. Precisará adotar doses mais severas. Está em jogo a sua credibilidade e, atrelada a ela, a sua capacidade de reverter expectativas econômicas. Uma decisão branda poderá ser entendida como fraqueza, aumentando os riscos de descontrole.
Como já foi dito aqui, política fiscal expansiva (gastos públicos) e estímulo ao crédito, combinados com um quadro de baixa produtividade, por conta da falta de investimentos, ensejou o atual cenário. Um planejamento adequado, com marcos regulatórios mais claros, para atrair investimentos, e uma postura fiscal mais responsável poderiam ter evitado tudo isso.

Nota – Diagnóstico certo:
    O “motor chinês” está perdendo força. O governo de Pequim decidiu então ampliar as reformas estruturantes, estabelecendo regras de mercado que possam atrair mais investimento privado. A taxa de investimento na China já é de 47,8% do PIB, razão pela qual o país cresce em média 7,5% ao ano. A taxa de investimento no Brasil é de 18%, e o avanço do PIB foi de apenas 0,9% em 2012. 

Por Nilson Mello

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Andando de lado

Guido Mantega: Inovação.

   Com a inflação frequentando sem cerimônia o teto da meta e forçando o Banco Central a manter um ciclo de alta da taxa de juros, sob o risco de um descontrole geral de preços, seria razoável esperar do governo a guinada para uma política fiscal mais comportada e responsável. Seria razoável porque desta forma não obrigaria a autoridade monetária (BC) a ser ainda mais restritiva na condução dos juros.

  Mas eis que os jornais desta semana informaram que o governo fará o menor corte temporário de gastos da gestão de Dilma Rousseff. Ao invés de contingenciar R$ 55 bilhões, como no ano passado, os Ministérios da Fazenda e do Planejamento decidiram congelar apenas R$ 28 bilhões das despesas do Orçamento em 2013. O que significa que o governo continuará a estimular o consumo, que pressiona os preços, fazendo com que o Banco Central seja ainda mais rigoroso na dose da medicação.

  A economia brasileira está doente. Cresce pouco, apesar do forte consumo, porque é pouco eficiente: encontra-se no limite de sua capacidade de produção. O problema é de oferta, não de demanda. Então para que estimular o consumo? “Porque o governo gosta mesmo é de gastar”, diria o economista Alexandre Schwartsman.  Essa combinação – de consumo aquecido e baixa produtividade – como se sabe, pressiona os preços. A solução seria aumentar a produção e, por extensão, a eficiência da economia, por meio de mais investimentos.

   Então o governo afirma que a redução do corte de gastos anunciada para 2013 visa o aumento dos investimentos, não apenas o estímulo ao consumo. Mas a verdade é que vai contemplar investimentos já previstos, na conta do Estado, insuficientes para alterar um quadro desfavorável. O Brasil investe hoje menos de 20% de seu Produto Interno Bruto (PIB). A taxa que era de 19,3%, em 2011, caiu para 18,1% em 2012, de acordo com a Confederação Nacional da Indústria (CNI).

   A maior parte desses investimentos vem do setor privado, dada as evidentes limitações orçamentárias. É assim em quase todo o mundo. O Estado cria as condições e o setor privado, sentindo-se seguro, investe. A taxa de investimento nos países que compõem o chamado BRICS dá a medida exata de como estamos deixando a nossa indústria e a nossa infraestrutura virarem sucata. A China investe 47,8% do PIB; a Índia, 36% e a Rússia, 23,5%. Até mesmo o menor integrante do grupo, a África do Sul, investe mais (21%). Na Rússia, a taxa de investimento seria até mais alta, não fosse a corrupção, que também afugenta investidor. Algo a ver?

   O governo da gestora Dilma Rousseff abriu as comportas dos financiamentos via instituições oficiais (BNDES, CEF etc), criou desonerações setoriais, com benefícios fiscais eletivos (apadrinhamentos), baixou os juros, mas os investimentos privados não aumentaram (e até diminuíram) porque o ambiente de negócios não é confiável. Marcos regulatórios confusos, excesso de burocracia, carga tributária pesada e incertezas jurídicas e econômicas – essas agora agravadas pelo retorno da inflação – não estimulam o investimento. Investidor gosta de estabilidade e previsibilidade.

  Sobre os incentivos fiscais seletivos, é preciso ainda dizer que eles criam assimetrias indesejáveis, como se fossem paliativos em cima de paliativos, ensejando uma falsa realidade ou uma realidade desfocada. A redução da carga tributária uniforme estaria muito mais em linha com uma economia saudável, centrada em regras de mercado, ou seja, condições padronizadas de competição induzindo os agentes econômicos à busca geral da eficiência.

   A classe política poderia contribuir com esse debate. O Congresso, em especial, poderia assumir o seu papel constitucional, de Poder Legislador, e equacionar a tão falada reforma tributária. Se isso fosse feito, os paliativos distorcidos poderiam ser abandonados. Estaríamos livres do ativismo estatal, da ingerência desmedida do governo, deste governo, em especial, que faz política econômica de forma errática, na base da tentativa e erro – puxa daqui, acerta dali, apadrinha um segmento ou grupo empresarial aqui, compensa ali.
   O Congresso poderia se encarregar disso. Pena que temos politicagem em vez de política e partidos de “mentirinha”, sem conteúdo programático ou ideologia, como bem lembrou o ministro Joaquim Barbosa. Então, o que sobra é uma economia andando de lado, com inflação triunfando e taxas pífias de crescimento.

Por Nilson Mello

Comentário I


 
Caro Nilson, estamos na puberdade. Iniciamos há apenas 205 anos. Qual o peso da indústria no PIB. Robotizada, quanto emprega? Quanto ela e o governo direcionam para inovação? O que difere é que agora podemos espernear - Luiz Affonso Romano, consultor de empresas.

Comentário II

A pergunta que não quer calar: o que acontece com a oposição que não se manifesta (...)Quando Joaquim Barbosa criticou o legislativo, alguns políticos da oposição reagiram, dizendo que seus partidos têm propostas próprias e não são apenas "executivos" da "legislação" do governo federal.  Com a declaração do Ministro Mantega, era hora de a oposição mostrar sua diferença em relação aos partidos da base aliada.  Bom, se a classe política não faz o que deveria fazer, pelo menos temos blogs como o seu para chamar a atenção para desatinos do governo, que passam despercebidos pela maioria da população.  De conscientização em conscientização, quem sabe, um dia chegamos lá ... onde deveríamos estar - Vera Cristina Andrade Bueno, professora do Departamento de Filosofia da PUC-Rio 

quinta-feira, 23 de maio de 2013

CORREÇÃO

Lula chegou à Presidência da República em 2002, e não em 2000, como foi publicado no artigo do último dia 05 (Tá dominado) e já corigido.

sexta-feira, 17 de maio de 2013



O que nos mostra a MP dos Portos

                São nos momentos críticos que o Congresso revela o seu lado mais insólito. Na noite desta quinta-feira, no Senado, e na madrugada do mesmo dia, na Câmara, durante a votação a “toque de caixa” da Medida Provisória 595, o que se viu foi muito bate-boca quanto à forma e nenhum debate de fundo.

    Mas também não poderia ser muito diferente. Primeiro porque há muito o Executivo trata o Parlamento como um Poder acessório, do qual espera mero cumprimento de agenda. E o Legislativo acostumou-se a negociar e tirar proveito da suposta submissão. 
Em segundo lugar porque não haveria mesmo tempo para uma análise detida das regras que estabelecem o novo marco regulatório do setor portuário. A MP caducaria nesta quinta-feira caso o Senado não a aprovasse e a enviasse para a sanção presidencial.

A relevância da matéria tratada na medida é inquestionável, o que nos leva a reconhecer, nesse particular, o mérito do governo. O tema é tão importante e complexo que não deveria ser encaminhado como MP e sim como Projeto de Lei.

Mas o governo do PT, que no passado deplorava o uso das “autoritárias” MPs, acha que tem o monopólio das boas intenções. Então, processo legislativo para quê? E, dentro dessa linha de raciocínio, entende a “submissão” do Congresso como estável e irretratável. Do outro lado, contudo, o oportunismo parlamentar sempre espera arrancar mais um naco de vantagens e favorecimentos em negociações pontuais.

Convenhamos, não é tão fácil assim o papel do governo. Coopta uma grande base partidária, fatiando a máquina pública, para não ter entraves no Legislativo, e na hora “h” descobre que ainda tem que negociar um pouco mais. Quem é o bobo na relação simbiótica?

A vítima disso tudo sabemos que é a sociedade, que paga o alto preço de um Estado ineficiente e perdulário, como resultado de cargos preenchidos por critérios políticos.

O mais inusitado de tudo é que, em meio à balbúrdia e os ensaios de barganha, o novo marco regulatório pode realmente cumprir o seu objetivo, de modernizar o setor. Para tanto o Planalto precisa cumprir a promessa de expurgar as "cascas de banana” inseridas no texto que a Câmara aprovou. Precisa vetar o limite de 5% à participação de empresas de navegação em novos terminais, a prorrogação dos contratos dos terminais públicos, e o conceito de terminal-indústria. Esses dispositivos impediriam a ampla concorrência capaz de reduzir os custos operacionais.

Por falta de regras claras que inibem os investimentos, o Brasil tem hoje uma das piores logísticas portuárias do mundo. No ranking do Fórum Econômico Mundial, o país está 135º lugar nesse quesito, entre 144 países.
Seria natural então que parlamentares de partidos de oposição, em especial PSDB, que sempre criticaram os gargalos logísticos, contribuíssem para a aprovação de uma Lei que eliminasse esses obstáculos. Mas preferiram obstruir a matéria, não por seu conteúdo, mas pela forma como foi encaminhada. Ao colocar o interesse do país em segundo plano, aparentemente para evitar uma vitória do governo, juntaram-se aos oportunistas e perderam duplamente.
Não é insólito este nosso Congresso?

Por Nilson Mello               

sexta-feira, 10 de maio de 2013

Tá dominado (ou a flexibilidade moral)

Stand by: Afif Domingos se vê como um estepe político

       

   O recém-empossado secretário nacional da Micro e Pequena Empresa, cargo com status de ministro, era um político reconhecido como de orientação liberal, na correta acepção do termo (a acepção britânica, se preferirem), ou seja, alguém que defende a liberdade individual com respeito incondicional à Lei, o pleno espaço para o empreendedorismo e, por extensão a tudo isso, a menor interferência estatal possível nas relações econômicas como fatores de desenvolvimento.
 
  Muito bem, é difícil dizer se o vice-governador de São Paulo e agora também, cumulativamente, titular do 39ª Ministério criado por Dilma Rousseff, estava sendo autêntico ou meramente oportunista, mas o fato é que Guilherme Afif Domingos presidiu a Associação Comercial de São Paulo por duas vezes, foi deputado constituinte, secretário estadual em mais de uma pasta, em diferentes gestões,  e fundou o Partido Liberal, além de ter exercido outros cargos eletivos e executivos de relevância, não exatamente nesta ordem, sempre em função da defesa do mesmo, digamos, ideário político.
 
  Um dos pontos marcantes dessa trajetória, que lhe valeu certa projeção nacional, ocorreu há mais de duas décadas, quando Afif se candidatou à Presidência da República em meio a um amplo espectro político que tinha no extremo oposto o metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva, então na sua primeira tentativa de chegar ao Poder. Na época, Lula era o “sapo barbudo” - conforme apelido cunhado por outro concorrente ao Planalto – que ostentava uma retórica de esquerda contrária à livre iniciativa defendida pelas teses liberais.
 
  A retórica de Lula, como sabemos, foi sendo pragmaticamente abrandada até ser deixada de lado para que o PT finalmente chegasse à vitória na campanha de 2002.  Lição feita: pela via democrática, o radicalismo não alcança o Poder. 
   
  Não parou aí: o próprio programa de governo nos dois primeiros mandatos petista foi alterado para dar sequência à política econômica da “social-democracia” tucana, garantindo a estabilidade de preços, o crescimento sustentável e a consequente melhoria da renda, conquistas hoje colocadas em xeque pelos impulsos criativos da gestão Dilma Rousseff, e em especial de seu ministro da Fazenda. 

  Ponto para a incongruência, dúvida quanto ao retrocesso. Vale notar que o programa econômico tucano, centrado na defesa da moeda (combate à inflação) e na responsabilidade fiscal, tinha nítida inspiração liberal. Não sei se os tucanos são moralmente superiores, mas, com certeza, são tecnicamente mais qualificados.
 
  Afif Domingos, hoje no híbrido PSD do politicamente ambíguo Gilberto Kassab (com licença para as adjetivações), aliado do PSDB e do PT ao mesmo tempo, pertenceu ao PDS, herdeiro da Arena, e ao PP de Paulo Maluf, esse também um neo-aliado petista. Com o respaldo de sua legenda, agora passa a contribuir para o projeto de reeleição de Dilma Rousseff.
 
  Há duas formas de se ler esses movimentos, tendo em vista a perspectiva histórica sumariamente referida aqui. A primeira é positiva e entende que a conciliação de oponentes e a convergência de ideias na política brasileira revelam um genuíno amadurecimento da classe política no interesse da sociedade e na busca do que é melhor para o país. A guinada de Lula na gestão econômica, mencionada acima, contradizendo tudo o que o PT pregava, reforçaria essa leitura benevolente?
  A segunda leitura é desalentadora: as alianças têm como real e único objetivo a partilha da máquina pública e a sua transformação em mero butim, atendendo a interesses privados, embora sob o manto de agremiações políticas (partidos).  Aqui, há ainda uma interpretação subjacente. O fatiamento da máquina pública compra o engajamento de adversários, em troca da perpetuação no Poder. Os adversários cooptados são úteis, embora não sejam inocentes. Ser oposição para quê, se o adesismo tudo provê?
  Retomemos a reflexão inicial. Ideias e teses podem ser boas e os homens, ruins. No Brasil, teses de inspiração liberal sempre padeceram (raras as exceções) de bons defensores, sejam eles políticos ou partidos. E por isso sempre estiveram associadas ao oportunismo, para dizer o mínimo. O fato de ter pouco ou nenhum apelo popular, pois a rigor se opõem a qualquer forma de assistencialismo, também as lançaram no estigma.
  Afif Domingos avisou que não vê incompatibilidade em acumular o cargo de ministro com o de vice-governador de São Paulo. Disse que só renuncia se a Justiça mandar, porque para ele “vice já é licenciado, um stand by” – ou um estepe político, se preferirem. Espírito público, no Brasil, é isso.

Por Nilson Mello

Em tempo: Ao ser questionada se um 39º Ministério não seria um sinal de inchaço da máquina, a presidente Dilma Rousseff respondeu que primeiro aumenta o governo para depois diminuir. Como ela chegou à Presidência com aura de boa gerente, torcemos para que esteja certa, a despeito de todos os indícios em contrário.



 

sexta-feira, 3 de maio de 2013

  
Conflito de Poderes


 
Congresso Nacional


    O descontentamento de senadores e deputados com os órgãos de cúpula do Judiciário e do Ministério Público é de um constrangimento sintomático.  O razoável seria esperar o seu incondicional alinhamento com o Supremo Tribunal Federal e a Procuradoria Geral da República na defesa da Lei e no combate à corrupção. Mas - e aí justiça seja feita – preferem não pecar por hipocrisia: atingidos pelo julgamento do mensalão, não tardaram a tentar urdir a forra, na forma de uma Proposta de Emenda Constitucional (a PEC 33) que submete decisões da Corte ao Congresso.
    Nem todos os políticos e parlamentares brasileiros estão envolvidos em escândalos de corrupção, agem em desacordo com a Lei e a ética ou comungam das tentativas de se subtrair competências e prerrogativas do Judiciário e do Ministério Público. Não seria errado dizer que uma minoria age de má-fé. Contudo, é preocupante que uma proposta cujo desfecho seria a submissão do Supremo ao Congresso possa avançar dentro de uma Comissão da Câmara (a de Constituição e Justiça) que tem como papel primordial justamente alterações constitucionais.
Sim, claro, é lá na CCJ que matéria constitucional deve ser discutida, mas, todos sabem que cláusula pétrea, como a separação dos Poderes, só se muda com nova Constituinte. Neste aspecto, contraditoriamente, os deputados da Comissão capricharam na hipocrisia. Ou demonstraram total desconhecimento de causa. Difícil dizer o que é mais desalentador.
Ouvido pelos jornais sobre o episódio, o jurista e ex-ministro do STF Francisco Rezek não disfarçou o espanto: “Estão pretendendo se tornar, no lugar do STF, os controladores de uma carta que com certeza não leram”.
    A prevalência de iniciativas como a referida PEC talvez signifique que o comando das Casas Legislativas e as lideranças dos partidos no Congresso não estejam sendo exercidos pelos melhores quadros entre aqueles escolhidos pelo eleitor. E isso na melhor das hipóteses. Na pior, significaria mesmo um Legislativo majoritariamente degenerado.
Iniciativas como a PEC 33 revelam que um Congresso afeito a barganhas com o Executivo, com o qual negocia quinhões da máquina pública em troca de apoio a projetos e ações de valor discutível, não quer ter no calcanhar um Judiciário inconveniente. Lembre-se que faz poucos dias esse Legislativo colocou em debate a supressão da competência do Ministério Público para investigar e atuar dentro do inquérito policial. A que tipo de parlamentar interessa o cerceamento dos outros Poderes institucionais?
O grau de “simbiose” que hoje rege as relações entre Executivo e Legislativo tornam esses impulsos autoritários muito mais graves, pois que insinuam uma articulação subalterna, dentro de um projeto de Poder de caráter indeclinável. É neste contexto que também estamos autorizados a interpretar a oportunista tramitação no Congresso de projeto que limita a criação de partidos atentando contra os princípios democráticos que à sociedade, até prova em contrário, interessa preservar.
A propósito, a paralisação de seu trâmite por força de liminar concedida pelo ministro Gilmar Mendes, do STF, só veio reforçar a importância do princípio da separação dos Poderes que a mencionada Comissão de Constituição e Justiça da Câmera almejou desmanchar com a sua PEC 33. Não custa lembrar que dentro deste espírito tem sido igualmente recorrente as tentativas de cercear a imprensa, a partir da edição de leis eufemísticas cujo desfecho seria o controle da opinião, a exemplo do que já ocorre em países vizinhos.
Para os presidentes do Senado e da Câmera, Renan Calheiros e Henrique Alves, respectivamente (ambos, por sinal, envolvidos em escândalos de desvios e corrupção), a liminar concedida por Gilmar Mendes foi uma “inaceitável intromissão” no processo legislativo. Como se o Supremo não tivesse sido instado, no caso, a se pronunciar, como determina a Constituição, a qual lhe cabe a guarda.
Nota: A propósito de Guarda e de Gilmar Mendes, curioso notar que é de sua autoria a apresentação da edição brasileira (Editora Del Rey) de “O Guardião da Constituição”, de Carl Schmitt. A despeito de ter sido um dos maiores juristas da primeira metade do Século XX, Schmitt negava ao Judiciário, como bem lembra Mendes na apresentação, “o título de guardião da Constituição”, atribuindo o papel ao chefe do Executivo. Acabou contribuindo com suas ideias para a ascensão e fortalecimento de Hitler na frágil República de Weimar, o que lhe valeu a alcunha de “Jurista do Nazi-fascismo”. No caso brasileiro, a diferença é que a exceção constitucional prevista por Schmitt vem sendo tentada por via indireta, ou seja, por meio de relações espúrias entre Executivo e Legislativo.
Por Nilson Mello