sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Artigo




O insondável eleitor brasileiro


As eleições municipais, por mais monótonas que sejam, sempre trazem algo de improvável e peculiar. Se no Rio confirma-se o absoluto favoritismo do candidato à reeleição, embalado por uma robusta coligação que lhe garante (por que não dizer?) um desproporcional tempo no horário de propaganda na TV e no rádio, em São Paulo o antes favorito José Serra encara a possibilidade de ficar de fora até mesmo do segundo turno.

Com o maior índice de rejeição na capital paulista, na casa de 45% do eleitorado, Serra vê-se fustigado pelo terceiro colocado na corrida para a prefeitura paulistana – o até bem pouco implausível candidato do PT, o ex-ministro Fernando Haddad. Na dianteira, segue firme o ex-apresentador de TV Celso Russomano, do pouco expressivo PRB. Detalhe: na maioria das simulações Russomano bate os adversários no segundo turno.

Que os dois principais partidos brasileiros – não necessariamente pelo critério de bancadas, mas de liderança e protagonismo – estejam sendo derrotados por uma legenda de menor tradição na maior capital do país já é algo remarcável.  

O fato chama mais a atenção se considerarmos que o segundo colocado nas pesquisas, e candidato do PSDB, é o postulante da situação, ou seja, da máquina municipal; e que o terceiro, que corre por fora desde a largada em quarto, tem na presidente Dilma Rousseff e no ex-presidente Lula (até recentemente, pelo menos) dois cabos-eleitorais de peso.

A vantagem dos candidatos à reeleição ou dos candidatos apoiados pela situação, não importa em que esfera, é inquestionável, a despeito das restrições expressas em Lei ao uso da máquina pública nas campanhas. Contudo, máximas eleitorais existem para ser desafiadas a cada pleito, como prova a atual eleição paulistana.

Eis que o candidato da situação, e também ex-prefeito da cidade, ex-governador, ex-senador, ex-deputado e ex-candidato à Presidência da República – e por tudo isso uma liderança política de expressão nacional – corre o risco de perder a vaga e o prestígio para um adversário com muito menos apoio político e financeiro, de um partido infinitamente menor e de trajetória política bem mais modesta, para dizer o mínimo.

Num cenário ainda pouco provável, porém, possível, Serra pode até mesmo ficar de fora do segundo turno, o que poderia significar o fim de seus projetos políticos mais ambiciosos.

Mas isso é apenas o menor dos paradoxos que se apresentam. Vejamos: se no Rio de Janeiro a larga vantagem de Eduardo Paes é atribuída em grande parte ao generoso espaço de propaganda eleitoral “gratuita”, em virtude do amplo espectro de sua coligação, com apoio das administrações estadual e federal, em São Paulo esse aspecto é simplesmente irrelevante.

O candidato com maior tempo em São Paulo, nada menos do que 8 minutos e dezesseis segundos de propaganda obrigatória, é justamente o petista Fernando Haddad, que somente agora, na reta final da campanha, se aproxima do segundo colocado, José Serra, com seus seis minutos.

Enquanto isso o líder Russomano segue rumo ao segundo turno dispondo de meros dois minutos para passar sua plataforma e, digamos, suas “ideias” – e arcando, como já mencionado, com aquilo que poderia ser considerado um handcap, ou seja, biografia menos expressiva, partido menor, nenhum apoio das máquinas municipal, estadual ou federal  etc...

    Por sua vez, Gabriel Chalita, candidato do capilarizado e articulado PMDB, estacionou desde o início na quarta colocação, a despeito dos nada desprezíveis quatro minutos e trinta e quatro segundos de TV e rádio. Até que ponto o tempo de propaganda eleitoral é decisivo numa campanha é difícil de avaliar.

O paradoxo que contrapõe tempo e intenção de votos implica outros aspectos remarcáveis. Pois igualmente curiosa é a associação de causa e efeito que já se faz entre o crescimento de Fernando Haddad e o afastamento do ex-presidente Lula de sua campanha, tendo em vista o desgaste causado pelo julgamento do mensalão no Supremo.

Mas isso nos leva a novo questionamento: a opinião pública não eximiu Lula de responsabilidade no esquema montado em sua primeira gestão para comprar votos de parlamentares, tanto é assim que ele conseguiu ser reeleito, teve ampla aprovação popular e transferiu votos para a eleição de sua sucessora?

Deixemos a resposta para aqueles que entenderam o apoio de Paulo Maluf a Fernando Haddad como uma incongruência programática e ideológica necessária, tendo em vista o pragmatismo que se impõe na busca pelo poder. Mas, convenhamos, seria uma ironia constatar que Maluf ajudou Haddad mais do que Lula.

Como se vê, não há respostas fáceis que possam nos ajudar a interpretar o imprevisível e insondável eleitor brasileiro. O que, de certo modo, é até bom.

 

Por Nilson Mello

 

   

 

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Artigo



Winston Churchill


Melhor ficar deitado



Que as ações da administração pública devem se reger pela medida do razoável é, mais do que um princípio consagrado e um comando constitucional, uma questão de bom senso.

O evidente pleonasmo dessa assertiva – afinal, nada que não se orienta pelo bom senso pode ser minimamente razoável – nos serve para ressaltar que, na maioria das vezes, governos gastam mais do que o necessário - em tempo e em recursos humanos, materiais e financeiros – para dar cabo de determinada medida ou programa, ou simplesmente para anunciar um projeto.

Li certa vez (e não vou me lembrar onde) que Winston Churchill, ao ser perguntado por um repórter que conselho daria a quem quer ter êxito profissional, simplesmente respondeu: “Se puder ficar sentado, ao invés de em pé, sente-se; se puder ficar deitado, ao invés de sentado, deite-se”.

O ex-primeiro-ministro, a despeito de ter sido oficial de cavalaria do exército colonial britânico, e de ter servido no Sudão e na África do Sul, estava muito longe de ser um atleta, sobretudo naquela quadra da vida, mais do que sexagenário, mas seu perfil jamais se encaixaria no estereótipo do preguiçoso.

O que se pode deduzir daquilo que Churchill pretendeu de fato dizer com seu singelo conselho foi que não se desperdiça energia. Tendo em vista o contexto da entrevista e a biografia de estadista do entrevistado, infere-se também que aquela não era uma dica de auto-ajuda, mas sim uma mensagem para governos e governantes.

Churchill havia sido o herói que liderou os britânicos na Segunda Guerra, e que lhes mostrara o caminho da determinação e da resistência ao nazismo, no momento em que a Europa inteira estava sob o domínio da Alemanha de Hitler. Ao discurso do líder correspondeu uma atitude estóica de um povo cercado e diariamente bombardeado. “Nunca tantos deveram tanto a tão poucos”.

O “universo” anglo-saxão é reconhecidamente mais comedido que o latino. Nas palavras, nas manifestações de emoção e, por extensão, na administração da res publica. Por essa razão, certamente, gasta-se mais tempo e dinheiro aqui do que na Inglaterra para se anunciar uma medida que deveria ser da rotina do governo.

Refiro-me ao anúncio nesta última quarta-feira (12/09) do pacote do governo destinado a reduzir as tarifas de energia. A solenidade contou com a presença de praticamente todo o primeiro escalão do governo, além de governadores, secretários, autoridades do Judiciário em diferentes esferas, um número infindável de deputados e senadores, além de assessores e mais centenas de servidores dos segundo, terceiro, quarto... escalões da administração central. Pergunto: isso é razoável?

A República não precisa parar o expediente para que a presidente Dilma Rousseff anuncie um – bem-vindo, por sinal – programa de redução de custos. Se é possível economizar ficando deitado, para  que se desgastar ficando em pé?, teria perguntado, de forma irônica e metafórica, o ex-primeiro-ministro.

O Brasil - latino que é - não deve pretender ser como os anglo-saxões. Nem convém. Mas não precisa gastar tanto tempo e dinheiro com manifestações midiáticas que afrontam o bom senso. Há coisas mais importantes para empenharmos nossas energias.

Por Nilson Mello

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Artigo

                                                                   Immannuel Kant


                 Eleições e moralidade autêntica


            Um rápido exame do noticiário dos jornais nos permite ver como se tornou frágil a linha que separa a atividade político-partidária das ações criminosas. Essa fragilidade fica ainda mais clara em períodos eleitorais, como o que estamos vivendo neste momento, quando se multiplicam manchetes do tipo “Postos na cadeia”, sobre um prefeito e sua candidata detidos por fraude no Rio de Janeiro.
Na mesma linha, digamos, “marginal” – e isso para ficarmos no exemplo de um único jornal desta quinta-feira 06 de setembro -, temos ainda títulos como “PMDB anuncia expulsão de candidata em Guapimirim”, do assunto correlato; “PSOL expulsa candidato ligado à milícia” e “Justiça apreende títulos em Itaboraí”, esses últimos auto-explicativos.
Mas não para aí. A pior do dia talvez seja “Projeto livra candidatos dos crimes de seus cabos eleitorais”. Pior porque nos coloca novamente diante de uma desanimadora constatação: aqueles que deveriam zelar pelos direitos do cidadão estão mais preocupados com seus interesses particulares ou corporativos. Pois o que engendram no Parlamento com projetos desse tipo nada mais é do que um mecanismo dissimulado para deixar imunes os principais responsáveis pelas irregularidades nas campanhas eleitorais – os próprios candidatos.
Muitos culpam jornais e jornalistas (sempre eles!) por tanta notícia ruim mesclando política, eleições e quadrilhas. Mas faz sentido “matar” o mensageiro e fechar os olhos à mensagem? Ou o mais sensato é tirar proveito do alerta que o “mensageiro” nos traz? Bem, perguntas retóricas sequer precisam de respostas.
O julgamento da Ação Penal 470 pelo Supremo Tribunal Federal também tem tido grande – e justificável – repercussão midiática. Mas aqui há um divisor de águas. Se por um lado a divulgação em detalhes dos crimes cometidos dentro do que ficou conhecido como esquema do “mensalão” (a compra de votos de parlamentares pelo governo) reforça a impressão de que a linha que separa a política da criminalidade é muito mais frágil do que se desejaria, por outro revela também que há limites à impunidade no Brasil e que instituições como o Judiciário, o Ministério Público e a imprensa estão cumprindo o seu papel de forma independente.
Muitos dirão que, para prevenir irregularidades e crimes, de qualquer natureza, e não apenas os de caráter político e eleitoral, é preciso aumentar a coerção e produzir leis mais rigorosas. Outros, no sentido contrário daqueles que querem “matar” o mensageiro (porque a “mensagem” lhes desagrada), entendem que quanto maior a divulgação, maiores serão o esclarecimento, o grau de punição e a possibilidade de prevenção de novos desvios. Hoje, por exemplo, é difícil minimizar o episódio do “mensalão” tendo em vista todas as evidências reconhecidas pela Justiça e difundidas pela imprensa.
Mas não se constrói uma sociedade saudável à base de coerção e de processos de divulgação exponenciais de crimes, criminosos, julgamentos e sentenças. Ainda que isso possa ser necessário por sua ação pedagógica, imprescindível mesmo em determinados períodos “evolutivos”, o fato é que, quando se precisa de muita punição e de leis muito severas (e quando se tem muita TV cobrindo julgamento de políticos) é porque algo já deu muito errado na origem.
Aí outra pergunta se faz necessária, e essa não é retórica, ou seja, está à procura de uma resposta objetiva. É a seguinte: que instrumentos são necessários para fomentar uma sociedade em que os indivíduos ajam da forma certa em função de um senso de moralidade autêntico, independentemente da coerção? Civilidade – ensinava Kant - significa fazer o certo independentemente da ameaça de punição. Respostas para este Blog!

Por Nilson Mello