sábado, 26 de setembro de 2020

Pandemia

 

E o retorno às aulas?


         Os dados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) divulgados no último dia 15 pelo MEC revelaram evolução no ensino médio, avanço tímido no ensino fundamental, disparidade entre os estados e entre as redes pública e privada, bem como uma realidade educacional ainda distante das metas estabelecidas. Criado em 2007, com avaliações a cada dois anos - considerando as disciplinas de português e matemática e as taxas de aprovação e evasão -, o Ideb é um dos principais instrumentos de aferição da educação do país.

         Os números dizem respeito ao levantamento realizado em 2019, com a participação de cerca de 35 milhões de alunos, do fundamental ao último ano escolar, matriculados em 199 mil escolas públicas e particulares. O segmento que apresentou melhor evolução nessa edição, o ensino médio, alcançou 4,2 pontos (numa escala de 0 a 10), 0,4 a mais que em 2017 e o melhor resultado desde o início da série histórica. Contudo, a meta prevista para o período era de 5 pontos, alcançada por apenas um estado: Goiás.

         Um dado relevante é que, no ensino médio, as notas dos alunos da rede estadual tiveram avanço maior (0,4 contra 0,2) do que as dos estudantes das particulares, embora, no geral, o desempenho da rede privada ainda seja melhor do que o da rede pública (nota 6.0, contra 3,9).

Já nos primeiros anos do ensino fundamental, o avanço geral foi mais tímido, de 0,1 ponto, para nota 5,9, superior à meta para este segmento, que era de 5,7 pontos. Nove estados conseguiram nota superior a 6: Distrito Federal, São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Goiás e Ceará. Nos anos finais do ensino básico, o aumento das notas foi maior (0,2), mas, em compensação, os 4,9 pontos alcançados no geral ficaram abaixo da meta, de 5,2 pontos. Neste segmento, apenas sete estados cumpriram suas metas isoladas: Amazonas, Alagoas, Pernambuco, Piauí, Ceará, Paraná e Goiás.

O Rio de Janeiro não tem do que se orgulhar. Além de não se destacar em nenhum segmento, um percentual muito reduzido de seus municípios alcança as metas do Ideb no ensino fundamental: 18,3% nos anos iniciais e meros 4,3% nos anos finais. O mau desempenho se deve, ao que tudo indica, ao baixo rendimento da rede pública, principalmente no interior do estado. Para se ter ideia do atraso fluminense, o Ceará, líder neste quesito, tem 98,9% dos municípios atingindo a meta nos anos iniciais do ensino fundamental e 83,7% nos anos finais.

Vale notar que é justamente no Rio de Janeiro, estado de fraquíssimo desempenho no Ideb - apesar de ex-capital da República e segunda maior economia da Federação - que a questão do retorno às salas de aula tem sido mais politizada e, por consequência, judicializada. Atendendo a pedido do Sindicato dos Professores do Município, o Tribunal de Justiça do Estado e o Tribunal Regional do Trabalho já deram decisões cautelares suspendendo o decreto da Prefeitura de retorno às aulas.

Na última segunda-feira, o procurador Geral da República, Augusto Aras, decidiu entrar na disputa e enviou manifestação ao Supremo pela manutenção da proibição de retorno. Pena que, em meio a uma disputa de indisfarçado caráter político, os especialistas não estejam sendo ouvidos. No último dia 14, a OMS, o Unicef e a Unesco divulgaram documento conjunto recomendando o retorno às aulas, porque entendem que agora “a prioridade deve ser a continuidade da educação das crianças”, de acordo com protocolos de segurança.

Infelizmente, no Rio já pode tudo: praia, shopping, academia de ginástica, clubes, bares e restaurantes. Menos alunos nas escolas.

Por Nilson Mello

 

        

quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Eleições 2020

 

Sorte deles, azar o nosso

(Obs: este artigo foi publicado simultaneamente com o Correio da Manhã)

    A liberdade é o direito de fazer tudo o que as leis permitem; se um cidadão pudesse fazer tudo o que elas proíbem, não haveria mais liberdade, porque os outros também teriam tal poder. A sentença é de Montesquieu, em Do Espírito das Leis, obra iluminista de 1748, que, seguindo o racionalismo iniciado com Descartes no século anterior, procurou dar cientificidade às ciências sociais e, por extensão, ao direito e à política.

Contudo, mesmo atrelado a critérios científicos, ou seja, a provas e evidências, na melhor tradição cartesiana, as leis não poderão estar desprovidas de seu caráter axiológico, do seu valor moral, do contrário deturparão a realidade que, em prol da harmonia social, se destinam a regular. O título do livro por sinal expressa essa preocupação.

O que se pretende exatamente com as leis ou com uma lei em particular? Qual foi a vontade do legislador, representando a coletividade, e a que fim ela se destina? A racionalidade científica deve ser buscada no conteúdo de uma norma, não apenas na sua forma. E a razão não está apartada da moral. Na verdade, a moral é consequência da razão, e vice-versa.

Promulgada em junho de 2010, a Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar no 135) resultou de um grande movimento popular que tinha como objetivo garantir idoneidade aos postulantes de cargos eletivos. Contou, para a sua tramitação e aprovação no Congresso, com a assinatura de mais de 1,6 milhão de eleitores, que traduziam o sentimento de repúdio da sociedade à corrupção no meio político.

A Ficha Limpa não impediu que, de lá para cá, houvesse outros casos de corrupção envolvendo candidatos, parlamentares e governantes. Mas o crivo legal dá ao menos ao eleitor a esperança de que um ambiente político ainda mais degenerado está sendo evitado, além da certeza de que o infrator estará fora do páreo por duas legislaturas - os oito anos de penalidade previstos pela norma para quem praticou atos ilícitos em campanha, como caixa dois ou abuso de poder econômico e político.

A regra de deixar o mau candidato de molho por duas legislaturas valeria para 2020, não fosse a decisão do Tribunal Superior Eleitoral do dia 1º de setembro.  Por cinco votos a dois, o TSE deu interpretação literal – e, portanto, podemos dizer, desprovida de racionalidade e moralidade – à Emenda Constitucional no 107, de julho passado, que adiou de 4 de outubro para 15 de novembro o primeiro turno das eleições deste ano, em função da pandemia de Covid-19. 

Na contramão do parecer do Ministério Público Eleitoral, que temia o “desprezo pela moralidade eleitoral”, cinco dos sete ministros entenderam que, como a lei estabeleceu oito anos de inelegibilidade a contar da data da eleição em que ocorreu o ato ilícito, e a EC 107 alterou a data do pleito, mas foi omissa quanto aos prazos da Ficha Limpa, os políticos enquadrados em 2012 (cujo primeiro turno se deu em 7 de outubro), estão livres para concorrer em 15 de novembro, o que não aconteceria se o escrutínio fosse mantido para o dia 04 do mês que vem. Cabe indagar se omissão dos parlamentares foi proposital. Pelo histórico de fisiologismo, provavelmente sim.

O MP Eleitoral propunha que a inelegibilidade também fosse estendida até 31 de dezembro, fazendo valer o “espírito” da Lei da Ficha Limpa. Agora, calcula-se que mais de 1,5 mil fichas-sujas que estariam impedidos de concorrer poderão participar da eleição. Por obra de uma interpretação literal, em detrimento de um entendimento axiológico, a Justiça Eleitoral lhes deu uma liberdade que afronta a liberdade de todos os brasileiros que querem candidaturas limpas. Ao sustentar o seu voto a favor dos fichas-sujas, neste caso, o ministro Alexandre de Moraes disse que “sorte é sorte”. Sorte deles, azar o nosso.

Por Nilson Mello

terça-feira, 8 de setembro de 2020

 

A China, o agronegócio e o preço dos alimentos



No ano de 2600, mantidas as atuais taxas de crescimento demográfico exponencial (de 1,9% ao ano), a população mundial ficará ombro a ombro, e o consumo de eletricidade será de tal ordem que deixará a Terra incandescente, previu o astrofísico Stephen Hawking, em O Universo em uma casca de noz (2002). Não queremos viver espremidos como numa rampa de acesso a um estádio de futebol em final de campeonato. E, como isso, na prática, inviabilizaria a sobrevivência do ser humano, bem como a da maioria das espécies, podemos supor que até lá tenhamos adotado as medidas capazes de evitar a catástrofe.

Um efetivo controle de natalidade em escala global é a resposta óbvia que nos vem à mente, mas como tal medida também dependeria da superação de obstáculos políticos e, principalmente, religiosos de grande complexidade, outras saídas devem ser tentadas, paralelamente. Imaginar um horizonte de distopia nos ajuda a ter um olhar mais lúcido e responsável para os desafios do presente. Um dos desafios é aumentar a produção da agricultura e da pecuária, a fim de alimentar mais e mais bocas, sem, contudo, levar à total devastação de florestas, agravar as mudanças climáticas ou extrapolar no emprego de agrotóxicos, nocivos à saúde.

O Brasil tem conseguido aumentar a produção de alimentos sem ampliar as áreas destinadas à agropecuária. Aumento de produtividade.  Mas a busca de novos patamares de eficiência, tendo em vista a crescente demanda por alimentos, em algum momento encontrará limites que determinarão a incorporação de novas áreas para o plantio e para o gado. Se reconhecermos o uso mais racional dos recursos naturais do Planeta como um princípio a ser respeitado – até para evitar o futuro distópico – outras respostas terão que ser dadas pela Ciência, e adotadas pelos governantes.

Depois de 4 bilhões de anos de vida orgânica evoluindo por seleção natural, estamos caminhando para a era da vida inorgânica configurada por design inteligente, afirma Yuval Noah Harari, em 21 Lições para o Século 21 (2018). Mais do que isso, em futuro bem próximo, prevê o historiador em sua utopia (ou seria uma distopia?), seremos capazes de produzir em escala de consumo, a partir da bioengenharia, desde uma cenoura até uma suculenta bisteca bovina, o que teoricamente resolveria o problema da produção de alimentos e de seu impacto sobre o ambiente, sem, no entanto, equacionar outras questões relativas à economia, em especial a geração de empregos.

De olho no futuro, analisamos o noticiário da semana passada sobre o impacto da demanda da China sobre os preços dos alimentos no Brasil com preocupação. Pequim decidiu fazer estoques estratégicos, aumentando a compra de grãos e proteína animal. O Brasil foi um de seus grandes vendedores, favorecido por preços mais competitivos, tendo em vista à forte desvalorização do real frente ao dólar (40% nos últimos 12 meses).

Entre janeiro a julho, as compras chinesas injetaram US$ 24 bilhões no agronegócio brasileiro, cifra recorde para um primeiro semestre de ano e 30% superior ao mesmo período de 2019. Essas exportações garantiram saldos positivos da balança comercial e impediram que a queda do PIB no semestre fosse ainda maior. Mas o efeito colateral está aí: aumento dos preços de itens da cesta básica em até 23% nos últimos 12 meses e risco de desabastecimento.

Como não há de se falar em controle de preços, porque a medida vai contra a eficiência econômica e gera outras distorções que acabam atingindo o próprio consumidor, o que se espera é que o próprio aumento da demanda interna leve a uma maior produção e ao reequilíbrio entre oferta e procura. Ou a substituição, pela população, de itens mais caros pelos que estão mais baratos, até que a situação se normalize. Isso, é claro, enquanto a China e o mundo não adotarem um controle de natalidade mais rigoroso e a bisteca biônica não chegar às prateleiras, lembrando que a iguaria do Harari também estará sujeita às oscilações de mercado, que determinam a formação dos preços dos produtos.

 Os excedentes

Os mais românticos (ingênuos?) apostam na agricultura familiar como um caminho para resolver os problemas da fome no mundo, e também para prevenir as agressões ao ambiente e levar a produção de alimentos a um patamar mais ético no que toca o respeito à dignidade dos animais esse, por sinal, um tema recorrente nos livros de Harari, e com grande razão. Sim, é isso mesmo, a bioética.

Porém, a agricultura familiar, por si só, mesmo que não esteja voltada apenas para a subsistência, não teria escala para prover alimentos para bilhões e bilhões de pessoas. Além disso, os produtos da agricultura familiar que venham a ser comercializados – os excedentes, a fonte do lucro – também estarão sujeitos às oscilações de demanda e, por consequência, à variação de preços.

Tudo considerado, o agronegócio não deve ser demonizado, pois não é problema, mas parte da solução. No momento, a melhor solução. Nunca é demais lembrar que a agricultura planificada, ou seja, comunista, onde o preço era definido pelo burocrata, matou milhões de fome na extinta URSS, sob Stalin. A produção agropecuária de Cuba é pífia pela mesma razão. Falta a mola propulsora. Falta o lucro.

 

Por Nilson Mello

sexta-feira, 21 de agosto de 2020

Retomada

 

O desempenho dos portos e o salto para o crescimento

(Obs: artigo publicado simultaneamente com a Revista Portos & Navios)

 

A crise gerada pelo novo coronavírus foi grave, mas começa a ser superada. Dados referentes ao agronegócio nos autorizam a apostar na capacidade de recuperação da economia brasileira. O segmento é uma trincheira contra a recessão e a âncora da retomada. Somado à atividade extrativista mineral, em especial minério e petróleo, têm sido a base de sustentação do comércio exterior e, por consequência, fator de dinamismo da atividade portuária, mesmo em meio à pandemia.

            A safra brasileira deste ano deverá ser 3,8% superior à de 2019, previu o IBGE, na sua análise de julho. Haverá incremento na produção de café (18,2%), arroz (7,3%), sorgo (6,4%), soja (5,9%), laranja (4,1%)  cana de açúcar (2,4%) e trigo (41%!), entre outras lavouras. A área colhida, cerca de 70 milhões de hectares, já era aquela destinada à agricultura, o que significa que o agronegócio não é o vilão dos desmatamentos ilegais e incêndios na Amazônia, como pretendem seus competidores externos – ou inimigos internos.

A Covid-19 pressionou a demanda por alimentos produzidos no Brasil, e não apenas grãos. A produção brasileira de frango cresceu 1,7% no primeiro semestre, devendo aumentar 4% até o fim do ano, algo em torno de 13,7 milhões de toneladas. A produção de proteína suína teve alta de 6,5% no primeiro semestre (4,25 milhões de toneladas), com previsão de crescimento das exportações em 33% este ano. As exportações de café registraram o segundo melhor desempenho da história, com 40 milhões de sacas embarcadas no ano-safra 2019/2020, encerrado em junho.

A balança comercial obteve superávit histórico em julho, com saldo de US$ 8 bilhões, o maior desde o início da série histórica, em 1989, apesar de a corrente de comércio (exportações e importações) ter sofrido queda de 18% em relação ao mesmo mês do ano passado. O saldo de julho deste ano foi 237% maior que o mesmo período do ano passado, graças ao vigor das exportações agrícolas e, claro, à alta do dólar. No acumulado de 2020, o saldo positivo é de US$ 30,3 bilhões, 8,2% acima dos primeiros setes meses de 2019.

Os portos foram positivamente impactados pelo agronegócio e pela atividade extrativista. A movimentação nos terminais brasileiros cresceu 4,4% de janeiro a junho, de acordo com levantamento da Confederação Nacional do Transporte (CNT). Embora haja registro de terminais que tiveram queda de até 40% na movimentação de carga em determinado período do semestre – em geral, aqueles cuja ênfase estava nas importações e que enfrentaram grande número de cancelamentos de escalas no início da quarentena –, o desempenho geral superou as expectativas.

De janeiro a julho, os terminais paranaenses, dedicados ao agronegócio, movimentaram 33,3 milhões de toneladas, 10% a mais do que no mesmo período do ano passado. Nas exportações, o crescimento foi de 14%. Os portos do Rio Grande do Sul (Porto Alegre, Pelotas e Rio Grande), em conjunto, registraram recorde histórico na movimentação de carga em junho, com 4,4 milhões de toneladas movimentadas. O complexo Itajaí-Navegantes, em Santa Catarina, registrou crescimento de 24% no mês de julho em relação ao mesmo mês do ano passado. O Porto de Suape, em Pernambuco, com ênfase no granel líquido e gás liquefeito, cresceu 17% (movimentando 12,3 milhões de toneladas) no primeiro semestre, comparado ao mesmo período do ano passado.

No Porto de Santos, o maior da América Latina, o desempenho não foi diferente. Apesar da queda isolada em alguns terminais, o resultado geral foi positivo. Em julho, o porto obteve o seu recorde para um mês, com 13,48 milhões de toneladas movimentadas, o que representou uma alta de 5,9% em relação a julho de 2019. Foi também o sexto mês seguido de recorde na movimentação. De janeiro a julho, Santos registrou também o melhor resultado para um primeiro semestre, com 84,1 milhões de toneladas movimentadas, 10,2% acima do mesmo período de 2019.

Em meio à resistência, seguem as expectativas quantos aos projetos de privatização no setor de infraestrutura programados pelo governo, alguns previstos para este ano. Os novos investimentos serão a garantia de que não haverá perda de eficiência – ou colapso logístico –, quando o crescimento econômico vier de forma robusta, como todos esperam. Na verdade, esses investimentos serão também um fator determinante para o crescimento da economia, um círculo virtuoso. Especificamente em relação aos portos, o governo pretende licitar uma dezena de terminais portuários públicos ainda neste segundo semestre. Os resultados desses processos serão um termômetro quanto à capacidade de recuperação da economia. Outra série de projetos relativos à infraestrutura rodoviária e ferroviária, já em andamento, também serão de capital importância. 

Essas são as ações de curto prazo. No médio e longo prazos, aliado a isso tudo, será também imperativo estabelecer para o país uma estratégia de desenvolvimento que independa do seu eficiente e competitivo agronegócio. Seremos ainda mais fortes – e menos vulneráveis a crises –quando voltarmos a ter um setor industrial tão vigoroso quanto à economia do campo. Neste sentido, empresas como a Embraer, a Petrobras e a própria Embrapa nos dão a certeza de que temos capacidade para dar este salto. Mãos à obra.

Por Nilson Mello

 

 

sábado, 18 de julho de 2020

Ensino


É a educação, estúpido


         Desde que foi instituído pela OCDE - Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico em 2000, o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) tem exposto o fracasso do ensino médio no Brasil. Num ranking de 80 nações, seguimos entre os últimos colocados e não figuramos na liderança nem na América Latina. A avaliação, feita a cada três anos, ganha relevância neste momento porque é indicativa dos desafios que o novo ministro da Educação, Mílton Ribeiro, terá pela frente.
De acordo com o relatório relativo a 2018, o mais recente, divulgado em dezembro passado, em Ciências, o Brasil aparece na 68ª colocação no mundo e em sexto na América Latina. Em Matemática, somos o 74º no ranking global e sétimo na região. Em leitura, figuramos no 57º lugar e em quinto entre os latino-americanos. O Pisa revela que 2/3 dos brasileiros com menos de 15 anos não sabem o básico de matemática.
A OCDE é taxativa no último relatório apontando “estagnação”, ou seja, não houve evolução no ensino médio do país no decorrer das sete edições do Pisa. O fraco desempenho embute um paradoxo. Segundo a própria OCDE, o Brasil é o país que mais investe em educação na América Latina e também um dos que mais investem no mundo, em proporção ao PIB.
Investimos 6% do PIB em Educação, acima, portanto da média dos países da OCDE, que é de 5,5%, e mais, por exemplo, do que México (5,3%), Chile (4,8%) e Colômbia (4,7%), cujos estudantes têm desempenho melhor que os brasileiros. Como o PIB brasileiro é o sétimo maior do mundo, significa que investimos mais do que a grande maioria dos países em termos percentuais e também absolutos. O que nos permite concluir que o problema da Educação está relacionado à má gestão dos recursos, e não propriamente à falta deles, como frequentemente é alegado – ainda que possamos admitir que dinheiro para a Educação nunca é demais.
A taxa de analfabetismo é outro dado revelador do fracasso. A Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio (Pnad), divulgada no início do mês, informa que 11 milhões de brasileiros acima de 15 anos não sabem ler e escrever. Entre os acima de 60 anos, 18% são analfabetos. Houve pequena melhora em relação aos números de 2018, mas pelos planos traçados na década passada, deveríamos ter zerado o analfabetismo em 2015, o que só deverá acontecer em 2024.
Se não é falta de recursos, pode-se questionar se a “inversão da pirâmide” – além da notória má gestão – não seria uma das causas das deficiências do ensino. De acordo com o Tesouro Nacional, dos R$ 117 bilhões investidos pela União em Educação em 2017, R$ 75,4 bilhões (64,4%) foram destinados às universidades federais, enquanto o restante para o ensino básico. Mas o número de universidades brasileiras entre as melhores do mundo é ridículo. A melhor colocada entre as federais é a de Minas Gerais, na 600ª posição no ranking global. Ora, se tivermos alunos bem preparados saindo do ensino médio, o ensino superior não seria naturalmente qualificado? É o que os dados nos sugerem.
Seria fake news atribuir o fracasso do ensino a Bolsonaro. Essa dívida é dos governos que o antecederam, desde a Constituição de 1988. O que não significa que o atual presidente não deva ser cobrado. Até porque neste ano e meio também já “contribuiu” com sua cota de erros, e a prova é que estamos no quarto ministro, este também uma incógnita. O mais razoável teria sido chamar uma unanimidade para o cargo, alguém que dispensasse apresentações. Não podemos mais errar. A economia depende cada vez mais do ensino. James Carville, estrategista eleitoral americano, hoje com certeza reformularia a sua fala para: “É a Educação, estúpido”.


        

sexta-feira, 10 de julho de 2020

Desenvolvimento


A  Amazônia e a retomada da economia pós-Covid

(Obs: este artigo foi publicado simultaneamente com o jornal Correio da Manhã)

         A calmaria institucional das últimas semanas, uma espécie de trégua nos embates que haviam carregado a atmosfera da quarentena em maio, dificultando o diálogo entre os Poderes, alcançou julho e veio reforçada por dados mais positivos sobre a recuperação da economia. A Receita Federal divulgou que as vendas registradas por Nota Fiscal eletrônica em junho foram 15,63% superiores ao mês anterior e 10,3% maiores do que no mesmo período do ano passado, o que autoriza a leitura de que o “fundo do poço” ficou para traz.
         O mesmo mapeamento indica que pelo menos 200 mil empresas, de diferentes segmentos, incluindo construção civil e supermercados, conseguiram manter o seu nível de vendas durante a pandemia. Um fator importante para o desempenho foram as compras emergenciais do governo, em especial as de medicamentos e equipamentos médico-hospitalares, para o combate à Covid-19, bem como o auxílio emergencial, que chegou a 64 milhões de pessoas, com R$ 95 bilhões pagos.  O setor público cumpriu o seu papel.
         Não faltarão puristas para cobrar da equipe econômica coerência programática. Aumentos de gastos públicos estariam, por definição, na contramão da doutrina liberal. Contudo, não poderão condená-la por indiferença diante da crise. Justiça seja feita, a rigor, a doutrina liberal não diz que governos não devam gastar nunca, mas apenas que não devem gastar de forma irresponsável e incondicional, como se não houvesse amanhã. A previsão é de que, no total, o auxílio alcance 79 milhões de brasileiros, somando R$ 152 bilhões, de acordo com o Instituto Fiscal Independente (IFI), um considerável programa suplementar de transferência de renda.
         Somando o auxílio emergencial a outras ações, como ampliação do programa Bolsa Família, incentivo às empresas para manutenção do emprego, financiamento para pagamento de folha salarial, fundos para operações de créditos, ajuda aos Estados e despesas adicionais do Ministério da Saúde, os gastos extraordinários para combate à pandemia somarão R$ 404 bilhões ao término de 2020, o que fará com que a dívida pública se aproxime dos 100% do PIB. Ironia do destino, a equipe que havia conseguido no ano passado a primeira redução da dívida pública desde 2013 acabou por promover o seu vertiginoso crescimento.
         O Estado aprofundou o buraco orçamentário por uma causa nobre. A pergunta é como voltar a crescer a partir de agora, uma vez que a capacidade de investimento público está esgotada? O investimento – e com ele a retomada sustentável do desenvolvimento – terá que vir do setor privado. Mas, para tanto, algumas condições deverão ser cumpridas. A primeira delas já foi referida de início: a pacificação das relações entre os Poderes.
         Convalescendo da Covid, o presidente Bolsonaro terá, quem sabe?, a chance de reconhecer que os atritos que promoveu neste ano e meio, por força da arriscada aposta na polarização, só prejudicaram o país – e, claro, o seu governo. Investidor gosta de segurança jurídica, algo que somente um ambiente de estabilidade institucional pode propiciar. A segunda condição é levar adiante as reformas que tornarão a máquina pública mais eficiente, abrindo espaço para uma redução da carga tributária que desonere o setor produtivo, gerando empregos e renda.
Uma terceira e importante condição para a retomada da economia pós-Covid é enviar mensagens claras sobre temas estratégicos, como, por exemplo, a Amazônia. A questão ética alia-se ao pragmatismo: muitos fundos condicionam investimentos à defesa ambiental.
O Mundo deve saber que os desmatamentos ilegais serão punidos com todo o rigor da Lei, e que o país está empenhado nessa missão. Em suma, o governo precisa cuidar de nossa imagem, o que significa ter gente com discurso e práticas responsáveis em postos-chave. Até aqui, isso não tem sido a regra, apesar das louváveis exceções, como a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, que tem reiterado que devemos ter tolerância zero com as agressões ao meio ambiente.

Por Nilson Mello
        
        


quarta-feira, 1 de julho de 2020

Privatizações


Dinamismo nos portos e o OGMO

(Obs: Este artigo foi publicado simultaneamente com a Agência Infra)

         O governo anunciou no início do mês de junho que promoverá no terceiro trimestre deste ano os leilões de arrendamento de pelo menos mais sete terminais em Portos Organizados (públicos), na esteira de uma série de concessões que incluem também rodovias, ferrovias e aeroportos, o que poderá significar, segundo estimativas oficiais, compromissos de investimentos (contratos) da ordem de R$ 250 bilhões nas próximas décadas. No setor portuário especificamente, deverão ser 15 os terminais portuários concedidos à iniciativa privada até o final de 2020, considerando os processos licitatórios já realizados e os em andamento.
         O Ministério da Infraestrutura também confirmou que está concluindo os estudos para a desestatização do Porto de Itajaí (SC), pertencente à União, mas municipalizado, e cujo leilão deverá ser realizado no segundo semestre de 2022. O otimismo em relação às privatizações e aos investimentos nos portos justifica-se tendo em vista não apenas o dinamismo do setor, mas, sobretudo, o aumento da demanda que a retomada do crescimento ensejará. Cabe salientar que, atrelados ao agronegócio, os portos têm tido bom desempenho mesmo em meio à crise gerada pela Covid-19.
Mais do que um “termômetro” da atividade, os portos devem ser vistos como um importante ativo econômico e um fator de desenvolvimento. Como 95% do comércio exterior brasileiro em volume passam pelos terminais portuários, a competitividade da cadeia produtiva nacional estará sempre condicionada à eficiência e à produtividade do setor. Os números que vêm sendo registrados neste primeiro semestre, até aqui, são positivos.
Apesar da pandemia, a movimentação portuária cresceu 3,71% (340 milhões de toneladas) no Brasil nos primeiros quatro meses em relação ao mesmo período do ano passado. E não foi apenas no longo curso (exportações e importações), mais favorecido pela demanda externa por commodities agrícolas e minerais, que houve avanço. A cabotagem registrou aumento de 11,3% na movimentação no primeiro quadrimestre em relação ao ano passado.
         Resultados expressivos no movimento estão sendo verificados em diferentes complexos: em São Francisco do Sul (SC), alta de 20,4% em maio em relação ao mesmo mês do ano passado; em Itapoá (SC), aumento de 11,3% nos cinco primeiros meses do ano em relação ao mesmo período do ano passado; em Itaqui (MA), previsão de aumento de 12% nas exportações ao término do semestre na comparação com 2019; e, em Suape (PE), avanço de 21% no volume de cargas movimentadas no acumulado do ano. E esses são apenas alguns exemplos.
O desempenho abrange diferentes segmentos de carga, do granel líquido ao granel sólido, passando pelo contêiner. Em Paranaguá (PR), houve recorde de importações e exportações em maio, com 5,7 milhões de toneladas movimentadas, 44% superior ao mesmo mês do ano passado. Em Portonave (SC), o recorde foi a atracação, no dia 16 de junho, do porta-contêiner APL Paris, de 347 metros de comprimento, o maior navio que já aportou no Brasil.
Há grande expectativa quanto ao modelo de desestatização a ser proposto para Itajaí. O mais provável é que seja adotado ali o mesmo que vigora hoje em todos os terminais arrendados em Portos Organizados brasileiros, o de landlord port, pelo qual o setor público mantém o controle administrativo (a Autoridade Portuária), enquanto o setor privado se responsabiliza pelos investimentos e pela operação. Esse é também o modelo que prevalece nos principais portos do mundo, como Hamburgo, Roterdã, Marselha, Valência e Barcelona.
Porém, como o estudo de modelagem de Itajaí, iniciado este ano, tem prazo de 28 meses para ser concluído, especula-se que o governo poderia propor para o porto catarinense algo mais parecido com o fully privatized port, que é, em última instância, o regime jurídico adotado no Brasil para os Terminais de Uso Privado (TUPs), ou seja, aquelas instalações que se encontram fora dos Portos Organizados, como, por exemplo, Portonave e Itapoá, mencionados acima. Pelas assimetrias que tal escolha poderia acarretar, com possível judicialização da questão, o que é previsível, não parece de antemão a melhor opção.
Vale lembrar que os terminais arrendados em Portos Organizados (públicos), ao contrário dos TUPs, não gozam de autonomia para a contratação de pessoal, devendo, por imposição legal, recorrer ao OGMO, uma entidade para-sindical, para contratar trabalhadores avulsos no que toca os serviços de capatazia, estiva, conferência de carga, conserto de carga, bloco e vigilância de embarcações. Isso dá aos TUPs uma razoável vantagem competitiva, pois essas instalações eminentemente privadas têm total liberdade para gerir, capacitar e treinar seus profissionais, de acordo com os melhores parâmetros de mercado, sem ingerências externas.
Por outro lado, é preciso reconhecer que os TUPs são empreendimentos que começaram do zero (projetos greenfield), para os quais foram necessários pesados investimentos não apenas na construção da infraestrutura do terminal em si, como nos seus acessos e serviços de suporte, o que muitas vezes inclui rodovias, alças de ligação rodoviária e ferroviária, estações de geração e transmissão de energia etc. Grosseiramente, poderíamos dizer que o handcap (desvantagem) dos terminais arrendados em Portos Organizados, pela obrigatoriedade do OGMO, teria sido compensado pela maior exigência de investimentos de um projeto greenfield, equalizando as condições de concorrência.
Aí surgiria a questão: na desestatização de Itajaí, que é uma estrutura pública pronta, se feita pelo regime eminentemente privado (fully privatized port), a obrigatoriedade do OGMO seria mantida, como nos demais Portos Organizados, ou cairia, como no modelo dos TUPs? A lógica nos autoriza a deduzir que cairia, em respeito ao modelo adotado, mas essa, contudo, é a falsa discussão. O verdadeiro debate que o governo e o setor devem enfrentar a partir de agora, e com transparência, é quanto à validade da manutenção do OGMO em qualquer hipótese.
O país está ingressando numa terceira e decisiva fase de investimentos no setor. A primeira veio com a Lei de Modernização dos Portos (Lei 8.630/1993), que permitiu o arrendamento dos terminais públicos, garantindo um grande salto em termos de eficiência e produtividade. A segunda data do novo marco regulatório (Lei nº 12.815/2013 e Decreto nº 8.033), que autorizou os terminais de uso privado (TUPs), fora dos Portos Organizados, portanto, a movimentar cargas de terceiros, o que estimulou os investimentos na implantação de novos empreendimentos e na ampliação dos já existentes.
Agora, é hora de se discutir com clareza o fim do OGMO, o último traço de anacronismo do setor portuário brasileiro, na prática, um monopólio de caráter sindical que define como uma empresa privada deve contratar mão de obra, quem deve contratar e de que forma devem ser capacitados, treinados e organizados (incluindo cadastro e escala de trabalho) os profissionais que lhe prestam serviços. Só a burocracia que envolve essa intermediação - e os custos inerentes a ela - já seria razão suficiente para justificar o seu fim, sem contar a questão de fundo, ainda mais importante: por que uma empresa privada deve ser obrigada a recorrer a terceiros para fazer algo essencial à sua atividade, qual seja, a gestão de pessoal especializado?  A questão está na mesa.
Por Nilson Mello