terça-feira, 8 de setembro de 2020

 

A China, o agronegócio e o preço dos alimentos



No ano de 2600, mantidas as atuais taxas de crescimento demográfico exponencial (de 1,9% ao ano), a população mundial ficará ombro a ombro, e o consumo de eletricidade será de tal ordem que deixará a Terra incandescente, previu o astrofísico Stephen Hawking, em O Universo em uma casca de noz (2002). Não queremos viver espremidos como numa rampa de acesso a um estádio de futebol em final de campeonato. E, como isso, na prática, inviabilizaria a sobrevivência do ser humano, bem como a da maioria das espécies, podemos supor que até lá tenhamos adotado as medidas capazes de evitar a catástrofe.

Um efetivo controle de natalidade em escala global é a resposta óbvia que nos vem à mente, mas como tal medida também dependeria da superação de obstáculos políticos e, principalmente, religiosos de grande complexidade, outras saídas devem ser tentadas, paralelamente. Imaginar um horizonte de distopia nos ajuda a ter um olhar mais lúcido e responsável para os desafios do presente. Um dos desafios é aumentar a produção da agricultura e da pecuária, a fim de alimentar mais e mais bocas, sem, contudo, levar à total devastação de florestas, agravar as mudanças climáticas ou extrapolar no emprego de agrotóxicos, nocivos à saúde.

O Brasil tem conseguido aumentar a produção de alimentos sem ampliar as áreas destinadas à agropecuária. Aumento de produtividade.  Mas a busca de novos patamares de eficiência, tendo em vista a crescente demanda por alimentos, em algum momento encontrará limites que determinarão a incorporação de novas áreas para o plantio e para o gado. Se reconhecermos o uso mais racional dos recursos naturais do Planeta como um princípio a ser respeitado – até para evitar o futuro distópico – outras respostas terão que ser dadas pela Ciência, e adotadas pelos governantes.

Depois de 4 bilhões de anos de vida orgânica evoluindo por seleção natural, estamos caminhando para a era da vida inorgânica configurada por design inteligente, afirma Yuval Noah Harari, em 21 Lições para o Século 21 (2018). Mais do que isso, em futuro bem próximo, prevê o historiador em sua utopia (ou seria uma distopia?), seremos capazes de produzir em escala de consumo, a partir da bioengenharia, desde uma cenoura até uma suculenta bisteca bovina, o que teoricamente resolveria o problema da produção de alimentos e de seu impacto sobre o ambiente, sem, no entanto, equacionar outras questões relativas à economia, em especial a geração de empregos.

De olho no futuro, analisamos o noticiário da semana passada sobre o impacto da demanda da China sobre os preços dos alimentos no Brasil com preocupação. Pequim decidiu fazer estoques estratégicos, aumentando a compra de grãos e proteína animal. O Brasil foi um de seus grandes vendedores, favorecido por preços mais competitivos, tendo em vista à forte desvalorização do real frente ao dólar (40% nos últimos 12 meses).

Entre janeiro a julho, as compras chinesas injetaram US$ 24 bilhões no agronegócio brasileiro, cifra recorde para um primeiro semestre de ano e 30% superior ao mesmo período de 2019. Essas exportações garantiram saldos positivos da balança comercial e impediram que a queda do PIB no semestre fosse ainda maior. Mas o efeito colateral está aí: aumento dos preços de itens da cesta básica em até 23% nos últimos 12 meses e risco de desabastecimento.

Como não há de se falar em controle de preços, porque a medida vai contra a eficiência econômica e gera outras distorções que acabam atingindo o próprio consumidor, o que se espera é que o próprio aumento da demanda interna leve a uma maior produção e ao reequilíbrio entre oferta e procura. Ou a substituição, pela população, de itens mais caros pelos que estão mais baratos, até que a situação se normalize. Isso, é claro, enquanto a China e o mundo não adotarem um controle de natalidade mais rigoroso e a bisteca biônica não chegar às prateleiras, lembrando que a iguaria do Harari também estará sujeita às oscilações de mercado, que determinam a formação dos preços dos produtos.

 Os excedentes

Os mais românticos (ingênuos?) apostam na agricultura familiar como um caminho para resolver os problemas da fome no mundo, e também para prevenir as agressões ao ambiente e levar a produção de alimentos a um patamar mais ético no que toca o respeito à dignidade dos animais esse, por sinal, um tema recorrente nos livros de Harari, e com grande razão. Sim, é isso mesmo, a bioética.

Porém, a agricultura familiar, por si só, mesmo que não esteja voltada apenas para a subsistência, não teria escala para prover alimentos para bilhões e bilhões de pessoas. Além disso, os produtos da agricultura familiar que venham a ser comercializados – os excedentes, a fonte do lucro – também estarão sujeitos às oscilações de demanda e, por consequência, à variação de preços.

Tudo considerado, o agronegócio não deve ser demonizado, pois não é problema, mas parte da solução. No momento, a melhor solução. Nunca é demais lembrar que a agricultura planificada, ou seja, comunista, onde o preço era definido pelo burocrata, matou milhões de fome na extinta URSS, sob Stalin. A produção agropecuária de Cuba é pífia pela mesma razão. Falta a mola propulsora. Falta o lucro.

 

Por Nilson Mello

2 comentários:

  1. De controle de preços, principalmente os sistemáticos, rígidos, e os congelamentos ( até os essenciais: óculos ray ban, papel carbono, talco para gatos...)do período 1965 a 90, ninguém se ilude. A saída é, como diz, pela inovação, produtividade, segurar a população, bioengenharia...e criar empreendedores, desde cedo.
    Abraço
    Luiz Affonso Romano

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