sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Artigo

Um país de castas?


    A Justiça do Distrito Federal determinou que os condenados do mensalão recebam, no presídio da Papuda, tratamento idêntico ao dos demais “hóspedes”. Divulgada esta semana, a orientação não deve merecer comemoração.
A necessidade de se determinar o cumprimento daquilo que seria o óbvio, porque decorre de comandos constitucionais e legais expressos e claros, só confirma a distância que ainda prevalece no Brasil entre indivíduos de diferentes origens econômicas e sociais, bem como a influência nefasta das interconexões políticas.
Não que todos sejam iguais e é assim que devem ser tratados, de forma massificada e uniforme, como se a individualidade não existisse. Não, longe disso. As pessoas diferem entre si nos gostos, aptidões, vocações, anseios, virtudes e defeitos. Não formam uma massa compacta e uniforme, a despeito de ser nisso que a cultura do consumo tenta transformá-las.
A velha máxima continua valendo: nada mais injusto do que tratar igualmente os desiguais. Porém, no que diz respeito à Lei e o seu cumprimento, o que importa – e deve importar – não é o que as pessoas são, mas o que elas fizeram. Ninguém é julgado pelo que é, mas pelo que fez ou deixou de fazer, e tendo em vista o que a Lei determina para as suas ações e omissões.
No Brasil, portanto, estamos dando um passo importante. Políticos - aí incluídos ex-ministros e deputados - já são processados e condenados. Falta agora confirmar o avanço. O surgimento de privilégios no momento de se efetivar o cumprimento das sentenças volta a expor a distância que ainda há entre a nossa democracia formal e a sociedade de “castas” na qual, na prática, vicejamos.
    Por isso a determinação da Vara de Execuções Penais do Distrito Federal é emblemática e didática em dois sentidos. No primeiro, porque mostra que ainda estamos longe do que já deveríamos ser, ou ao menos daquilo que pretendíamos ser ou dizíamos que pretendíamos ser desde a promulgação da Constituição Federal de 1988.
Daí porque não há o que se comemorar. O assunto sequer deveria ser discutido ou exigir uma determinação adicional. Mas, de qualquer forma, vê-se também que as artimanhas estão sendo coibidas – e esse é o segundo sentido didático.
A decisão da Vara de Execuções, assinada por três de seus juízes, afirma o seguinte:
“Não há qualquer justificativa para que seja dado a um interno ou a grupo específico tratamento distinto daquele dispensado aos demais reclusos. Que seja dado tratamento igualitário aos internos e visitantes do Sistema Penitenciário”.
    Nada mais cristalino e edificante. Neste sentido, é bom saber que a Justiça continua cega.
Por Nilson Mello

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Artigo



Mensalão. Estamos quase lá



    As manifestações que desde junho tomaram as ruas das principais cidades brasileiras – hoje já um tanto arrefecidas e desvirtuadas, mas ainda assim legítimas nas motivações de origem - provam que o fim da impunidade é uma aspiração do eleitor.
O basta à impunidade gera por consequência direta ou indireta a moralização das práticas políticas no país, não por acaso outra “bandeira” desfraldada nos protestos populares deste ano.
A decisão do Supremo Tribunal Federal desta quarta-feira (13/11) determinando o cumprimento imediato das penas de onze dos 25 condenados no processo do Mensalão foi, sim, uma vitória da sociedade. Mas uma vitória apenas parcial.
    A conquista seria completa se o Supremo não tivesse sucumbido, durante a sessão, a uma filigrana jurídica que tomou forma de manobra, contribuindo para postergar o desfecho do processo.
Seguindo o voto do ministro Teori Zavascki, o Tribunal decidiu por maioria de seis votos a cinco que não haveria trânsito em julgado de sentença para aqueles réus que tivessem interposto embargos infringentes mesmo nos casos em que esses recursos não fossem cabíveis.
A filigrana, no caso, revela-se pelo argumento apresentado pelo ministro: a de que a sessão de ontem não se destinava a fazer juízo de admissibilidade dos recursos.
Como já exaustivamente comentado, o pressuposto do embargo infringente é a ocorrência de ao menos quatro votos divergentes em decisão contrária ao réu.
A sentença de vários dos condenados cujos advogados apresentaram o recurso não cumpria esse requisito. Ainda assim, prevaleceu o entendimento do ministro Zavascki.
Curiosamente, quem melhor definiu o absurdo foi o ministro Dias Toffoli, sem se distanciar de seu simplismo habitual: “Quem entrou com o recurso, mas não tem o direito, não pode ser beneficiado (...). Se não há quatro votos divergentes, pode-se, sim, falar em trânsito em julgado”. Voto vencido.
Muito bem, sem trânsito em julgado, evidentemente não poderia haver cumprimento imediato de sentença para esses casos.
A decisão gerou o insólito: réus que não ajuizaram o embargo, reconhecendo que não eram cabíveis, terão que cumprir pena imediata, enquanto outros, que o opuseram sem o pré-requisito, com o intuito único de protelar a decisão, terão mais algum tempo de liberdade antes de ir para a cadeia.
Cabe também replicar o comentário do ministro Gilmar Mendes, nos jornais de hoje: “Estamos dizendo aos que não interpuseram embargos infringentes que, da próxima vez, interponham, porque haverá alguma vantagem. Estamos fomentando um sistema recursal caótico”. Nas palavras do ministro, a tradução da vitória parcial da sociedade. 
A admissibilidade dos embargos infringentes, quando o seu pré-requisito está atendido, tornou-se questão incontroversa após a decisão do Tribunal em setembro passado. Na ocasião, contrariando o chamado “clamor das ruas”, o ministro Celso de Mello, deu voto de desempate favorável ao recurso.
Artigo deste blog, de 13 de setembro, “Quem disse que a democracia é simples?” (acesse pesquisa na barra lateral direita), defendia o cabimento dos embargos, antes mesmo do voto de Celso de Mello. A tese, expressa no artigo, era a de que só se faz Justiça com estrito respeito à legalidade, ainda que isso tome tempo.
Como os embargos infringentes, previstos no regulamento do Supremo, foram recepcionados pela Constituição e são há algum admitidos em julgamentos na Corte, não reconhecê-los no julgamento do Mensalão seria um ato de exceção incompatível com a própria democracia. Essa mesma democracia que se pretende preservar com a punição rigorosa dos mensaleiros condenados.
Já o que aconteceu ontem foi bem diferente. O não reconhecimento do trânsito em julgado, tendo em vista recursos que são visivelmente inadmissíveis, é fruto de uma criatividade jurídica que beira o deboche. Nada tem a ver com estrito respeito à legalidade. 
Em todo caso, está ficando cada vez mais claro que, embora tarde um pouco, no caso do Mensalão a Justiça não falhará.
 
Por Nilson Mello


segunda-feira, 28 de outubro de 2013

ANOTE



Uma curiosidade: A NSA teria, segundo Snowden (o agente nevado), feito escutas na Petrobras, com vistas a obter informações estratégicas sobre o pré-sal. Bem, como nenhuma petroleira americana se habilitou (ler artigo da última sexta-feira neste Blog) a fazer lance no leilão do Campo de Libra, por sinal, um fracasso retumbante vendido como grande sucesso, temos o seguinte:

1)      O governo americano viu que era uma roubada, devido ao "desenho legal" e as incertezas envoltas em projeto de altíssimo custo (incertezas em grande parte decorrentes do tal desenho legal) e aconselhou as empresas americanas a pular fora;

2) O governo dos EUA não repassa informações estratégicas que possam ser de interesse comercial para as empresas americanas;

3) Se a hipótese 02 é verdadeira, por que tanta histeria por parte da presidente Dilma Rousseff, acusando o governo americano de fazer espionagem comercial? Não era preciso tanto.

4) Precisamos decidir qual hipótese é verdadeira, mas uma certeza temos: o leilão de Libra, assim como tudo que este governo "planeja", foi patético!

 

 

sexta-feira, 25 de outubro de 2013


 

O pré-sal e o doce sabor do jiló

         
                                                   Na exploração de petróleo, a reinvenção da roda.

 

     O bom senso e a bem-sucedida experiência nas áreas de exploração no pós-sal da Bacia de Campos indicavam que a manutenção da concessão convencional teria atraído mais empresas para o leilão do Campo de Libra, o primeiro lote do pré-sal.

     Pelas promissoras reservas, o leilão, realizado na última segunda-feira, era aguardado com grande expectativa, sobretudo depois de o governo levar mais de cinco anos estruturando um novo modelo – o “redesenho legal” da exploração.

O hábito de refazer o que já deu certo ou de “recriar” o que já funcionava é, a propósito, uma das particularidades deste governo.

Em toda modalidade de privatização, quanto maior for o número de empresas ou grupos empresariais interessados, maior será a disputa e, consequentemente, mais preservado estará o interesse do país e dos brasileiros.

O interesse do país, cabe dizer, se traduz por mais investimentos no setor, o que significa exploração mais rápida e eficiente das riquezas, com impactos econômicos e sociais mais do que ponderáveis.

Neste sentido, não custa salientar, que em todo o mundo fontes energéticas vêm sendo descobertas em tempo recorde. Ao mesmo tempo, novas tecnologias e matérias primas (como o xisto) tendem reduzir a importância relativa do pré-sal brasileiro, a despeito de suas formidáveis reservas.

Detalhe: o petróleo na camada de pré-sal não é uma exclusividade nacional. Outros países também preparam-se para explorá-lo, o que, mais uma vez, tende a reduzir a importância relativa do que temos aqui.

Corríamos e continuamos a correr, portanto, contra o tempo. Por essa razão seria razoável que as regras e o primeiro leilão do pré-sal já tivessem sido equacionados há bem mais tempo. A pressa não seria inimiga da perfeição, no caso concreto, porque já havia um modelo testado e comprovado.

Mas eis que o governo procurou novamente “reinventar” a roda, deixando a marca do seu feito (as marcas, aliás, são cada vez mais indeléveis). Não houve pressa. Talvez até tenha havido agitação e desencontros nos bastidores, mas a ineficiência burocrática, outra peculiaridade marcante de gestões pautadas por diretrizes ideológicas, tratou de transformá-la em morosidade.

     Veio o leilão e, para quem enxerga as coisas como elas realmente são, o fracasso foi retumbante. O governo esperava que 40 grupos empresariais se habilitassem para a disputa, mas apenas 11 se apresentaram. Desses, esperava-se (era o que o Planalto propagandeava) que ao menos seis consórcios fizessem lances, mas, na hora “H”, apenas um consórcio, liderado pela estatal Petrobras, fez lance.

Com um consórcio só na disputa, é claro que o lance foi feito no valor mínimo. O que o país ganhou com isso?

     A revista britânica The Economist, numa reportagem cujo título é “Saiu barato”, foi ao ponto: o governo não queria vender os direitos sobre o pré-sal por valores baixos, mas o tiro saiu pela culatra: elevar as taxas sobre a produção, dentro do modelo que já vinha dando certo, de concessões, teria sido mais simples.

     A retórica propagandista do governo quer nos fazer crer que o leilão do Campo de Libra foi um sucesso. Mas como podemos assumir ser isso a verdade dos fatos sem passar por loucos siderados ou trouxas irrecuperáveis?

     Daqui a pouco teremos que acreditar que o fruto da herbácea jiloeiro, o nosso conhecido jiló, é doce e saboroso. Ou que a roda pode ser quadrada. Não dá!

     Por Nilson Mello

 

 

 

   

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

ANOTE:


Delírios Heterodoxos no Supremo - O ministro Luiz Fux, em surpreendente reunião de conciliação, alerta os professores grevistas do Rio de Janeiro que, se o resultado das assembleias que farão não for pelo fim da greve, não poderão mais recorrer ao STF! É isso mesmo? Primeiro, o ministro convoca (e os convocados aceitam) uma "audiência de conciliação", dentro do que ele chama de "nova estratégia do Judiciário para resolver conflitos", e faz tudo isso muito embora audiências conciliatórias trabalhistas estejam longe de ser competência do Supremo. Um completo delírio jurisdicional! Aí, feita a reunião, ele diz que o resultado das assembleias, que são legítimas e têm autonomia para decidir o que a categoria pretende, só pode ser o que ele, Fux, acha que é certo. A propósito, quem dá ao ministro Fux competência para estabelecer "uma nova estratégia para resolver conflitos" que, como fica claro, é uma inovação à margem da previsão legal? À margem da Constituição e do ordenamento jurídico, os quais ele e os demais ministros são guardiões?

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Artigo

Questões estruturais e as manifestações de rua



    O enquadramento de um casal de manifestantes pela Lei de Segurança Nacional, dias atrás, em São Paulo, causou constrangimento e surpresa. Se vivemos em uma democracia, por que não podemos protestar?
A pergunta, que vem sendo feita com frequência por pessoas desinformadas ou bem informadas, porém, mal intencionadas, expressa um embuste que deve ser combatido: o de que, na democracia, as liberdades são ilimitadas.
Parece óbvio, mas não custa repetir: um direito sempre encontra o seu limite em outro direito. Protestar pode, mas quebrar patrimônio público e privado ou colocar em risco a integridade física de outras pessoas, inclusive manifestantes pacíficos, não é e nem poderia ser permitido.
Para coibir os abusos, o Estado democrático deve usar o rigor da Lei, ou, em outras palavras, a lei que for mais rigorosa. E é aí que retornamos à polêmica inicial sobre a Lei de Segurança Nacional.
Então, é preciso dizer que Leis promulgadas antes da Constituição de 1988 estão em vigência porque são compatíveis com o atual ordenamento, de caráter nitidamente democrático, razão pela qual não foram tácita ou expressamente derrogadas. Mais uma vez, parece óbvio, mas não é, e por isso fazemos a repetição.
Uma lei não é intrinsecamente boa ou ruim em função do período em que foi promulgada – se é que “bom” e “ruim” são conceitos aplicáveis ao campo da filosofia política, da Teoria do Estado ou da própria prática política.
No caso específico da segurança nacional, vale lembrar que a Lei atual, de número 7.170/1983, aplicada no recente caso de São Paulo, não é a primeira que o país teve. Além disso, entre as nações democráticas, o Brasil não é o único país a procurar “proteger” o Estado e a sociedade com um tipo de legislação de caráter excepcional.
Num breve olhar histórico, podemos lembrar que a República Romana, que aperfeiçoou a democracia idealizada pelos gregos, ao estruturar o conceito de Estado, previa o iustitium, uma proclamação que suspendia alguns direitos em momentos de grande turbulência e emergência. É claro que o instituto em questão, ao suspender direitos, ia muito além de qualquer lei atual, mas serve para ilustrar a questão.
Os desdobramentos violentos que vêm desvirtuando os protestos que tomaram as ruas do país desde junho devem ser coibidos, porque nada têm de democráticos. Um conhecido locutor de rádio afirmou, no ápice das manifestações, que não se fazem revoluções sem violência.
Muito bem. Eis aí o cerne da questão. Não estamos em revolução, não no sentido estrito do termo.  Violência revolucionária só pode ser aceita como legítima se empregada contra regimes ou governos totalitários. Definitivamente, esse não o caso do Brasil – a despeito de todos os defeitos que nossas instituições e nossa cultura política encerram.
A violência e as depredações que dela resultam devem estar sendo estimuladas por uma minoria desinformada ou, como já dito acima, por uma minoria bem informada, porém, mal intencionada, comprometendo os elevados objetivos que as manifestações possam ter.
E é neste sentido que devem ser reprovadas pela sociedade e coibidas pelo Poder Público, dentro da lei e sem excessos que venham, no final das contas, ser usados, de forma falaciosa, para justificar os próprios abusos de uns poucos marginais travestidos de “manifestante”.
 
Por Nilson Mello


sábado, 5 de outubro de 2013

Anote:

Vá entender - Depois do suspense de sexta, Marina Silva surpreendeu a todos neste sábado. Nem foi para uma legenda que lhe oferecesse a chance de se candidatar à Presidência, nem abriu mão das eleições de 2014, a fim de consolidar o projeto da Rede Sustentabilidade.
    Acabou filiando-se ao PSB, por onde sairá candidata, mas não a presidente e sim a vice na chapa do governador Eduardo Campos. Qual a evolução política desse movimento não se sabe.
    O comentarista Kennedy Alencar arriscou dizer, nas redes sociais, que o gesto de Marina "foi ousado", pois deu "um troco" no PT. Ousado? Será mesmo? 
     Se toda a manobra para criar um partido e se consolidar como a nova proposta que o eleitorado tanto anseia, no final, se resumiu a uma vingancinha pessoal, a propalada grandeza política da ex-senadora ficou, digamos, menor após o episódio.
     Quanto ao maior vencedor e maior perdedor, não resta dúvida que são, respectivamente, Campos e o senador Aécio Neves, o claudicante candidato do PSDB.