As manifestações que desde junho tomaram as ruas das principais cidades brasileiras – hoje já um tanto arrefecidas e desvirtuadas, mas ainda assim legítimas nas motivações de origem - provam que o fim da impunidade é uma aspiração do eleitor.
O basta à impunidade gera por
consequência direta ou indireta a moralização das práticas políticas no país,
não por acaso outra “bandeira” desfraldada nos protestos populares deste ano.
A decisão do Supremo Tribunal
Federal desta quarta-feira (13/11) determinando o cumprimento imediato das
penas de onze dos 25 condenados no processo do Mensalão foi, sim, uma vitória
da sociedade. Mas uma vitória apenas parcial.
A conquista seria completa se o
Supremo não tivesse sucumbido, durante a sessão, a uma filigrana jurídica que
tomou forma de manobra, contribuindo para postergar o desfecho do processo.
Seguindo o voto do ministro Teori
Zavascki, o Tribunal decidiu por maioria de seis votos a cinco que não haveria
trânsito em julgado de sentença para aqueles réus que tivessem interposto
embargos infringentes mesmo nos casos em que esses recursos não fossem cabíveis.
A filigrana, no caso, revela-se
pelo argumento apresentado pelo ministro: a de que a sessão de ontem não se
destinava a fazer juízo de admissibilidade dos recursos.
Como já exaustivamente comentado,
o pressuposto do embargo infringente é a ocorrência de ao menos quatro votos
divergentes em decisão contrária ao réu.
A sentença de vários dos
condenados cujos advogados apresentaram o recurso não cumpria esse requisito.
Ainda assim, prevaleceu o entendimento do ministro Zavascki.
Curiosamente, quem melhor definiu
o absurdo foi o ministro Dias Toffoli, sem se distanciar de seu simplismo
habitual: “Quem entrou com o recurso, mas não tem o direito, não pode ser
beneficiado (...). Se não há quatro votos divergentes, pode-se, sim, falar em
trânsito em julgado”. Voto vencido.
Muito bem, sem trânsito em
julgado, evidentemente não poderia haver cumprimento imediato de sentença para
esses casos.
A decisão gerou o insólito: réus
que não ajuizaram o embargo, reconhecendo que não eram cabíveis, terão que
cumprir pena imediata, enquanto outros, que o opuseram sem o pré-requisito, com
o intuito único de protelar a decisão, terão mais algum tempo de liberdade
antes de ir para a cadeia.
Cabe também replicar o comentário
do ministro Gilmar Mendes, nos jornais de hoje: “Estamos dizendo aos que não
interpuseram embargos infringentes que, da próxima vez, interponham, porque
haverá alguma vantagem. Estamos fomentando um sistema recursal caótico”. Nas
palavras do ministro, a tradução da vitória parcial da sociedade.
A admissibilidade dos embargos
infringentes, quando o seu pré-requisito está atendido, tornou-se questão
incontroversa após a decisão do Tribunal em setembro passado. Na ocasião, contrariando
o chamado “clamor das ruas”, o ministro Celso de Mello, deu voto de desempate
favorável ao recurso.
Artigo deste blog, de 13 de
setembro, “Quem disse que a democracia é simples?” (acesse pesquisa na barra
lateral direita), defendia o cabimento dos embargos, antes mesmo do voto de
Celso de Mello. A tese, expressa no artigo, era a de que só se faz Justiça com
estrito respeito à legalidade, ainda que isso tome tempo.
Como os embargos infringentes,
previstos no regulamento do Supremo, foram recepcionados pela Constituição e
são há algum admitidos em julgamentos na Corte, não reconhecê-los no julgamento
do Mensalão seria um ato de exceção incompatível com a própria democracia. Essa
mesma democracia que se pretende preservar com a punição rigorosa dos mensaleiros
condenados.
Já o que aconteceu ontem foi bem
diferente. O não reconhecimento do trânsito em julgado, tendo em vista recursos
que são visivelmente inadmissíveis, é fruto de uma criatividade jurídica que
beira o deboche. Nada tem a ver com estrito respeito à legalidade.
Em todo caso, está ficando cada
vez mais claro que, embora tarde um pouco, no caso do Mensalão a Justiça não
falhará.
Por Nilson Mello
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