terça-feira, 1 de março de 2022

Guerra no Leste Europeu

                                       Ucrânia: diagnóstico e prognósticos

 


Nilson Mello

 

Putin não conseguiu realizar uma blitzkrieg para tomar Kiev rapidamente. Segundo especialistas em estratégia militar, isso se deve ao fato de ter adaptado o seu objetivo inicial, passando de uma operação militar originalmente limitada às províncias com conflitos separatistas do sul da Ucrânia, para uma conquista de todo o território ucraniano, e capitulação de seu governo a partir de uma rápida tomada da capital - o que não ocorreu.

A razão para o fracasso de sua “blitzkrieg”, além da tenacidade do povo e do Exército ucranianos, estaria no fato de o avanço russo, ao contrário da guerra relâmpago da Wehrmacht no início da Segunda Guerra Mindial, não ter sido feito em escalas subsequentes, deixando grandes “hiatos” (gaps) logísticos na retaguarda. O que se pode esperar agora? Uma das possibilidades é que a Ucrânia se transforme num território conflagrado com o conflito se estendendo por longo prazo.

Uma preocupação neste sentido se justifica pelo fato de muitos grupos, de variadas tendências ideológicas, e com diferentes interesses políticos, terem se organizado em milícias armadas na Ucrânia para auxiliar o Exército regular no enfrentamento às forças russas. Muitos desses grupos receberam reforços de voluntários estrangeiros, de origens étnicas e religiosas díspares. Isso talvez possa transformar a Ucrânia num campo de batalha por tempo indeterminado, com o conflito se estendendo anos a fio, sem definição de vitorioso, mal comparando, como ocorreu na Guerra Civil do Líbano (1975 a 1990) e mais recentemente na Síria.

Uma vitória russa, após duras batalhas e tomada do poder, não afastaria esta possibilidade, pois o conflito tenderia a se estender contra o domínio russo. A alternativa preocupante seria a de Putin, percebendo que não haverá a fácil conquista que esperava, e se vendo pressionando pelas fortes sanções internacionais, fazer uso de arma nuclear. A possibilidade é remota, mas não está totalmente descartada, sobretudo tendo em vista o perfil do “líder” soviético.

A melhor alternativa, pela qual a ONU e a comunidade internacional conjuga os seus melhores esforços, é um acordo imediato de cessar-fogo e a retomada das negociações diplomáticas. Ainda há espaço para essas negociações. A questão é saber como esse mosaico de grupos díspares se comportará após o fim das hostilidades formais.

Por fim, há quem diga que Putin perdeu prestígio interno com a guerra, ou mesmo que foi à guerra numa tentativa de renovar o seu prestígio, que já estaria em declínio após mais de duas décadas no poder. Assim, em tese, sua queda, por desgaste e pressão interna, não pode estar totalmente descartada - lembrando apenas que esta hipótese não elimina outras questões relacionadas à Ucrânia, conforme mencionadas acima. O cenário é, portanto, de grande imprevisibilidade.

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Paralelo Ucrânia x Uruguai
Guardando as devidas proporções, seria como se hoje o Brasil decidisse invadir o Uruguai com base em questões históricas (forte colonização de origem luso-brasileira e território que já pertenceu ao Brasil até o Primeiro Reinado); geográficas (a rigor, a Região Sul do Brasil, em particular o extremo do Rio Grande do Sul, predominantemente uma planície, os Pampas, se estende até o Rio da Prata, em fronteira “seca”, sem delimitação por rio); e geopolíticas e estratégicas. A exemplo do que ocorreu com a Ucrânia, em relação à divisão artificial feita pela antiga URSS, poderia o Brasil alegar que a “Província Oriental del Rio de la Plata” (o Uruguai) é um pseudo-Estado, um artificialismo criado sob a pressão de potências estrangeiras, em particular a Inglaterra, durante a Guerra da Cisplatina (1825-1828). Desde então e mais recentemente, populações de origem brasileira estariam sendo discriminadas, quando não atacadas. Além disso, alegaria, se não houvesse a criação do Uruguai, sequer teria havido a Guerra do Paraguai (1865-1870), décadas depois, pois a segurança do Prata não estaria em jogo… E por aí vai. Os argumentos de Putin, para invadir a Ucrânia, não estão muito distantes disso… Ou seja, são insustentáveis à luz da moral.


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