Da CPI da Covid à logística, da energia e do clima à comunicação
No momento
em que o mundo caminha para o controle da Covid-19, graças à imunização
massiva, questões logísticas relevantes desafiam estrategistas, porém, perdem importância
relativa face a problemas energéticos e climáticos críticos, que exigem não
apenas enfrentamento urgente e imediato, como ações perenes, de longo prazo. No
cenário interno, um ambiente político carregado continua a turvar o horizonte,
dificultando os prognósticos.
No que toca a pandemia, é oportuno
lembrar que a população mundial totalmente vacinada chegou, em outubro, a 2,86
bilhões de pessoas (36,6% do total), sendo que 6,7 bilhões de doses foram
administradas, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). O dado contribui para um maior otimismo em
relação à retomada da atividade global, a despeito de uma série de fatores que
ainda geram incertezas.
Mesmo no Brasil, onde o início da
imunização demorou mais do que seria o razoável – devido a questões
burocráticas, mas também por evidente erro político – já é de 106 milhões o
número de pessoas totalmente vacinadas (50% da população), com 258 milhões de
doses aplicadas, o que faz com que o país seja o quarto que mais vacinou em
números absolutos, atrás de China, Índia e Estados Unidos.
Considerando
a melhora das expectativas no mundo, em virtude do avanço da vacinação, é
razoável se perguntar o que o governo Bolsonaro esperava ganhar ao adotar um
discurso oficial, senão contrário, no mínimo indiferente à imunização em massa.
Até aqui, pelo que se viu, o resultado do erro de comunicação – e de condução
do problema – foi alimentar uma CPI que tomou muito tempo, aprofundou o
desgaste político e aumentou as incertezas para o próprio governo, com prejuízo
para a economia.
Tem-se, hoje,
como primeira consequência, a retroalimentação da instabilidade política. Se o
presidente livrou-se da acusação de genocida e homicida no relatório final da
CPI, por absoluta falta de fundamentação jurídica para tais acusações (afinal,
como em todo o mundo o responsável por milhões de mortes seria um vírus letal e
aqui um genocida?), não deixou de sofrer graves imputações, com pedido de
indiciamento por uma dezena de crimes, entres eles, os de charlatanismo, de infração
de medida sanitária e de prevaricação.
Para um governante com os pés na
realidade, algo desmoralizante. Para um país que precisa voltar a crescer, um
motivo a mais de preocupação, sobretudo considerando-se a repercussão negativa no
exterior, lembrando que, entre as outras mais de 60 pessoas cujo indiciamento
será pedido, há integrantes do primeiro escalão do governo, entre eles o
ministro da Defesa.
Grau de confiança
As chances de que um impeachment,
como resultado da CPI, possa de fato tirar Bolsonaro do cargo continuam a ser
reduzidas, devido ao pouco tempo que falta para o fim do mandato, combinado à
morosidade inerente a esse tipo processo e, também, é preciso reconhecer, ao apoio
político de que o presidente desfruta de parcela significativa do eleitorado,
como provam as manifestações a seu favor – o que tem direta influência no
Congresso.
Se o objetivo não era o afastamento
imediato, qual foi o cálculo dos articuladores da CPI? A preparação do terreno para as eleições do
ano que vem? A reflexão é pertinente porque, ainda que se assuma que uma CPI em
torno da pandemia era moralmente impositiva, para apurar responsabilidades, na
prática, o país já saiu perdendo.
A recuperação da atividade econômica
requer um ambiente de estabilidade política. A palavra chave é previsibilidade.
Este ambiente pressupõe, por parte de quem tem o poder de tomar decisões, uma estratégia
de comunicação não apenas eficiente, mas responsável. O objetivo deve ser
sempre o de aumentar o grau de confiança de investidores, agentes econômicos e
da sociedade de forma geral. Quando a comunicação não é minimamente responsável
e eficiente, novas crises são gestadas, e prolongam-se as existentes.
Contêineres
A doutrina econômica é pródiga em
demonstrar “silogismos” entre, por exemplo, instabilidade política, pressões
sobre o câmbio e inflação. O que estamos vivendo hoje no Brasil não é mera
coincidência. Este é o problema de fundo que merece, portanto, atenção muito
maior do que os obstáculos logísticos pontuais, referidos de início. Até
porque, o maior desses obstáculos começa a ser superado. A falta de contêineres
para a circulação de mercadorias, resultado da repentina retomada da atividade
econômica por parte de grandes exportadores de manufaturados, em especial
Estados Unidos, Europa e países asiáticos, é progressivamente solucionada à
medida que as próprias trocas internacionais vão se intensificando,
normalizando o fluxo.
A notícia boa neste sentido é que o
transporte marítimo, por onde passam mais de 90% de nosso comércio exterior, não
sofreu ruptura durante a pandemia. Rotas não foram suspensas nem navios
retirados de serviço pelos armadores de longo curso, o que foi decisivo para as
exportações do agronegócio brasileiro e para a manutenção da atividade
portuária. Vale dizer que de janeiro a agosto deste ano, foram movimentadas
809,8 milhões de toneladas nos portos nacionais, um avanço de 7,5% em relação
ao mesmo período do ano passado, de acordo com a Antaq. De janeiro a julho,
houve alta de 6% nas exportações e de 30% nas importações.
Muito mais
do que com contêineres, a preocupação global volta-se para a crise energética e
a demanda por alimentos, questões interligadas e com impacto direto sobre o
clima. Desde maio, houve aumento de 95% nos preços internacionais de petróleo,
gás e carvão, em função do retorno repentino da demanda. Mesmo que os maiores
exportadores aumentem a produção, o que vai ocorrer nos próximos meses,
combustíveis fósseis, que são fontes não renováveis de energia, com impacto
negativo sobre o ambiente, deixaram de ser uma opção no longo prazo, o que faz
com que o mundo caminhe cada vez mais para a adoção de fontes alternativas
sustentáveis.
Energia limpa e COP-26
Praticamente 50% da energia produzida
no Brasil são provenientes de fontes renováveis, geradas principalmente a
partir de usinas hidrelétricas, mas também provenientes de parques
fotovoltaicos (captação da luz solar) e eólicos, cuja participação na matriz
energética tem crescido de forma significativa nos últimos anos. O percentual
de geração de energia sustentável no país (exatos 48% da produção) é três vezes
superior à média global, o que, em tese, colocaria o país em lugar de destaque
nas grandes discussões acerca da preservação do ambiente e do enfrentamento das
mudanças climáticas.
A situação
privilegiada em relação à geração “limpa” de energia faz com que seja factível
o compromisso que o país pretende assumir na COP-26 – a 26ª Conferência das
Nações Unidas sobre Mudança Climática, a ser realizada de 31 de outubro a 12 de
novembro, em Glasgow, na Escócia – de alcançar a neutralidade climática até
2050. Consolidada no Acordo de Paris em
2015, do qual cerca de 200 nações foram signatárias, a neutralidade é, na
verdade, uma meta compensatória que deve ser assumida por cada país em relação
às emissões que agravam o efeito estufa, causado por fontes “sujas”, os
combustíveis fósseis.
Em linhas gerais, para cada tonelada
de CO2 emitida, uma tonelada deve ser
compensada com medida de proteção climática, como a geração de energia
sustentável ou programas de reflorestamento. Outro compromisso a ser
apresentado pelo Brasil na COP-26 é o de desmatamento zero até 2030. O maior
aliado que o Brasil pode ter na luta contra o desmatamento é o seu agronegócio,
hoje responsável por 26% do PIB, motor do comércio exterior e vetor fundamental
do crescimento econômico.
Graças ao desenvolvimento da
tecnologia aplicada à agropecuária nas últimas quatro décadas, o Brasil se
tornou o grande fornecedor de alimentos do mundo. Um aspecto importante é que
apenas cerca de 8% do território nacional são de área plantada, o que demonstra
a alta produtividade do setor. O problema é que interesses comerciais
contrários à agropecuária brasileira, justamente devido à sua produtividade, associam
o seu desenvolvimento ao aumento do desmatamento, em particular na Amazônia.
A única forma de o Brasil combater
campanhas internacionais contra o agronegócio é demonstrar um firme compromisso
com a defesa do ambiente. Isso passa obviamente pela questão da comunicação
eficiente, mas, sobretudo, pela adoção de ações e políticas efetivas de
preservação de nossas florestas. A Amazônia legal perdeu 10.476 km2 de
florestas entre agosto e julho, meses em que anualmente se faz a aferição, o
que representa uma área 57% a maior do que o mesmo período do ano passado e o pior
resultado dos últimos dez anos, de acordo com dados do Imazon. No ano passado,
os dados oficiais de desmatamento, medidos pelo Inpe, já haviam sido os piores
em 12 anos.
O Brasil até é capaz de alcançar a
meta ousada de desmatamento ilegal zero até 2030, mas para tanto o governo
precisa começar logo a fazer o seu dever de casa. Por enquanto, pelos dados
disponíveis, a promessa carece de credibilidade. Aliás, para as três frentes –
energia, segurança alimentar e ambiente –, todas de caráter crítico, o país tem
respostas a dar ao mundo, desde que, é claro, assuma, como dito, uma
comunicação responsável – e adote práticas que venham a sustentar o discurso oficial.
Como se vê, há muito que melhorar.
Por Nilson Mello
Muito boa análise da situação atual do Brasil. A escrita clara e fluente permite a compreensão de todos.
ResponderExcluirExcelente visão do todo, não podemos esquecer de reflorestar os mananciais e proteger as fontes fluviais. Para reduzirmos no futuro a crise hídrica. Quanto energia renovável, temos os lixões que produzir gás, ondas do mar(elétrica), turbinas em rios, eólica e solar. Somos abençoados.
ResponderExcluir